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2. EDUCAÇÃO ESTATÍSTICA: A HISTÓRIA COMO PRODUTORA DE SENTIDOS

2.4 A EDUCAÇÃO ESTATÍSTICA NO CONTEXTO BRASILEIRO

Ao proferir, em abril de 2017, a conferência inaugural do IV Encontro de Probabilidade

e Estatística na Escola, realizada na cidade de Vila Real, Portugal, a professora Batanero

justificou o século XXI como sendo o da Educação Estatística. Ao considerar sua afirmação e todos os elementos históricos que vêm colaborando na sua emergência, vale, também, observar o que ocorreu e ocorre no contexto brasileiro. Antes disso, algumas informações serão acrescentadas para corroborar com a educação estatística de modo geral, assim como serão pontuadas algumas análises a respeito do contexto brasileiro, português e espanhol.

Convém enfatizar alguns aspectos destacados por Batanero que justificam a origem, existência e relevância da educação estatística. O primeiro é compreender a necessidade da formação de uma cultura estatística e que esta decorre da relação entre a educação e a estatística. O segundo, como consequência, descreve que a estatística passa, então, a ser promovida em todos os níveis educativos, desde a escola até a universidade. No terceiro, é inserida como elemento da didática da matemática, refletindo os modos de ensino e de aprendizagem da própria estatística, e, também, sua relevância dentro de outras áreas, como a Psicologia, as Engenharias e as áreas da saúde, por exemplo. Aproxima-se da definição dada por Mallows (1998) quando destaca que a educação estatística envolve um campo de conhecimentos que estuda questões históricas, epistemológicas e didáticas voltadas ao seu desenvolvimento.

A Literacia, o Pensamento e o Raciocínio Estatístico e Probabilístico são conceitos contemporâneos que atentam para as questões citadas anteriormente, especialmente culturais, didáticas, pedagógicas e o desenvolvimento de competências no ensino e na aprendizagem. É o que Garfield e Ben-Zvi (2008) também apresentam como aspectos relevantes na emergência da educação estatística, em relação ao seu papel no desenvolvimento de estudantes e cidadãos estatisticamente letrados. Eles argumentam sobre a necessidade de colaboração entre matemáticos e estatísticos, tanto nas relações entre as duas áreas quanto na formação de professores para o ensino.

A relevância atual da educação estatística é consequência de um movimento mundial surgido na década de 1970, que reconhece o uso da estatística nos ambientes escolares e acadêmicos (CAZORLA, CATAOKA; SILVA, 2010), especialmente, os aspectos didáticos (BATANERO, 2001) do ensino da Combinatória, da Probabilidade e da Estatística. Também tem origem em outras áreas do conhecimento ao tomar como objeto de estudo processos cognitivos relacionados à heurística, especialmente na tomada de decisões em condições de

incerteza. Holmes (1980) cita a observância da estatística como elemento importante no currículo de outras áreas da ciência, descreve-a como componente de uma formação educativa geral dos cidadãos adultos, pela necessidade de construir capacidades de leitura e interpretação de tabelas e gráficos apresentados nos meios de comunicação; seu estudo auxilia na formação pessoal, sabendo usar dados quantitativos para interpretar e emitir juízos.

Cordani (2015) justifica que, ao ser inserida no currículo escolar, espera-se em relação ao componente curricular sua relevância na formação profissional e pessoal. Foi assim que aconteceu com a estatística. Na sua visão, o olhar de cientistas de nível internacional, não necessariamente relacionados com a educação, mas preocupados com ela, permitiu sua ascensão, a partir da década de 1940, ampliando-se cada vez mais, até ser percebida atualmente nos currículos de escolas e universidades de inúmeros países do mundo.

Como exemplo, são citados dois projetos de impacto no exterior (CORDANI, 2015), considerados relevantes nas propostas curriculares para o ensino de estatística que tem contribuído na promoção da educação estatística. O primeiro, chamado CensusAtSchool, foi criado no ano 2000 e está vinculado ao Centro de Educação Estatística da RSS com a colaboração do Serviço Nacional de Estatística da Inglaterra. Tem natureza interativa, envolvendo alunos e professores da escola básica. Dentre as diversas atividades, destacam-se aquelas que englobam a coleta, o tratamento, a análise e a comunicação de informações produzidas por eles. Para fins de comparação, seus resultados são compartilhados e comparados com escolas, inclusive de outros países. Austrália, Nova Zelândia, África do Sul, Estados Unidos, Japão são alguns exemplos. O Brasil mantém o AtivEstat, um site desenvolvido pelo professor Marcos Magalhães, vinculado ao IME, USP, com a finalidade de realizar atividades em estatística, colocando em sua plataforma, portais de interesse e a referência ao projeto

CensusAtSchool.

O Guidelines for Assessment and Instruction in Statistics Education (GAISE) é o segundo projeto e engloba um conjunto de diretrizes para o currículo de estatística criados pela ASA no ano de 2005. A finalidade foi sugerir recomendações para uma estrutura curricular com exemplos pontuais para o ensino de estatística na escolaridade próxima dos 12 anos, chamado

PRÉ – K – 12 (FRANKLIN, 2005). A estrutura está endossada pela divisão dos conteúdos de

estatística em três níveis crescentes de aprofundamento25. O estudante avança de nível de acordo com a aprendizagem do nível anterior, independentemente da escolaridade.

25 No primeiro nível (A), as crianças desenvolvem atividades para compreender o sentido dos dados, que eles estão

O Brasil, paralelamente, vem acompanhando as mudanças globais acerca da relevância do ensino e da aprendizagem da estatística, da probabilidade e da combinatória, representadas pelo desenvolvimento de uma educação pela estatística. Além dos exemplos já citados, o Brasil seguiu as recomendações dadas pelo NCTM (National Council of Teachers of Mathematics), dos Estados Unidos, inicialmente na década de 1980, e cumpriu alguns compromissos assumidos pelo governo brasileiro. Um exemplo foi a participação do Brasil, em 1990, da Conferência Mundial de Educação para Todos, realizada na Tailândia, promovida pela Unesco, Unicef, Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento e Banco Mundial (BRASIL, 1997). A partir desse encontro, o Ministério da Educação coordenou a elaboração de um plano decenal, 1993 – 2003, voltado ao atendimento das escolas básicas. Esse plano, amparado na Constituição de 1988, culminou com o lançamento da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB, Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996), aqui representada pelo artigo 22 (Art. 22) quando destaca, dentre os objetivos da educação básica, o desenvolvimento e a formação comum ao educando “para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores” (BRASIL, 1996, p. 29).

Nas décadas anteriores, o ensino de estatística no Brasil, principalmente na educação básica, era restrito e de caráter técnico e instrumental. De acordo com Cordani (2015), não havia muito espaço na graduação. Este, por sua vez, era ocupado, na década de 1960 nos cursos de Matemática, de forma optativa, citando, como exemplo, a Faculdade de Filosofia Ciências e Letras da Universidade de São Paulo. Somente a partir da década de 1980, foram inseridas mais atividades relacionadas à análise exploratória de dados, valorizando o processo de coleta de dados, investigação e de questionamentos (LOPES; CARVALHO, 2005). Anteriormente aos PCN, eram restritas as pesquisas em educação estatística (CAZORLA, CATAOKA; SILVA, 2010).

A estatística e a probabilidade passaram, então, a fazer parte como parâmetros e orientações curriculares em todas as etapas e modalidades da educação básica (ensino fundamental e médio) (BRASIL, 1997, 1998, 2003, 2006). Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) vieram mostrar a necessidade de refletir e incluir a estatística, a probabilidade

podem ser coletados para responder a essas perguntas. Em suma, entender aspectos iniciais da variabilidade e da aleatoriedade. No segundo nível (B), os estudantes devem realizar tratamentos estatísticos mais elaborados para problemas mais estruturados, ter mais condições de avaliar qual a variável mais adequada a ser medida, estabelecer relação entre duas ou mais variáveis, ampliar os resumos apresentados em gráficos e tabelas, introduzidos no nível A e, também, ampliam a ideia de amostras e situações aleatórias, desenhando e executando análises comparativas. Por fim, no nível (C), todas as ideias anteriores, presentes nos níveis A e B são revisadas, contudo, os tipos de estudo são mais aprofundados, envolvendo um processo de investigação, incluindo medidas estatísticas mais avançadas, o raciocínio inferencial e sua conexão com a probabilidade.

e a combinatória nos currículos escolares. Inicialmente, em 1997, com um conjunto de publicações para o ensino fundamental, anos iniciais, 1º ao 5º; depois, em 1998, para os anos finais, 6º ao 9º; no ano 2000, para o ensino médio (PCNEM).

As justificativas para as orientações consistiam em que os conteúdos relacionados a esses temas podem permitir ao cidadão “tratar as informações que recebem cotidianamente, aprendendo a lidar com os dados estatísticos, (...) a raciocinar utilizando ideias relativas à probabilidade e à combinatória” (BRASIL, 1998, p. 49).

No ensino fundamental, receberam o nome de Tratamento da Informação, formando um dos blocos de conteúdos para esta etapa. Os demais eram Números e Operações, Espaço e Forma e Grandezas e Medidas (BRASIL, 1998). No ensino médio, receberam o nome de

Análise de Dados, acompanhado da Álgebra: números e funções e Geometria e Medidas,

formando os três temas estruturantes para a área de Matemática e suas Tecnologias (BRASIL, 2003). Esse bloco estava organizado em três unidades temáticas: Estatística, Contagem e Probabilidade. Nas Orientações Curriculares para o ensino médio, publicadas no ano de 2006, (BRASIL, 2006), o tema estruturante foi denominado como “Análise de dados e Probabilidade”.

Nos últimos anos, especialmente a partir de 2015, a Estatística, a Probabilidade e a Combinatória voltaram a fazer parte das discussões na formação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) tendo sua versão para a educação infantil e o ensino fundamental publicadas recentemente, no ano de 2017. Esta, somada a movimentos anteriores, como a Conferência Nacional de Educação (CONAE) de 2010 e 2014, o Plano Nacional de Educação (PNE), regulamentado no ano de 2014 (BRASIL, 2014), e as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN), discutidas a partir de 2010.

De acordo com Cazorla, Kataoka e Silva (2010), Cazorla (2011; 2018), a pedra angular da educação estatística no Brasil ocorreu no ano de 1999, com a realização de dois eventos: a visita de Batanero na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), a convite do grupo PRAPEM (Prática Pedagógica em Matemática), para ministrar oficinas de didática da estatística. Na mesma instituição, havia outro grupo relevante realizando pesquisas relacionadas à educação estatística, o PSIEM (Psicologia da Educação Matemática).

Dias depois da visita de Batanero, ocorreu a Conferência Internacional Experiências e

Expectativas do Ensino de Estatística - Desafios para o Século XXI, na Universidade Federal

de Santa Catarina, em Florianópolis. Estavam presentes inúmeros pesquisadores da estatística e da educação estatística, brasileiros e do exterior, convidados para discutir o papel do ensino

de estatística no Brasil. Estes representando o IASE, o IASI (Instituto Interamericano de Estatística), a ABE e o Programa de Pesquisa e Ensino de Estatística (PRESTA). Dentre as atividades, podem ser citadas as mesas-redondas, as oficinas, a apresentação de trabalhos e pôsteres, que resultaram em mais de 60 trabalhos, com quase metade (45,6%) apresentados por pesquisadores brasileiros. Nas palavras de Cazorla, Kataoka e Silva (2010, p. 27), “foi a primeira vez, no Brasil, em que houve um espaço para discutir os problemas relativos ao ensino de estatística e, de forma um pouco tímida, a educação estatística”. É importante citar alguns pesquisadores, sujeitos da pesquisa que participaram do evento, como Dione Lucchesi de Carvalho, Celi E. Lopes, Irene Cazorla, Cileda Coutinho, Maria Lucia Wodewotzki, Lisbeth Cordani, Gilda Guimarães e Carmen Batanero que realizou uma oficina sobre Análise Exploratória de Dados.

Cazorla, Kataoka e Silva (2010) valorizam o papel do programa da UNICAMP nas discussões iniciais voltadas à educação estatística no Brasil, a partir dos seus grupos PRAPEM e SIEM, com pesquisas em educação estatística no final da década de 1990. Foi relevante, também,a visita realizada por Celi Lopes à Universidade de Granada, junto ao Departamento de Didática da Matemática, coordenado por Carmen Batanero.

Outro evento que colaborou para o desenvolvimento da educação estatística brasileira foi o IX Seminário IASI de Estatística Aplicada, “Estatística na Educação e Educação em Estatística”, realizado no Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA), em 2003. No levantamento realizado por Cazorla, Kataoka e Silva (2010), boa parte dos trabalhos apresentados (aproximadamente 33%) buscou discutir o ensino de estatística no nível superior. O Grupo de Trabalho em Ensino de Probabilidade e Estatística (GT12) surgiu no ano 2000, quando ocorreu a primeira edição do SIPEM, no município de Serra Negra, São Paulo. Adveio em decorrência das discussões produzidas na conferência de Florianópolis. O GT12 está vinculado à Sociedade Brasileira de Educação Matemática (SBEM) juntamente com outros 14 grupos de trabalho. Apresenta como um dos principais objetivos analisar as dinâmicas voltadas ao ensino e à aprendizagem de Estatística, observando os aspectos relacionados à promoção do letramento, utilizando recursos teóricos e metodológicos de diferentes áreas (SBEM, 2019). Atualmente, possui 34 membros, tendo para o triênio 2015 – 2018, como coordenadora, a professora Suzi Samá (FURG) e como vice-coordenador, o professor José Ivanildo, da Universidade Federal de Roraima (UFRR). No ano de 2018, o GT12 mudou seu nome para Educação Estatística por sugestão dos membros do GT.

Os GT encontram um espaço de discussões no SIPEM que propõe reunir os membros dos grupos brasileiros e do exterior, promovendo o intercâmbio e a divulgação das pesquisas brasileiras no âmbito da educação matemática. O SIPEM ocorre a cada 3 anos e, recentemente, em Foz do Iguaçu, Paraná, sediou a sua sétima edição. Para participar do SIPEM, é necessário ser sócio da SBEM. Será feita uma abordagem particular às ações do GT12 nas considerações, pelo fato de relatar as finalidades e ações do grupo em benefício da educação estatística e as percepções de alguns professores em suas entrevistas.

O GT12 vem mostrando os resultados de muitas de suas pesquisas em diferentes eventos, sejam eles na área da educação estatística ou da educação matemática. Também, diversos pesquisadores brasileiros não vinculados ao grupo têm colaborado significativamente para a produção brasileira.

No ano de 2006, o Brasil sediou o ICOTS 7, considerado o principal evento em educação estatística do mundo (CAZOLA, CATAOKA; SILVA, 2010). O evento teve a participação de 94 pesquisadores do Brasil e, embora não tenha tido a participação institucional do GT12, 15 membros do grupo estiveram presentes, apresentando 11 trabalhos. Admur Pamplona, Celso Campos, Claudete Vendramini, Cláudia Borim da Silva, Irene Cazorla, Dione Lucchesi de Carvalho, Lori Viali, Gilda Guimarães, Maria Lúcia Wodewotzki, Cileda Coutinho, Celi Lopes, Verônica Kataoka, Carlos Monteiro. Dentre os pesquisadores que não faziam parte do GT12, 13 realizam pesquisas na área, como Lisbeth Cordani, Gilda Guimarães e Marcos Magalhães.

Outros eventos ligados à educação matemática sempre abriram espaço para as discussões em educação estatística. Entre eles, o ENEM, o ICME26, o RELME, o CIEM, o CIBEM. Em 2015, o Brasil foi sede da Conferência Satélite do IASE, realizada na UniRio, cidade do Rio de Janeiro, antecedendo o World Statistics Congress, do ISI.

26 Especialmente nas edições de 2008 e 2011, a representação ocorreu por pesquisadores como: Cileda Coutinho,

Cláudia Borim da Silva, Irene Cazorla, Celso Campos, Verônica Kataoka, Carlos Monteiro, Celi Lopes, Maria Lúcia Wodewotzki, Sandra Magina e Verônica Gitirana.

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