• Nenhum resultado encontrado

Capítulo II A separação entre o proieto e a obra

2. A separação entre o projeto e a obra

2.3. O projeto e a obra

2.3.1. Fragmentação das atividades de projeto e obra

A extraordinária produção de conhecimentos, na época em que vivemos, leva, cada vez mais, à especialização e à fragmentação das atividades. Para Neil Postman, que abordou a relação da cultura com a tecnologia, a torrente de informações tornou impossível para alguém possuir mais do que uma pequena fração do conhecimento humano. Postman se refere a um ‘especialista-enquanto-ignorante’ que se concentra em apenas um cam po do conhecimento e elimina da sua abordagem tudo o que não estiver diretamente relacionado à solução de um problema (Postman, 1994) A conseqüência, na construção civil, pela sua complexidade, e pelo desenvolvimento de novas profissionalizações, é uma tangível perda de unidade do processo, com a atuação de diversos especialistas voltados para apenas um aspecto da realização do projeto ou da obra. Como colocam Emilio Faroldi e M aria Pilar Vettori, a especialização profissional, ' levou a uma “disjunção dos momentos de decisão, fundamentais para um a estratégia

unitária do projeto e da realização da obra” (Faroldi e Vettori, 1997, p. 14).

2.3.2. Dualismo projeto e obra

O especialista-enquanto-ignorante, a que se refere Neil Postman (Postman, 1994), quando realiza o projeto, desconsidera a obra. Quando executa a obra, desconsidera o projeto. A arquitetura, ao voltar-se mais e mais, para a questão formal, acaba por distanciar-se da prática da obra. O ensino de arquitetura e a experimentação teórica através do desenho, necessária para rever dogmas, estabelecer novos valores e abrir possibilidades, acaba criando um a cultura do projeto pelo projeto, dissociada da realidade construtiva esquecendo, talvez, que o projeto só se justifica pela obra e de que a obra só existe a partir do projeto. Para Emilio Faroldi e M aria Pilar Vettori, o conceito de possibilidade de realização da obra deverá voltar a ser o fulcro de todo entendimento do projeto” . Por outro lado, as abordagens da obra, devem levar em consideração outros fatores que não apenas os da lógica produtiva de maneira a preservar a diversidade de conteúdos que são expressos na formulação projeto. Como salientam Faroldi e Vettori, “é oportuno estimular relações cada vez mais orgânicas entre cultura de projeto e cultura industrial” e superar antigos dualismos ainda existentes

Capítulo n A separação entre o projeto e a obra

entre arte e técnica e entre teoria e prática “evitando sempre privilegiar um polo em relação ao outro” (Faroldi e Vettori, 1997, p. 288).

2.3.3. A obra na perspectiva do projeto

N o canteiro de obras moderno, “infelizmente o diálogo ficou diminuto”, lam enta Paolo Portoghesi, ao tratar das práticas de projeto (Portoghesi, 1997, p. 112). Portoghesi não se refere a uma conversa entre profissionais mas ao diálogo do arquiteto com a sua obra. Para Portoghesi, “a obra, num certo instante, se destaca de seu autor, adquirindo uma própria objetividade e até uma própria subjetividade” (1997, p. 112). Assim, tanto existe o detalhe que nasce junto com o projeto, fazendo parte inseparável dele, como o detalhe que “nasce de um a relação de diálogo e compreensão entre o arquiteto e sua obra e que visa tirar partido das potencialidades lógicas da obra , definido por Portoghesi como corretivo, ou em certos casos, expressivo (1997, p. 113). A experiência do canteiro de obras deve permitir a intervenção do arquiteto, testando, variando, verificando” . Para Portoghesi, o arquiteto não deve se distanciar da obra, e sim, “voltar a ‘sujar os sapatos’ e viver a própria arquitetura, construindo-a com as próprias mãos” (1997, p. 104).

2.3.4. O projeto na perspectiva da obra

O olhar da obra em relação ao projeto é fortemente condicionado pelas lógicas produtivas. A fragmentação das atividades de construção civil é percebida como uma separação entre o projeto e obra. Roberto de Oliveira, ao tratar da construtibilidade, se refere a uma tradicional separação entre as fases de concepção e projeto, de um lado, e a fase de construção, do outro. (Oliveira, 1994). Também Julio Ferreira faz referência a um a estanqueidade entre projeto e obra ao afirmar que tradicionalm ente a fase de projeto somente envolve o proprietário e os projetistas, negligenciando a participação do time de construção (Ferreira, 1996). Para Luiz Fernando Heineck e Ana M aria Tristão, abordando a construção, não são desconhecidas as inconveniências do projeto separado da produção (Heineck e Tristão, 1995). A falta de envolvimento com a obra, por parte dos profissionais de projeto, levaria, de acordo com Oliveira, à escolha de soluções que não consideram a complexidade de sua execução. Para Oliveira, as técnicas de produção

Capítulo II A separação entre o proieto e a obra

dependem do projeto. D esta forma, as deficiências de projeto levariam a problemas na execução da obra.

2.3.5. Deficiências de projeto

O projeto realizado sem a perspectiva da execução da obra, pode apresentar uma série de deficiências. Luiz Fernando Heineck, Ana M aria Delazari Tristão e Renato Neves, ao buscarem identificar a origem dos problemas que ocorrem na execução da obra, apontam para algumas das deficiências que ocorrem nos projetos. A maior parte destas deficiências se referem ao conteúdo das informações do projeto, como a falta de justificativa para as soluções adotadas; a inexistência de memorial descritivo, discriminações técnicas e especificações de materiais; as referência a normas sem explicitar seu conteúdo; os erros de cotas, níveis e alturas; a falta de correspondência entre discriminações e memoriais e a inexistência de informações sobre como obter componentes pouco usuais. Outras deficiências apontadas se referem à maneira como as informações são organizadas, como a falta de arquivo de plantas que dificultam a sua localização, excessiva informação cruzada e a falta de integração entre projetos, orçamento, discriminações e locais de aplicação dos materiais. Também é feita referência à falta de padronização, com um a quantidade excessiva de tipos de materiais, dimensões e fornecedores. Finalmente, Heineck, Tristão e Neves apontam como deficiências as diferenças de práticas de projetistas para projetistas por inexistência de normas de projeto (Heineck, Tristão e Neves, 1995). Esta falta de padronização de procedimentos certamente contribui para dificultar a leitura do projeto e para que sejam extraídas dele as informações necessárias para a execução da obra.