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2. DELINEANDO O TRABALHO DOCENTE NO CONTEXTO CAPITALISTA

2.2 A educação institucionalizada na lógica do capital: algumas considerações

Ao observar a atividade docente, analisar os sujeitos e suas relações, descrever suas experiências, seu fazer cotidiano, sua intimidade como processo de trabalho, quisemos mostrar que o que define a atividade docente não (somente) é a formação específica ou o certificado que foi conferido ao sujeito, mas seu labor, sua experiência no processo educativo no lugar de quem educa ou contribui para.

Obviamente, os professores são, em geral, os primeiros a serem lembrados quando se utiliza o termo atividade docente. Contudo, diante das variadas funções que a escola assume na atualidade, os professores se veem, muitas vezes, obrigados a responder a exigências para as quais não se encontram (e não foram) preparados. Aliás, observamos tendência crescente de os professores passarem a ocupar outras funções dentro das escolas, como: desenvolver tarefas subsidiárias ao ensino, desempenhar outros papéis no processo educativo (GATTI, 2004).

Como sabemos, a organização do trabalho na escola é, antes de tudo, uma construção social oriunda das atividades de um grande número de atores individuais e coletivos que buscam interesses que lhes são próprios, mas são levados, por diversas razões, a colaborar numa mesma organização.

Por outro lado, reportando a Demerval Saviani, encontramos uma abordagem histórico-filosófica da educação que apresenta, de forma específica, em valiosas reflexões a respeito da problemática da educação brasileira, apontando uma perspectiva histórico-crítica. Segundo esse autor, precisamos superar as perspectivas que culpabilizam ou vitimizam o professor, cuja função é encobrir o conhecimento real das múltiplas determinações constitutivas da sua condição histórica e da sua profissão, tendo em vista a inserção sempre presente (e crescente) da lógica capitalista, em todos os âmbitos da vida social.

Nesse sentido, com o auxílio de Saviani (2012, p.93), percebemos que a falta de um sistema de educação em nosso país nos remete a uma questão do final do século XIX. A partir daquela época, os principais países se empenharam em organizar seus sistemas nacionais de ensino. Como o Brasil não fez isso foi- se acumulando um déficit histórico, evidenciando o desinteresse pela educação popular em âmbito nacional desde o Império.

Ora, esse enorme déficit histórico é um indicador eloquente da precariedade de nossa situação educacional. O patamar legal discorrido por Saviani (2012), no tocante ao pouco interesse e investimento na educação pública brasileira, acirra os desafios e os possíveis mecanismos de enfrentamento desse tipo de situação. Isso reflete na formação de professores, que também resulta precária, sendo agravada pelas lógicas do próprio sistema vigente.

Com efeito, a necessidade de um processo educacional capaz de conservar também de reproduzir as estruturas do sistema capitalista está relacionada à sua impossibilidade de perpetuar, automaticamente, as relações sociais de produção capitalista. É preciso, portanto, que haja pressão exterior para que o indivíduo interiorize os princípios da sociedade, tornando-se capaz de adotar, por si só, a reprodução do sistema. Trata-se, de acordo com Mészaros, de uma grave e paralisante situação vivida numa sociedade em que se nega o mínimo necessário à satisfação das necessidades humanas à maioria das pessoas (MÉSZÁROS, 1981, p.260).

Mészáros assevera que a educação está diante de uma crise facilmente perceptível, não restrita às instituições educacionais, mas se estende por todo o

sistema de interiorização capitalista, resultante de um quadro mais amplo de crise do sistema econômico, que cria, frequentemente, a necessidade de reajustar esses mecanismos de interiorização. Conforme ressalta o autor: “a crise das instituições educacionais é uma crise da totalidade dos processos, dos quais a educação formal é apenas uma parte” (MÉSZÁROS, 1981, p.272).

Sobre as instituições formais de educação, na visão de Mészáros (2005), elas são responsáveis por uma parte importante do sistema de internalização que conduz os indivíduos à conformidade dentro do sistema capitalista de produção. Ele ainda ressalta que, não por acaso, o sistema educacional tem suas reformas pautadas por determinações reprodutivas em mutação do sistema capitalista. Enfatiza o autor:

A educação institucionalizada, especialmente nos últimos 150 anos –no seu todo- ao propósito de não só fortalecer os conhecimentos e o pessoal necessário à máquina produtiva em expansão do sistema do capital, como também gerar e transmitir um quadro de valores que legitima os interesses dominantes, como se não pudesse haver nenhuma alternativa à gestão da sociedade, seja na forma ‘internalizada’ (pelos indivíduos devidamente ‘educados’ e aceitos) ou através de uma dominação estrutural e uma subordinação hierárquica e implacavelmente imposta. (MÉSZÁROS, 2005, p.35).

Portanto, para esse autor, a educação passa a ser então um meio de internalização pelos indivíduos da legitimidade da posição que lhes foi atribuída na hierarquia social. Ele cita, por exemplo, o abandono dos atos de violência utilizados como instrumento de educação no passado. Continua a esclarecer que esse fato não ocorreu devido à piedade ou bondade da classe burguesa, mas sim por um possível prejuízo ou falta de sentido na ação. Em sua opinião, quando o processo de internalização, ou melhor, de convencimento se dá de forma satisfatória para o capital, não há necessidade da força física.

De maneira mais incisiva, Mészáros expõe a função da educação no sistema capitalista:

Da maneira como estão as coisas hoje, a principal função da educação formal é agir como um cão-de-guarda ex-officio e autoritário para induzir um conformismo generalizado em determinados modos de

internalização, de forma a subordiná-los às exigências da ordem estabelecida (MÉSZÁROS, 2005, P.44).

Mészáros também resgata a ideia de não perder de vista a concepção segundo a qual a educação é a própria vida. Ressalta que não existirão possibilidades de alcançar uma mudança radical, se não destinarmos em mente esse propósito.

O papel da educação é soberano, tanto para a elaboração de estratégias apropriadas e adequadas para mudar as condições objetivas de reprodução, como para a automudança consciente dos indivíduos chamados a concretizar a criação de uma ordem social metabólica radicalmente diferente (MÉSZÁROS, 2005, p.65).

Recorrendo a Tonet (2005), entendemos que a ação educativa se exerce sobre indivíduos portadores de consciência e liberdade e não sobre uma matéria- prima inerte e passiva, regida pela lei da causalidade. E, nesse sentido, a universalização da escola elementar como mecanismo de mudança de consciência e emancipação do homem torna-se instrumento necessário e elementar.

Esclarecendo ainda mais, Tonet (2005) entende que a natureza essencial da atividade educativa consiste em propiciar ao indivíduo a apropriação de conhecimentos, habilidades, valores, comportamentos etc., que constituem patrimônio acumulado e decantado ao longo da história da humanidade. Nesse sentido, a educação contribui para que o indivíduo se construa como membro do gênero humano e torne-se apto a reagir diante do novo de modo que seja favorável à reprodução do ser social na forma em que ele se apresenta num determinado momento histórico.

Assim, em concordância com Saviani (1994), compreendemos que a natureza e a especificidade da educação - atividade fundada pelo trabalho - constituem a transmissão de valores, habilidades e conhecimentos essenciais no processo de reprodução social. No entanto, na sociedade de classes, ela cumpre, prioritariamente, a função social de atender às determinações da classe dominante em cada época histórica.

Dessa forma, procuramos evidenciar como as relações capitalistas perpassam a atividade docente, tomando, como objeto de análise o PIBID. Pretendemos também demonstrar que alguns dados em nossa pesquisa apontam as lógicas evidentes no capitalismo, a saber: tempo de trabalho, baixo salário, condições precárias da docência, avalições de desempenho e as contradições presentes na instituição escolar, provenientes do determinismo econômico da sociedade em vigência.

CAPÍTULO III