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2. O ABANDONO E O ACOLHIMENTO: CAMINHOS PERCORRIDOS NA HISTÓRIA

2.3 A EDUCAÇÃO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE INSTITUCIONALIZADO

No percurso histórico, a educação da criança e do adolescente institucionalizado passou por diversas modificações, inicialmente era comum encaminhá-los para serem aprendizes e auxiliar em casas de famílias (LOBO, 2008). Foi com as influências médico-pedagógicas que se passou a pensar mais a respeito das condições das instituições e do processo educacional dos que ali viviam. A partir

de então, iniciam-se as observações a respeito das diferenças individuais, como “capacidades físicas, sensoriais e psicológicas” (Ibid, p. 313).

Ainda assim, o processo foi demorado para se pensar sobre as crianças pobres e aquelas com alguma deficiência, sendo que, apenas no início do século XX, o movimento médico-pedagógico direcionou seus estudos para a criança compreendida como “anormal”. Nesse contexto, é importante refletir sobre o que é anormal, consequentemente, sobre o que é normal e o que é norma, visto que esses conceitos implicavam4 nas ações em relação às crianças.

Segundo o dicionário Michaelis (2016), norma é um preceito, regra, um modelo. Já normal é aquilo que está em conformidade com a norma e anormal por sua vez, é o antônimo de normal; portanto, significa aquilo que não está de acordo com a norma. Sendo assim, entende-se que, no contexto estudado, norma é o padrão estabelecido pela sociedade de comportamentos, organização familiar, corpo sem deficiências, etc. Normal é aquele que vive de forma correspondente à norma, ou seja, apresenta comportamentos e desenvolvimento dentro do esperado, vive em uma família bem organizada e seu corpo não demonstra deficiência. Anormal é aquele que vive nas ruas, não tem uma família organizada e/ou apresenta alguma deficiência. Nesse sentido é importante destacar o que é estudado por (THOMA, 2016, p. 757):

Na Contemporaneidade, temos presenciado o festejo da diferença e da identidade, no auge de uma sociedade denominada de sociedade de normalização, de controle ou de seguridade. Nessa sociedade, a norma disciplinar, antes definida a priori para dela derivar o normal e o anormal, se enfraquece, e o normal passa a ser definido no interior de cada grupo ou comunidade. Na sociedade de seguridade, a norma deriva do normal [...].

Com base nos conceitos mencionados anteriormente, surge a preocupação em relação às crianças reconhecidas como anormais e o interesse em formas de proteção e assistência. Com a fundação do Instituto de Proteção e Assistência à Infância, em 1901, serviços especializados às crianças pobres e com alguma deficiência foram oferecidos; no entanto, eles visavam a uma prática de normalização. Os serviços ofertados incluíam, além de atendimentos médicos, atividades pedagógicas.

A partir do trabalho realizado no Instituto e das influências exercidas por seu fundador, Lobo (2008, p. 337) destaca:

4 Talvez esses conceitos ainda impliquem nas ações em relação às crianças com deficiência e às em vulnerabilidade social, na atualidade.

[...] nem tanto pelas práticas médico-pedagógicas especializadas que dispensava às crianças defeituosas, mas sobretudo pela enorme difusão que tiveram seus preceitos preventivos, despertou a atenção para a necessidade de cuidados especiais àquelas crianças. Sob esse ponto de vista, às poucas e acanhadas iniciativas oficiais não se pode atribuir a mesma importância. Desde meados do século XIX, quando foram fundados os institutos para cegos e para surdos-mudos, estes pouco divulgaram seu trabalho [...]. Com base nisso, entende-se que suas influências foram propulsoras para novas formas de pensar os sujeitos institucionalizados, bem como o trabalho que os envolvia, visualizando, inclusive, aqueles com alguma deficiência, mesmo que ainda com preconceitos e visando a normalização. Destaca-se que o surgimento dos institutos para cegos e para surdos também contribuiu muito para esse processo.

Mesmo assim, as crianças e adolescentes que viviam em instituições de acolhimento permaneceram por muito tempo à margem da sociedade e pode-se dizer que, ainda hoje, sofrem muitos preconceitos. Dessa forma, a sua educação formal também não era muito valorizada. Através dos tempos, o que se percebe é que havia uma preocupação em discipliná-los, corrigi-los e que tivessem condições de exercer um ofício.

Também, alegava-se que, por se tratarem de instituições com caráter provisório, não necessitavam preocupar-se com a educação das crianças e dos adolescentes que por elas passavam. Devido a esses motivos, propostas pedagógicas nessas instituições eram praticamente inexistentes.

A ausência de propostas pedagógicas nestes estabelecimentos é justificada pelo caráter transitório dos mesmos. Entretanto, são eles os responsáveis pela maior parte dos atendimentos a crianças e adolescentes considerados em “situação de risco pessoal e social” [...] (RIZZINI, Irene; RIZZINI, Irma, 2004, p. 56).

Ainda nos dias de hoje, é difícil encontrar serviços de acolhimento articulados com o sistema educacional e que realmente funcione e seja posto em prática. É importante que se invista na educação de crianças e adolescentes que vivem em situação de acolhimento institucional, pois eles já vivem em uma realidade de exclusão pela vulnerabilidade e pela situação de acolhimento. Aqueles que estão na situação e que têm deficiência também encontram a exclusão pela sua condição, além disso, enfrentam estereótipos, preconceitos e penalizações.

É previsto pela legislação que escolas e instituições de acolhimento trabalhem de forma articulada; não obstante, ainda são encontradas dificuldades por ambos os

lados para se realizar essas ações. Nesse sentido, destaca-se o que é relatado a respeito das dificuldades que envolvem os serviços de educação a crianças e adolescentes em instituições de acolhimento:

Educadores e adolescentes reportam inúmeras vezes dificuldades no tipo de atendimento oferecido [...] Em síntese, trata-se da falta de um sistema de atendimento articulado que: [...] responda adequadamente às necessidades identificadas pelos atores envolvidos, incluindo-se os profissionais, as famílias e as crianças/adolescentes; [...] seja respaldado em políticas e investimentos que levem em consideração os direitos da criança e do adolescente; [...] constitua uma prioridade na agenda política do país.(Ibid, p. 59).

Não se pode deixar perpetuar a indiferença diante da realidade enfrentada diariamente por essas crianças e esses adolescentes. É preciso que existam, de fato, ações que trabalhem em prol de seus atendimentos de forma articulada, pois um serviço em rede possibilita que avanços sejam alcançados de forma mais efetiva.

É necessário que se invista nessas crianças e adolescentes para que também, por meio da educação, eles tenham oportunidades de seguir um caminho distante da vulnerabilidade em que antes estavam mergulhados. Para isso, é necessário cobrar do poder público políticas que não apenas garantam os direitos das crianças e adolescentes, mas que essas teorias sejam colocadas em prática.

Fonte: http://callydesign.blogspot.com.br/2015/01/imagens-de-pergaminhos-em-png.html

(Figura adaptada pela autora).

[...] A gente não quer só comida A gente quer comida, diversão e arte A gente não quer só comida

A gente quer saída para qualquer parte [...]

3. POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A EDUCAÇÃO E O ACOLHIMENTO