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Alcance do controle a ser realizado pelo Poder Judiciário

4 CONTROLE DO ATO DE NOMEAÇÃO

4.2 Alcance do controle a ser realizado pelo Poder Judiciário

Compete ao Poder Judiciário o dever de resguardar a observância da ordem jurídica, sobretudo da Constituição Federal.

De acordo com Elival da Silva Ramos, a discricionariedade, que está fortemente vinculada ao princípio da separação dos poderes, importa na contenção do controle jurisdicional em benefício do Poder Legislativo ou da Administração Pública em face da inexistência de limitação normativa ou em razão do entendimento de que as normas existentes não autorizam o Poder Judiciário a impor certo padrão de conduta em substituição àquele adotado pelo Poder controlado.252

Conforme já visto, o limite da discricionariedade administrativa é a legalidade em sentido amplo (que compreende a lei em sentido formal e também todos os princípios do ordenamento jurídico).

O controle a ser exercido pelo Poder Judiciário, sempre limitado aos parâmetros objetivamente extraídos do ordenamento jurídico, abarca, segundo Celso Antônio Bandeira de Mello, os seguintes pressupostos do ato praticado no exercício de competência discricionária: motivo (pressuposto fático que autoriza ou exige a prática do ato); finalidade (bem jurídico almejado pelo ato); e causa (correlação lógica entre o motivo e o conteúdo em função da finalidade tipológica do ato). Explica o autor:

Apoderado o sentido das palavras legais e do próprio espírito que lhes anima o enunciado, em trabalho que se aprofunda até o ponto em que surjam dúvidas ou imprecisões inelimináveis totalmente, o Judiciário estabelece o confronto entre o ato administrativo e as imposições que lhe incumbiria atender.

Para tanto coteja os fatos do mundo real, em que se pretende estribada a Administração, com a previsão hipotética deles, a ver se os primeiros realmente se subsumem ao enunciado normativo. Além disto, perquire o móvel, a intenção do agente, para aferir seu ajuste à finalidade da lei, posto que a norma não prestigia comportamentos produzidos em desarmonia com os objetivos públicos em geral e com o objetivo público específico correspondente à tipologia do ato exarado.

Por derradeiro: se a lei não expressou o motivo legal justificador do ato, cabe, ainda, ao Judiciário investigar se há ou não correlação

lógica entre os suportes materiais do ato e o conteúdo idôneo para o atendimento dos fins que a lei elegeu como perseguíveis no caso.253 (destaques no original)

Saliente-se que os aspectos vinculados de um ato discricionário (como a competência e o fim) estão plenamente sujeitos ao controle judicial, uma vez que neles não há nenhuma margem de liberdade para o agente público prevista pela legislação. Todavia, ao Poder Judiciário não é permitido invadir o espaço de livre decisão conferido, pela lei, à Administração, sob pena de substituir por critérios próprios de eleição “a opção legítima feita pela autoridade competente com base em razões de oportunidade e conveniência que ela, melhor do que ninguém, pode apreciar diante de cada caso concreto”.254

Lúcia Valle Figueiredo, partindo da premissa de que a justificativa para a competência discricionária é garantir a concretização das finalidades eleitas pelo ordenamento jurídico, apregoa que “o controle jurisdicional deve ir até o ponto em que remanesce dúvida ineliminável”.255

Ainda no que concerne aos limites impostos ao Poder Judiciário em matéria de controle de atos discricionários, relevante também trazer à colação julgados do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal que reconhecem que o controle judicial deve ser restrito à análise da legalidade, in verbis:

MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR. ATO DE REDISTRIBUIÇÃO. DISCRICIONARIEDADE ADMINISTRATIVA. I – O ato de redistribuição de servidor público é instrumento de política de pessoal da Administração, que deve ser realizada no estrito interesse do serviço, levando em conta a conveniência e oportunidade da transferência do servidor para as novas atividades. II – O controle judicial dos atos administrativos discricionários deve- se limitar ao exame de sua legalidade, eximindo-se o Judiciário de adentrar na análise de mérito do ato impugnado. Precedentes. Segurança denegada.256 (destacamos)

RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. 1. DECADÊNCIA. 2. CANDIDATO APROVADO ALÉM DO NÚMERO DE VAGAS

253 Curso de direito administrativo cit., p. 954.

254 DI PIETRO, Discricionariedade administrativa na Constituição de 1988 cit., p. 133. 255 Curso de direito administrativo cit., p. 220.

PREVISTOS EM EDITAL. AUSÊNCIA DE DIREITO SUBJETIVO À NOMEAÇÃO. 3. DISCUSSÃO SOBRE O PRAZO DE VALIDADE E SOBRE A PRORROGAÇÃO DO CONCURSO. DISCRICIONARIE- DADE ADMINISTRATIVA. 4. NÃO OCORRÊNCIA DE ILEGALIDADE OU DE ABUSIVIDADE DO ATO ADMINISTRATIVO. IMPOSSIBILI- DADE DE EXAME PELO PODER JUDICIÁRIO. PRECEDENTES. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO.257

Do quanto exposto, resta claro que, com fulcro no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal,258 o Poder Judiciário, desde que provocado (princípio da inércia da jurisdição), realiza o controle em relação à legalidade em sentido amplo (conformidade do ato com as regras e os princípios que compõem o ordenamento jurídico), porém não lhe é permitido devassar o mérito administrativo propriamente dito,259 sob pena de ofensa à separação dos poderes prevista pelo art. 2º da Lei Maior.260 O Judiciário apenas examina o mérito em relação ao que for necessário para nele identificar eventual exorbitância,261 que redundará, então, em ilegalidade.

Importante ressaltar que o Poder Judiciário analisa a correção do ato à luz do ordenamento jurídico, não lhe competindo substituir a avaliação feita pelo administrador pelo seu próprio juízo. De fato, constatada ilegalidade no ato discricionário, deverá tal ato ser anulado pelo juiz, hipótese em que caberá à Administração praticar novo ato em plena observância aos princípios e às regras jurídicas.

257 STF, 2a Turma, RMS 28.911/RJ, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJe-237 04/12/2012.

258 Art. 5º, XXXV, da CF: “A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a

direito”.

259 Hely Lopes Meirelles ressalta que não há que se falar em mérito nos atos vinculados, mas apenas

nos atos discricionários. Segundo tal autor, o mérito administrativo consubstancia-se “na valoração dos motivos e na escolha do objeto do ato, feitas pela Administração incumbida de sua prática, quando autorizada a decidir sobre a conveniência, oportunidade e justiça do ato a realizar” (op. cit., p. 138). Já Celso Antônio Bandeira de Mello define o mérito do ato como “o campo de liberdade suposto na lei e que efetivamente venha a remanescer no caso concreto, para que o administrador, segundo critérios de conveniência e oportunidade, decida-se entre duas ou mais soluções admissíveis perante a situação vertente, tendo em vista o exato atendimento da finalidade legal, ante a impossibilidade de ser objetivamente identificada qual delas será a única adequada” (Curso de direito administrativo cit., p. 928-929). Diogo de Figueiredo Moreira Neto, por sua vez, apregoa que o mérito “só existirá como

resultado do exercício da discricionariedade, como definição da oportunidade e da conveniência,

respectivamente, na função de integrar os elementos motivo e objeto” (op. cit., p. 48, destaques no original).

260

“Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.”

Conforme já afirmado anteriormente, por meio da motivação, o Poder Judiciário poderá avaliar a legitimidade do ato.

Em relação especificamente aos cargos de provimento em comissão, o Judiciário, instado a se manifestar, deverá examinar se a escolha do titular e sua subsequente nomeação atenderam aos parâmetros legais (previstos, sobretudo, na lei que cria o cargo comissionado) e aos princípios jurídicos aplicáveis à espécie. Caso a nomeação implique violação da lei ou de princípios que norteiam a atuação da Administração Pública, o ato será passível de anulação.262

Cumpre notar que, apesar de ser desnecessária a indicação pela autoridade pública dos motivos da nomeação ou da exoneração do servidor comissionado (em razão da liberdade conferida pelo art. 37, II, da CF), caso sejam declinados os motivos do ato (fatos que embasaram a decisão), ele somente será válido se tais motivos forem reais, verdadeiros.263 Assim, nessas situações, demonstrada a inexistência ou a falsidade dos motivos indicados, o ato caracteriza-se como inválido e, portanto, poderá ser anulado pelo Poder Judiciário.

262 Interessante transcrever o entendimento adotado em acórdão proferido pelo Tribunal Regional

Federal da 5ª Região acerca do alcance do exame a ser realizado pelo Poder Judiciário em caso de nomeação ou exoneração referente a cargo de provimento em comissão, in verbis:

“ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CAUTELAR. CARGO EM COMISSÃO. EXONERAÇÃO. DESVIO DE FINALIDADE OU ILEGALIDADE NÃO DEMONSTRADOS. SINDICABILIDADE JUDICIAL. INCABIMENTO. AGRAVO IMPROVIDO. Ação cautelar ajuizada por titulares de cargo em comissão (assessores de juiz) no TRT da 7ª Região (CE) visando a impedir a sua exoneração pelo Presidente daquela Corte, enquanto o Juiz titular do Gabinete se encontrasse convocado pelo Tribunal Superior do Trabalho – TST. A Constituição Federal assegura ampla discricionariedade à Administração Pública para a nomeação e exoneração dos titulares de cargos em comissão, na forma do inciso II, do art. 37. Nesse sentido, não cabe ao Poder Judiciário avaliar a conveniência e a oportunidade da nomeação ou da exoneração, salvo se a discricionariedade for utilizada para camuflar qualquer violação da lei ou os princípios que regem a atividade administrativa. Precedentes do STJ. A sindicabilidade judicial do ato de exoneração dos agravados dependeria da demonstração prévia de que tal ato fora praticado com desvio de finalidade ou em contrariedade ao ordenamento jurídico, o que não se pode concluir a partir dos elementos constantes dos autos, especialmente porque a exoneração sequer chegou a ocorrer. Agravo de instrumento provido” (TRF 5ª Região, 1a Turma, AG 200305000042745, Rel. Des. federal Ubaldo Ataíde Cavalcante, DJ 30/11/2004, p. 526), destaques nossos.

263 Trata-se da denominada teoria dos motivos determinantes. Celso Antônio Bandeira de Mello

leciona que, segundo a mencionada teoria, “os motivos que determinaram a vontade do agente, isto é, os fatos que serviram de suporte à sua decisão, integram a validade do ato. Sendo assim, a invocação de ‘motivos de fato’ falsos, inexistentes ou incorretamente qualificados vicia o ato mesmo quando, conforme já se disse, a lei não haja estabelecido, antecipadamente, os motivos que ensejariam a prática do ato. Uma vez enunciados pelo agente os motivos em que se calçou, ainda quando a lei não haja expressamente imposto a obrigação de enunciá-los, o ato só será válido se estes realmente ocorreram e o justificavam” (Curso de direito administrativo cit., p. 386).