• Nenhum resultado encontrado

2. EDUCAÇÃO ESTATÍSTICA: A HISTÓRIA COMO PRODUTORA DE SENTIDOS

2.3 OS MOVIMENTOS INICIAIS

2.3.1 INTERNATIONAL STATISTICAL INSTITUTE (ISI)

A demanda de estudos em educação estatística é fruto de um movimento histórico de personagens que têm se dedicado a esse campo do conhecimento, sobretudo, às questões da didática da estatística, da sua epistemologia e aquelas relacionadas ao ensino e à aprendizagem. Os primeiros movimentos de preocupação com o ensino são percebidos em uma série de congressos internacionais de estatística. O primeiro foi convocado por Lambert Adolphe Jacques Quételet (1796-1874), em 1853, na cidade em Bruxelas. Como consequência, as discussões realizadas nesses eventos foram formalizadas no ano de 1885, durante uma reunião para celebrar o jubileu da London Statistical Society (LSS), formada em 1834. A London

Statistical Society tornou-se Royal Statistical Society (RSS) no ano de 1887. O ISI foi criado

nesse contexto, em 1885, e, até os dias de hoje, contribui significativamente nas demandas da estatística, reunindo estatísticos de diferentes especializações e promovendo, enquanto missão, a compreensão, o desenvolvimento e uma boa prática de estatísticas em todo o mundo (ISI, 2017).

O belga Quételet ficou conhecido como um dos estatísticos sociais mais importantes de sua época, além de ser matemático, astrônomo e sociólogo. Concluiu o ensino médio aos 17 anos e aos 19 ensinava matemática. O doutorado, concluído em 1819, foi em Matemática. Iniciou sua contribuição na estatística já em 1823, em viagem a Paris, para verificar informações de astronomia; manteve contato com cientistas como Siméon Denis Poisson, Pierre Simon Marquis de Laplace e Joseph Fourier.

Ao retornar para Bruxelas, passa a dar palestras e cursos sobre probabilidade e, em 1828, lança o livro “O Cálculo de Probabilidades” (Sur le calcul des probabilités). No ano de 1841, tornou-se o primeiro presidente de comissão central de estatística, sendo, anteriormente, em 1839, eleito companheiro da Sociedade Real. Em 1850, foi nomeado membro estrangeiro da Academia Real de Ciências da Suécia e, com o interesse em integrar os diferentes grupos de estatísticos internacionais, ajudou a organizar, como citado anteriormente, em 1853, a primeira conferência internacional de estatística. Quételet9 faleceu em 1874, em consequência de um

9 Cabe a Quételet, nos estudos relacionados à saúde pública, a origem do critério para averiguar a

proporcionalidade entre massa corporal e altura, o que, atualmente, conhecemos como o Índice de Massa Corporal (IMC), utilizado pela Organização Mundial da Saúde. Também, é conhecido pela definição de homem- médio, que, segundo ele, seria uma representação de todos os homens. Considerou a média aritmética de medidas e pesos dos homens, assim como suas dispersões e concluiu que a curva normal poderia ser acomodada às suas

acidente vascular cerebral, ocorrido em 1855. As contribuições de Quételet são diversas, na aplicação da estatística na área social e como profissão (BIBBY, 1986).

O inglês Rawson William Rawson (1812- 1899) foi o primeiro presidente do ISI, cujo exercício ocorreu no período de 1885-1889. Foi um dos poucos que tiveram longos períodos na presidência. Após 1975, os mandatos passaram a ser de apenas dois anos. Desde sua criação, foram nomeados 32 presidentes, sendo em sua maioria europeus (20), seguidos de americanos (seis), asiáticos (quatro), sul americanos (um) e australianos (um). A estatística britânica Denise Lievesley foi a única mulher presidente, nesse período, exercendo seu mandato nos anos de 2007 a 2009.

A primeira sessão do ISI, agora conhecido como Congresso Internacional de Estatística, ocorreu em Roma, no ano de 1887. Essas conferências mantiveram uma periodicidade bianual até o encontro de 1938, em Praga, que foi suspenso, logo no segundo dia, em função da eminência da segunda Guerra. Ele manteve-se estagnado até 1947, quando foi retomado em um evento organizado em Nova Iorque. Stuart Rice, presidente no período 1947-1953, e principal organizador do evento, sugeriu adaptar o ISI a uma nova era, ou seja, ampliar sua participação para além de uma sociedade única formada por estatísticos. Destacou que “existia uma nova dependência sobre a estatística e os estatísticos, e que existia uma necessidade básica de uma liderança mundial nesta área”. Isto é tão relevante atualmente quanto era na época, pois a sociedade está cada vez mais orientadapor dados10.

Até a segunda guerra mundial, procurou influenciar as estatísticas governamentais (ISI, 2017) em regime de colaboração, que depois passou a ser gerenciada pelas Nações Unidas. A partir de 1947, em função da guerra, o ISI praticamente se reinventou (BERZE, 2002). Mudou seus objetivos, promovendo o maior diálogo entre os estatísticos e a divulgação internacional de pesquisas e práticas estatísticas. Nesse ano, foram criadas as associações que passaram a englobar um grande espectro das ciências estatísticas. De acordo com Berze (2002), embora atualmente a educação estatística seja um dos focos fundamentais do ISI, nem sempre foi assim. Antes da década de 1940, os estatutos continham apenas uma referência simbólica a esse assunto. De acordo com o autor citado, após a Primeira Guerra Mundial, dois relatórios sobre o ensino de estatística em universidades e escolas secundárias foram submetidos a 16ª (1925) e a 17ª (1927) sessões, mas nenhuma recomendação foi levantada sobre o assunto.

médias. Definiu por meio da teoria das probabilidades sua definição de estatística. Em 1846, propôs a organização de censos.

Destaca-se as seguintes associações do ISI e os seus anos de criação: ● 1973: International Association of Survey Statisticians (IASS)

● 1975: Bernoulli Society for Mathematical Statistics and Probability (BS) ● 1977: International Association for Statistical Computing (IASC)

● 1985: International Association for Official Statistics (IAOS) ● 1991: International Association for Statistical Education (IASE) ● 2005: International Society for Business and Industrial Statistics (ISBIS) ● 2008: The International Environmetrics Society (TIES)

Atualmente, o ISI possui cerca de 5000 membros em mais de 100 países (ISI, 2017), status consultivo junto ao Conselho Econômico e Social das Nações Unidas e um escritório permanente em Haia, Holanda, formado por oito funcionários. O presidente do comitê executivo, na gestão 2015-2017, foi Pedro Luis do Nascimento Silva, brasileiro, do Rio de Janeiro, acadêmico e pesquisador. É funcionário do IBGE desde a década de 1980, reconhecido na área de amostragem, sendo o primeiro brasileiro a se tornar presidente do ISI.

Estes são os objetivos do ISI (201711):

1. Melhorar o apoio do ISI à comunidade estatística internacional;

2. Promover e disseminar pesquisas e melhores práticas nas ciências estatísticas;

3. Promovere disseminar pesquisas e melhores práticas em todas as formas de Educação Estatística; 4.Estabelecerum papel apropriado para o ISI, promovendo a conscientização pública sobre boas práticas

estatísticas e seu valor para a comunidade;

5. Reforçar o apoio do ISI para a comunidade estatística dos países em desenvolvimento; 6. Ampliara gama de áreas de aplicação em que o ISI está fazendo uma contribuição valiosa;

7. Definir e instituir um papel construtivo para o ISI no apoio ao desenvolvimento de jovens estatísticos e no incentivo à participação contínua de membros mais experientes;

8. Colocar o ISI e suas seções em uma base financeira sólida.

O ISI mantém um calendário constante de eventos. O de maior destaque é o Congresso Mundial de Estatística (World Statistics Congress), WSC, que ocorre a cada dois anos. Nele, são discutidos temas gerais de interesse do ISI, especialmente, os emergidos dos comitês, associações e membros, boa parte reunidos no congresso. No ano de 2019, entre os dias 18 e 23 de agosto, ocorreu a sua 62º edição, em Kuala Lumpur, Malásia.

O ISI envolveu-se, efetivamente e de modo sistemático, com a educação estatística após a segunda guerra mundial, quando considerou a educação uma área promissora na qual poderia contribuir em relação à solução de problemas econômicos e sociais de países afetados pela guerra ou em desenvolvimento. Gani (1979), no artigo “O papel do ISI no campo da Educação

Estatística”, descreveu alguns exemplos das suas inúmeras funções e das atividades realizadas no período compreendido entre 1949 – 1979, dando ênfase a dois deles: i) a organização da promoção e do procedimento estatístico moderno nos países em desenvolvimento, por meio de centros internacionais de treinamento e formação estatística; ii) o patrocínio da Educação Estatística, por meio do seu comitê de Educação.

Em 1949, a ONU aprovou uma resolução, solicitando à UNESCO e ao ISI medidas adequadas para promover a melhoria na educação em estatística em escala internacional. Como consequência, no mesmo ano, foi estabelecido o comitê de Educação do ISI, assinalando o início de um programa sistemático de apoio à educação (VERE – JONES, 1995; BATANERO, 2002).

O uso de métodos estatísticos nas análises de acidentes rodoviários, em 1969, no Reino Unido; a disseminação de métodos de informática eletrônica em estatísticas para países árabes, em 1969; as mesas redondas para discussão de problemas educacionais são exemplos citados por Gani (1979) que corroboram as atividades no período 1949 – 1979, mostrando a relevância da estatística na educação. Também são importantes as abordagens presentes nas seções sobre treinamento estatístico e nas pesquisas de sociedades estatísticas mundo afora.

Na década de 1960, em função das mudanças políticas, educacionais e tecnológicas, uma série de recomendações foram dadas por Zarkovich12 para o comitê de Educação do ISI, para ações futuras, descritas em Cordani (2015, p. 169) como “força tarefa”. São elas: i) apoio didático por meio de livros a universidades, especialmente de países pobres; ii) currículos para escolas de nível médio, para contemplar alunos na fase inicial da educação; iii) livros-textos elementares de estatística e que façam mais associação entre a teoria e a prática, com situações da vida real; iv) currículos universitários com foco na adequação dos conteúdos aos programas de formação; v) boletim informativo sobre educação estatística a ser emitido periodicamente, a fim de orientar professores; f) institutos de estatística devem pensar programas e pesquisas para fins educacionais (GANI, 1986).

As consequências logo apareceram. A primeira Mesa Redonda (Round Table), promovida pelo comitê de Educação, ocorreu entre os dias 26 a 29 de agosto de 1968, na Holanda, e abordou o “Ensino Universitário de Estatística de Países em Desenvolvimento”. Nela, foram discutidos temas didáticos relacionados à realidade socioeconômica, aos livros

12 Zarkovich (1913 – 1991), iugoslavo, foi estatístico e funcionário da Organização das Nações Unidas para a

Agricultura e Alimentação (FAO) (The New York Times, 2018). Atuou como professor de ensino médio na década de 1950.

didáticos e às bibliotecas. Uma terceira mesa redonda, intitulada “Estatísticas no nível escolar”, realizada na cidade de Viena, entre os dias 30 de agosto e 04 de setembro de 1973, tratou do papel das estatísticas oficiais, do ensino de probabilidade e estatística no ensino secundário e as recomendações sobre a criação de novos materiais, formação/treinamento de professores, conferências e pesquisas na área.

Gani (1979) reconhece uma gama de atividades em todo o mundo, oferecidas pelo ISI, como treinamento de estatísticos em países em desenvolvimento com apoio financeiro de diversos governos, da UNESCO e de diversas instituições privadas. Isso se deu por meio de bolsas de estudos, equipamentos (dicionários estatísticos, bibliografias e computadores), pessoal de apoio, criação de centros de formação nos próprios países. Surgiram, também, preocupações relacionadas ao currículo, apresentadas pelos professores de estatística nas escolas e nas universidades, descrevendo a necessidade de um método ideal para o ensino e a formação de estatísticos em funções especializadas, como as de governo, por exemplo.

Cita-se a realização, de 9 a 12 de setembro de 1970, em Oistenvijk, Holanda, de uma conferência sobre técnicas e métodos de ensino de estatística, com novas propostas curriculares em vários cursos (GANI, 1986). No evento, emergiram artigos como: O primeiro curso em

métodos estatísticos e o uso de auxiliares didáticos; Notas sobre materiais disponíveis para apoiar o ensino estatístico baseado em computador; Novas Técnicas de Ensino Estatístico; Desenvolvimento de Materiais e técnicas para o uso instrutivo de computadores em cursos de estatística; Pós-escolar: atividades de educação continuada em estatística.

Entre os anos de 1979 e 1987, o comitê de Educação teve como presidente o professor Joseph Gani (1924 – 2016), trazendo, por meio da criação de grupos de trabalho, resultados relevantes para a educação estatística (BATANERO; OTTAVIANI, 1999). Em 1979, a Universidade de Sheffield, Inglaterra, por intermédio do Centro Internacional de Educação Estatística, publicou, pela primeira vez, o Teaching Statistics, periódico didático distribuído em escolas secundárias e faculdades. Foi nesse período que ocorreu a realização do primeiro ICOTS. Também foi o início da publicação do International Statistical Education Newsletter, com o objetivo de informar aos membros do ISI as atividades realizadas pelo comitê.

Gani (1986) destaca as análises e considerações emergidas por diferentes grupos de trabalho do comitê de Educação para as sugestões dadas por Zarkovich. No entanto, ele amplia no sentido de considerar as inúmeras realidades globais, tais como o papel humano em cada ação (no sentido de compreender a alfabetização estatística como uma contribuição na luta pelos direitos humanos), a formação de professores no ensino e o auxílio didático a outros

professores. Sugere um corpo especializado de profissionais para percorrer os países, a fim de proferir palestras de formação a nível de alfabetização estatística, aproximando escolas e universidades. Considera as estatísticas relevantes em um mundo onde a ciência e a tecnologia vêm assumindo papéis dominantes (GANI, 1982).

De acordo com Batanero e Ottaviani (1999), a publicação, a distribuição e o sucesso do

Teaching Statistics, no ICOTS, mostrou a necessidade de os professores de estatística reunirem-

se para discutir as demandas do ensino e da aprendizagem vivenciadas em suas atividades.Esse movimento ganhou força na virada da década de 1990, na conferência do Cairo, em 1991, quando surgiu a proposta de estabelecer uma seção internacional para a educação estatística, vinculada ao ISI. Assim, por unanimidade dos votos da assembleia do ISI, foi criado o IASE, passando a assumir as atividades do comitê de Educação. A última mesa-redonda, promovida pelo comitê de Educação13, foi realizada em 1992, no Canadá, considerando como tema principal a importância da análise de dados na escola – Introducing Data Analysis in the

Schools: Who Should Teach it and How?

Documentos relacionados