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3 A DISCRICIONARIEDADE NA NOMEAÇÃO PARA OS CARGOS

3.1 Considerações sobre a discricionariedade administrativa

A discricionariedade está presente, em diferentes graus, nas três funções estatais. O legislador, por exemplo, que está limitado apenas às normas constitucionais, possui maior liberdade de atuação em relação ao juiz, o qual tem sua atividade sujeita à totalidade do ordenamento jurídico.159

O presente trabalho dedicar-se-á à análise da discricionariedade na função administrativa, uma vez que a nomeação de determinada pessoa para ocupar cargo público, ainda que realizada no âmbito dos Poderes Legislativo ou Judiciário, tem a natureza jurídica de ato administrativo.

É sabido que toda a atuação da Administração Pública é delineada pela lei (princípio da estrita legalidade, expressamente previsto pelo art. 37, caput, da CF). Todavia, em determinadas hipóteses, a própria lei, com o propósito de permitir o melhor atendimento ao interesse público, confere ao administrador certa liberdade para atuar, segundo critérios de conveniência e oportunidade.160 Discricionariedade, assim, é a liberdade de atuação de acordo com os parâmetros definidos pelo ordenamento jurídico. Não se confunde com arbitrariedade, porque nesta a liberdade de ação excede os limites impostos pela lei.161

159 RAMOS, Elival da Silva. Ativismo judicial: parâmetros dogmáticos. São Paulo: Saraiva, 2010. p.

124.

160 A conveniência diz respeito às condições em que vai se conduzir o agente; ao passo que a

oportunidade se refere ao momento em que a atividade deve ser produzida (CARVALHO FILHO, José dos Santos. Op. cit., p. 47).

161 Acerca da discricionariedade e necessidade de observância aos parâmetros legais, vale

transcrever os ensinamentos de Maria Sylvia Zanella Di Pietro: “Considerando-se a ordem jurídica vigente no direito brasileiro, constata-se que, a partir da norma de grau superior – a Constituição – outras vão sendo editadas, como leis e regulamentos, até chegar-se ao ato final de aplicação ao caso concreto. Em cada um desses degraus, acrescenta-se um elemento inovador, sem o qual a norma superior não teria condições de ser aplicada. Em cada momento de produção jurídica, tem-se que respeitar os limites opostos pela norma de grau superior. Assim é que a Administração Pública, ao praticar um ato discricionário, acrescentando um elemento inovador em relação à lei em que se fundamenta, somente agirá licitamente se respeitar os limites que nesta se contêm. Vale dizer que é no próprio ordenamento jurídico que se encontra o fundamento da discricionariedade” (DI PIETRO,

Para Eros Roberto Grau, a discricionariedade é liberdade de escolha entre opções igualmente justas ou indiferentes perante o ordenamento jurídico. Em suas palavras:

A discricionariedade é essencialmente uma liberdade de eleição entre alternativas igualmente justas ou entre indiferentes jurídicos – porque a decisão se fundamenta em critérios extrajurídicos (de oportunidade, econômicos etc.), não incluídos na lei e remetidos ao juízo subjetivo da Administração (...).162

Como pondera Hely Lopes Meirelles, “a discricionariedade não se manifesta no ato em si, mas sim no poder de a Administração praticá-lo pela maneira e nas condições que repute mais convenientes ao interesse público”. Assim sendo, para o autor, o correto é falar-se em “poder discricionário da Administração” e não em “ato discricionário”.163

De fato, a discricionariedade está na competência do agente quanto a determinados aspectos do ato.164 Nesse sentido, o conceito de discricionariedade formulado por Diogo de Figueiredo Moreira Neto:

Discricionariedade é a qualidade da competência cometida por lei à Administração Pública para definir, abstrata ou concretamente, o resíduo de legitimidade necessário para integrar a definição de elementos essenciais à prática de atos de execução voltados ao atendimento de um interesse público específico.165

Vale notar que o exame da discricionariedade demanda não apenas a análise da norma, mas também do caso concreto. A esse respeito, oportuno citar as lições de Celso Antônio Bandeira de Mello, in verbis:

Maria Sylvia Zanella. Discricionariedade administrativa na Constituição de 1988. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2001. p. 71).

162 GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1998. p.

150.

163 Direito administrativo brasileiro cit., p. 151. 164

Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello, “discricionária é a apreciação a ser feita pela autoridade quanto aos aspectos tais ou quais”; discricionário não é o ato, mas sim a competência do agente quanto a determinado(s) aspecto(s) do ato. Assim, segundo o autor, ato discricionário é forma elíptica de se dizer “ato praticado no exercício de apreciação discricionária em relação a algum ou alguns dos aspectos que o condicionam ou compõem” (Curso de direito administrativo cit., p. 947- 948).

165 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Legitimidade e discricionariedade: novas reflexões sobre

(...) a existência de norma ensanchadora de liberdade administrativa não é o bastante para concluir-se que exista discrição na prática de um determinado ato. É requisito indispensável; não porém suficiente. (...) discricionariedade é margem de liberdade que efetivamente exista perante o caso concreto. Discricionariedade ao nível da norma pode ou não engendrar discrição em face de uma específica situação ocorrente na realidade empírica, e, de toda sorte, estará sempre restringida aos limites que a situação vertente comporta.166 (destaques no original).

Com efeito, mesmo que a norma jurídica confira certa margem de liberdade para o administrador, se o caso concreto apontar, de forma que não exista dúvida, para uma única providência que melhor atende ao interesse público visado pela lei, não haverá que se cogitar de discricionariedade.

De acordo com Maria Sylvia Zanella Di Pietro, a discricionariedade existe, em regra, nas seguintes situações: quando a lei expressamente a confere à Administração; quando a lei é insuficiente, porque não lhe é possível prever todas as situações supervenientes ao momento de sua promulgação; quando a lei prevê certa competência, mas não determina a conduta a ser adotada; e nos casos em que a lei usa conceitos indeterminados ou fórmulas elásticas, “assim consideradas aquelas que encerram valorações, isto é, sentidos axiológicos, jurídicos, tais como comoção interna, utilidade pública, bem comum, justiça, equidade, decoro, moralidade etc.”.167-168

A discricionariedade administrativa nunca é plena. Segundo a doutrina e a jurisprudência majoritárias, o fim e a competência para prática de um ato são sempre vinculados à lei. Isso porque o fim almejado pelo ato é sempre o interesse público.169 Já quanto à competência, a lei prevê a quem compete a prática de

166 Curso de direito administrativo cit., p. 416-418.

167 Discricionariedade administrativa na Constituição de 1988 cit., p. 75-76.

168 Importante ressaltar que para Eros Roberto Grau a discricionariedade somente existe quando a

norma jurídica válida atribuir ao agente público a formulação de juízos de oportunidade. Segundo o doutrinador, fora da referida hipótese, qualquer agente público está adstrito à legalidade, “inclusive quando lhe incumba o dever-poder de interpretar/aplicar texto ou textos normativos que veiculem ‘conceitos jurídicos indeterminados’”. Ainda conforme apregoa Eros Roberto Grau, “a superação da indeterminação (o preenchimento) dos ‘conceitos indeterminados’ opera-se no campo da

interpretação, não no campo da discricionariedade; importa a formulação de juízo de legalidade, não

de juízo de oportunidade” (O direito posto e o direito pressuposto cit., p. 152-159, destaques no

original).

169 Registre-se que para Celso Antônio Bandeira de Mello, embora seja indiscutível que o fim do ato

determinado ato. Assim, a discricionariedade pode estar presente no momento da prática do ato; na sua forma;170 no motivo; ou, ainda, no conteúdo do ato.

O ato praticado no exercício de competência discricionária tem como limite o princípio da legalidade em sentido amplo (dever da Administração Pública de observância do Direito, o que abrange a lei em sentido formal e também todos os princípios da ordem jurídica). A esse respeito, Juarez Freitas pontua que é legítima “a liberdade exercida em conformidade com as regras e, acima delas, com os exigentes princípios da Constituição. Fora daí cristalizar-se-á, em maior ou menor grau, a desprezível e abominável arbitrariedade por ação ou omissão”.171

Por meio da motivação do ato é possível constatar a sua legitimidade. A motivação é “a pedra de toque para o controle da discricionariedade”.172

3.2 A discricionariedade na nomeação para os cargos em comissão e os