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A dualidade da política agrícola e os mecanismos de intervenção na Agricultura Familiar

Nos últimos anos, a Agricultura Familiar assumiu um papel de destaque no acesso às políticas públicas, tendo como objetivo a melhoria nas condições socioeconômicas das famílias. Entretanto, no passado histórico da agricultura brasileira, a ação intervencionista do governo federal objetivava um desenvolvimento agrícola focado em uma pequena parcela de

produtores que tinham condições de acessar um pacote tecnológico voltado à produção para a exportação. Trata-se da modernização conservadora da agricultura brasileira.

O paradigma concebido na modernização desigual era excludente de uma grande parcela da população rural; sendo assim, a agricultura com característica familiar também sofreu, ao longo da história do país, os impactos do desenvolvimento agrícola no meio rural. Nesse sentido, Aquino e Teixeira (2005, p. 64-65) defendem a premissa de que foram os grandes e médios produtores ligados ao setor exportador e aos complexos agroindustriais, localizados fundamentalmente nas regiões sul e sudeste do país, os verdadeiros beneficiários dos estímulos governamentais para o meio rural.

Nesse sentido, o modelo de desenvolvimento agrícola baseava-se no aumento da produtividade principalmente de produtos comoditizados, aumento das exportações e produção de matérias-primas para agroindústrias por grandes produtores. O fornecimento de alimentos baratos para a população urbana, que serviriam como força de trabalho para as indústrias, ficou a cargo dos agricultores familiares.

Assim, não eram considerados os problemas ambientais, sociais e outros criados pelo modelo; na agricultura, pela Revolução Verde, não foi diferente. Esses temas estavam incorporados e só se agravaram ao longo dos anos, aumentando a desigualdade no campo e ampliando a dimensão dos problemas sociais. Com a evidência desses problemas criados pelos modelos que foram sendo implementados, o conceito de desenvolvimento sustentável passa a incorporar as novas propostas de desenvolvimento.

Tais modelos partem de uma visão de que o futuro da agricultura passa pelo esvaziamento inevitável do campo, sendo que o percentual de moradores será semelhante ao de países como os Estados Unidos ou países da Europa (SILVA, 2001).

O acesso a serviços públicos, como órgãos governamentais de crédito, assistência técnica e extensão rural, como o Sistema Nacional de Crédito Rural, implantado em 1965, muitas vezes não conseguiram atender às diversas demandas nas localidades do país. Nesse modelo de desenvolvimento agrícola proposto, como destaca Leite (2001), pelo fato de privilegiar produtores (sobretudo grandes), regiões (centro-sul do país) e produtos (exportáveis), o sistema marcou significativamente, pelo volume de recursos alocados, a conjuntura setorial do final dos anos 60, toda a década de 70 e parcialmente os anos 80.

Os aspectos relacionados à ocupação das terras pela colonização, aspectos étnicos e culturais, a maneira de reproduzir das famílias, a forma de manejo dos sistemas de produção, os conhecimentos adquiridos em convivência com a natureza das etnias cabocla, indígena, africana e europeia permaneceram, ou seja, objetivava-se a primeira parte da produção para a

reprodução da família e a segunda parte para a geração de renda com a comercialização do excedente.

Esse fato pode justificar o porquê de esta grande parcela da população rural não ter sido extinta do cenário da agricultura brasileira, assim permanecendo em seus territórios nas décadas em que a política agrícola esteve centrada na modernização de grandes produtores com o perfil empresarial buscando a exportação e o consumo dos insumos necessários para a produção, embora o discurso dos defensores desse paradigma fosse a erradicação da fome no mundo.

Apesar de os grandes avanços em termos de produtividade de diversas culturas no período serem uma vantagem competitiva para o setor, esse modelo possibilitou diversas reflexões quanto os impactos causados ao ambiente social e ambiental. As diversas interpretações permitiram chegar a uma conclusão: os moldes em que era concebido o modelo eram excludentes de uma grande parcela da população rural, na qual se incluía a Agricultura Familiar.

Em função disso, surge uma grande mobilização dos movimentos sociais desse setor na década de 90, o que permitiu a implementação de uma política agrícola especial, “compensatória”, voltada a esses atores, desenvolvida pelo governo federal. Essas ações foram iniciadas, continuadas e intensificadas a partir da década de 2000, com maior aporte de recursos, objetivando, a partir de suas intervenções, beneficiar essa importante parcela da população rural brasileira, até então excluída de grandes programas, com a criação do Ministério do Desenvolvimento Agrário1. Por outro lado, a agricultura com perfil empresarial ficaria a cargo do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, portanto uma evidente política agrícola dual adotada pelo governo brasileiro visando privilegiar dois públicos.

No governo Fernando Henrique Cardoso, foi intensificada ainda mais a política pública voltada para a Agricultura Familiar. Os gestores visavam, com essa ação governamental, compensar os efeitos nocivos da política econômica e também a nova construção do modelo de desenvolvimento rural brasileiro. Com pretensão de tentar reverter esse quadro geral e compensar parte dos efeitos nocivos da política econômica levada a cabo sobre o setor rural, o governo FHC criou, em 1996, o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) (AQUINO; TEIXEIRA, 2005, p.65).

A dualidade da política agrícola brasileira introduzida no segundo governo FHC foi mantida, institucionalizada e até exacerbada pelo governo Lula. A Agricultura Familiar, com

1 Em 2000, o antigo Ministério Extraordinário de Política Fundiária torna-se o Ministério do Desenvolvimento

4,2 milhões de estabelecimentos e 70% das propriedades ativas agrícolas, era de responsabilidade do Ministério do Desenvolvimento Agrário, enquanto a agricultura empresarial, com 550 mil estabelecimentos, que representavam apenas 12% do total dos estabelecimentos, era administrada pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Em 2009, os créditos financeiros para a Agricultura Familiar eram, no máximo, 20% daqueles destinados à Agricultura Empresarial (FELICIO, 2009).

Segundo De Conti e Roitman (2011), durante seus 15 anos de vigência, o Pronaf parece ter se consolidado como política de Estado. Os mesmos autores também destacam que o Pronaf representa um considerável avanço por ter sido a primeira política pública de apoio à Agricultura Familiar e apresentam, no mesmo trabalho, a expansão do programa no período dos dois mandatos do governo Lula. De acordo com os autores, a partir do ano-safra 2003- 2004, o valor financiado cresceu acentuadamente, indicando a decisão política do governo recém-empossado de expandir o programa, com um valor financiado ultrapassando os R$ 10 bilhões no ano-safra 2008-2009 e se mantendo nesse patamar em 2009-2010.

Tonneau e Teixeira (2002) destacam que a Agricultura Familiar é parcialmente sustentada por aposentadorias rurais e transferências governamentais (bolsas alimentação, renda mínima, educação). Entretanto, eles destacam a importância dessas políticas de compensação social para estabilizar as rendas rurais das famílias e reduzir a pobreza, justificadas em pesquisas, e argumentam que o princípio que está por trás é que é socialmente menos custoso pagar o trabalho dos agricultores do que gerar uma crise social urbana. Como podemos observar, a Agricultura Familiar tinha sido relegada a segundo plano nos modelos de desenvolvimento adotados, cujas consequências para este público foram variáveis se considerarmos as características individuais das famílias, que lhes conferem uma maior ou menor capacidade de reprodução familiar.

Diante disso, esses atores vêm sendo alvo de políticas compensatórias que visam equalizar tal situação. Entretanto, eles também têm buscado estratégias para sua subsistência e geração de renda. Nesse sentido, a política econômica da última década buscou uma intensificação da distribuição de renda e de inclusão social incentivadas nos governos Lula (2003-2010). O novo paradigma de desenvolvimento a longo prazo não estaria apenas baseado no consumo de itens industrializados pela população urbana, mas também no incentivo a setores estratégicos, como a agricultura, indústria e matriz energética a partir de um maior aporte de programas, com o objetivo de atender a uma parcela da população desassistida.

No ambiente urbano, essas ações tinham em vista a saída da miséria extrema, a partir do acesso a bolsas fornecidas pelo governo federal para compra de produtos básicos, como, por exemplo, alimentos para o combate à fome. No ambiente rural, as ações visavam ofertar um maior leque de opções para o acesso ao subsídio de agricultores familiares ao Pronaf ou até mesmo a inclusão em cadeias produtivas visando à comercialização da produção agropecuária, ou ainda o fornecimento de matérias-primas para a produção de biocombustíveis. Assim, o Ministério do Desenvolvimento Agrário assumiu o compromisso de desenvolver, em três programas, essas propostas para a Agricultura Familiar, através de suas três secretarias nos governos Lula. Conforme é defendido por Sabourin (2007) apud Felicio (2009):

No primeiro e segundo governo Lula três programas são encarregados de promover o desenvolvimento da agricultura familiar. Trata-se do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – Pronaf – entregue à Secretaria da Agricultura Familiar; do Programa de Desenvolvimento Sustentável dos Territórios Rurais – PDSTR – também denominado de Territórios da Cidadania entregue à Secretaria de Desenvolvimento Territorial e do Programa Nacional de Reforma Agrária entregue à Secretaria da Reforma Agrária (SABOURIN, 2007 apud FELICIO, 2009, p.05).

2.4 A estrutura e atuação dos Departamentos da Secretaria da Agricultura Familiar (SAF)

A SAF é composta por três departamentos: Departamento de Geração de Renda e Agregação de Valor, Departamento de Assistência Técnica e Extensão Rural (Dater) e Departamento de Financiamento e Proteção à Produção Agrícola.

O Departamento de Financiamento e Proteção à Produção Agrícola é responsável pelos programas de crédito – o Pronaf – o Programa de Garantia de Preços da Agricultura Familiar (PGPAF), o Seguro da Agricultura Familiar (Seaf) e o Programa Garantia-Safra. Através destes, busca fortalecer e estruturar a Agricultura Familiar através da melhoria de sua renda e de segurança para a produção.

O Departamento de Geração de Renda e Agregação de Valor procura contribuir para a valorização dos produtos e serviços agrícolas e não agrícolas da Agricultura Familiar. Suas principais linhas de ação são: apoio à comercialização, produção de biocombustíveis e diversificação econômica.

O Departamento de Assistência Técnica e Extensão Rural tem sob sua responsabilidade o fortalecimento dos serviços de Assistência Técnica e Extensão Rural (Ater), melhoria de renda e melhoria dos sistemas de produção e da qualidade de vida da Agricultura Familiar. É formado por três coordenações: Fomento à Ater, Formação de Agentes de Ater e Gestão do Sistema Brasileiro Descentralizado de Assistência Técnica e Extensão Rural (Sibrater) (BRASIL, 2011b).

No Departamento de Financiamento e Seguro de Produção, o crédito para a Agricultura Familiar vem com a intenção de viabilizar as atividades e os empreendimentos que visam à melhoria da renda através do Pronaf, financiando operações de custeio agropecuário e investimentos agrícolas e não agrícolas.

O Seaf foi criado a partir do Programa de Garantia da Atividade Agropecuária (Proagro). O seguro cobre as eventuais perdas ocorridas devido a eventos climáticos, como no exemplo do Proagro. Ele não se limita a cobrir todo o valor financiado; ele permite a garantia de até 65% da receita líquida esperada pelo empreendimento financiado (BRASIL, 2011a).

2.5 Os mecanismos de intervenção da política nacional de agregação de valor e geração