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Capítulo II A separação entre o proieto e a obra

2. A separação entre o projeto e a obra

2.2. A discussão teórica da arquitetura

2.2.1. A arquitetura como objeto de discussão

Qualquer discussão sobre a arquitetura da atualidade deve levar em consideração, antes de mais nada, as suas origens no movimento de arquitetura moderna e as rupturas necessárias para a introdução das novas tecnologias de construção. A referência inicial feita à arquitetura moderna tem por objetivo situar uma parte da discussão que tem a arquitetura por objeto. No entanto, esta é apenas uma das diversas abordagens possíveis em um a discussão sobre a arquitetura. A arquitetura pode ser abordada como uma manifestação de arte mas também como uma expressão da técnica de seu tempo. A discussão sobre arquitetura também pode estar inserida na polêmica questão que trata da modernidade e da pós-modemidade e pode ser necessário fazer referências à arquitetura nas mais variadas discussões teóricas, da história à economia, da crítica de costumes à política.

2.2.2. Discussão da arquitetura enquanto arte

Como resume Lina Bo Bardi, ao fazer um retrospecto de sua atuação profissional, a arquitetura é um compromisso entre a poesia e a prática científica (Instituto Lina Bo e P. M. Bardi, 1993). Se a arquitetura está em algum lugar entre a arte e a técnica, a crítica de arquitetura tende a estar em algum lugar entre a arquitetura e a poesia. M ais voltada para aspectos estéticos e formais, grande parte da literatura de arquitetura é, literalmente, ilustrativa das soluções formuladas, tendendo a ser pouco crítica. Os mais destacados arquitetos tem volumes dedicados inteiramente à sua obra e alguns poucos escreveram sobre a sua visão da arquitetura. A arquitetura também é abordada em livros que tratam dos estilos ou da produção arquitetônica em períodos específicos. Esta forma de abordagem acaba por tratar a arquitetura principalmente como uma manifestação da arte e da cultura de seu tempo.

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2.2.3. Discussão da arquitetura enquanto técnica

Em paralelo à discussão dos aspectos formais da arquitetura, existe uma intensa produção acadêmica voltada para o desenvolvimento e aprimoramento dos processos construtivos. Esta discussão preocupa-se com a qualidade da edificação e com a produtividade da obra. Pela sua temática e pela racionalidade de sua abordagem, esta discussão está aparentemente restrita à engenharia. Uma leitura superficial da produção teórica poderia levar à conclusão de que a abordagem da arquitetura desconsidera as questões construtivas, ligadas ao canteiro de da obra, e que a abordagem das técnicas construtivas não levaria em consideração a questão do projeto. No entanto, entende-se com facilidade que as atividades de projeto e de construção são complementares e indissociáveis, apenas etapas de um processo que vai da identificação de uma necessidade de espaço físico à ocupação e uso do objeto construído. N este sentido existe uma preocupação crescente, por parte dos arquitetos, com a questão da execução da obra, resgatando a preocupação e o envolvimento com os aspectos construtivos que estão na origem do movimento de arquitetura moderna.

2.2.4. Discussão da arquitetura enquanto processo de inovação

As mudanças que ocorreram na produção arquitetônica na era moderna podem ser vistas como um processo de introdução de novas tecnologias. Ao tratar do gerenciamento da mudança tecnológica, Yassin Sankar estabelece um modelo de mudança em um processo com quatro estágios: o diagnóstico, a iniciação, a implementação e a rotinização (Sankar, 1991). N a perspectiva de Sankar, pode ser dito que o estágio de diagnóstico teria ocorrido quando da constatação de que as novas tecnologias do concreto armado e da estrutura metálica modificavam inteiramente o comportamento dos componentes da edificação e o processo construtivo, com a separação das funções de sustentação e vedação. A iniciação teria ocorrido quando da aplicação dos princípios clássicos às inovações, ornando e ocultando os componentes estruturais. E sta forma de aplicação se m ostrou inadequada para a industrialização do processo construtivo, abrindo o que M. Tyre e W. Orlikowski definem como janela de oportunidade’ para a experimentação (Tyre & Orlikowski, 1994). No estágio da implementação teria ocorrido a ruptura com os dogmas existentes, para a criação do que Sankar se refere como a ‘infraestrutura para a inovação’, isto é, o estabelecimento de

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novos procedim entos e padrões de uso, que seriam os dogmas da arquitetura moderna. Finalmente, a arquitetura está em um estágio em que há a rotinização do uso destas tecnologias, ainda que tenham havido alguns episódios posteriores de adaptação, que levaram a um a polêmica discussão sobre se arquitetura teria avançado para um a pós- modernidade. M esmo com o acentuado desenvolvimento das técnicas do concreto armado e da estrutura metálica e nos processos construtivos, ainda está por surgir uma inovação tecnológica capaz de criar as condições para uma ruptura definitiva com os princípios e dogmas estabelecidos pelo movimento de arquitetura moderna.

2.2.5. A responsabilidade dos arquitetos

Ao discutir a modernidade, Anthony Giddens (Giddens, 1991) aborda a questão dos sistemas peritos, sistemas de excelência técnica ou competência profissional, sobre os quais o leigo deposita sua confiança. E sta confiança não se baseia nem em um a iniciação no conhecimento, nem no indivíduo que domina este conhecimento, mas em um a fé na autenticidade do conhecimento aplicado pelo perito. A contrapartida da fé do leigo é a responsabilidade ético-profissional do perito. Como coloca Hely Lopes Meirelles, esta responsabilidade deriva de imperativos morais e de preceitos regedores do exercício da profissão e independe das responsabilidades contratuais e legais. Analisando a legislação sobre obras públicas, Meirelles afirm a que a responsabilidade pela perfeição da obra é o primeiro dever legal de todo profissional de engenharia ou arquitetura e independe de ajustes contratuais. Isto porque a construção civil é, modernamente, “mais que um empreendim ento leigo, um processo técnico de alta especialização, que exige, além da peritia artis do prático passado, a peritia technica do profissional da atualidade” (M eirelles, 1991, p. 275). N este sentido, “a cultura arquitetônica deverá pôr-se na condição de favorecer abordagens tais do projeto através das quais a qualidade arquitetônica possa exprimir-se mediante poéticas que sobrevivam até mesmo dentro de lógicas econômicas e produtivas (Faroldi e Vettori, 1997, p. 15). Para Emilio Faroldi e M aria Pilar Vettori, que abordam as práticas dos profissionais de arquitetura, caberia indicar “os possíveis caminhos a percorrer para reduzir a distância entre projeto e execução” . E sta é, sem dúvida, uma responsabilidade que cabe aos arquitetos.

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