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3. FORMAÇÃO DE PROFESSORES: ASPECTOS HISTÓRICOS E POLÍTICOS

3.4 Sobre formação de professores de Educação Física

Nosso percurso até aqui nos permite destacar que o conhecimento tratado na escola se insere num quadro de referências filosóficas, científicas, políticas e culturais, historicamente situadas. Desse modo, discorrer sobre a formação de professores de EFI implica pensarmos a influência dessa disciplina no modelo de sociedade vigente. No caso desse estudo, interessa-nos entender a tensão entre o que vem sendo e o que deveria ser, especialmente no que toca ao professor e ao contexto da prática pedagógica da EFI.

Isso posto, tomaremos como princípio a história recente da EFI brasileira, especificamente no âmbito escolar, do final do século XIX ao início do século XX.

Desse período, apontaremos, em linhas gerais, elementos da crítica a sua função sociopolítica conservadora no interior da escola.

Como já explícito, neste trabalho, podemos considerar que o papel fundamental da educação consiste na transmissão do conhecimento historicamente produzido e acumulado pelo homem às novas gerações. Dessa forma, a educação atua na produção e reprodução da vida humana (SAVIANI, 2005). Nesse sentido, compreendemos a EFI escolar como disciplina que se refere à cultura corporal de movimento13, algo presente na história da humanidade e que se encontra nas diretrizes curriculares oficiais para a educação básica.

No entender do Coletivo de Autores (1992), a EFI, no sentido amplo, surgiu de necessidades sociais concretas, identificadas em diferentes momentos históricos, dando origem a diferentes entendimentos do que dela conhecemos e como a percebemos na atualidade. Explicam esses autores que, para o estabelecimento e funcionamento do modo de organização social – capitalista – no seu estágio inicial, o processo de transmissão de conhecimento às novas gerações teve que ser redirecionado à formação de um novo homem: forte, ágil e empreendedor, adaptado aos mecanismos sociais exigidos por este sistema. Nesse contexto, a EFI tomou lugar de destaque social, pois, ao mesmo tempo em que contribuía para educação de corpos para o trabalho, contribuía também para moldar mentes e ditar comportamentos.

No âmbito da escola, os exercícios físicos na forma cultural de jogos, ginástica, dança, equitação surgiram na Europa no final do século XVIII e início do século XIX. Este é o tempo e o espaço da formação dos sistemas nacionais de ensino característicos da sociedade burguesa daquele período.

Desenvolver e fortalecer física e moralmente os indivíduos era, portanto, uma das funções a serem desempenhadas pela Educação Física no

13 Existem vários discursos que se referem à organização do conhecimento da Educação Física relacionando-a à aptidão física, aprendizagem motora, desenvolvimento motor. Tais discursos, em sua abordagem desenvolvimentista, priorizam os estudos das Ciências Naturais. Outros, amparados pelas Ciências Humanas e Sociais, procuram ultrapassar as explicações naturalizantes do movimento humano e concebem o objeto da Educação Física como fenômeno cultural. Destacam-se, então, o termo cultura corporal proposto pelo Coletivo de Autores (1992), o termo cultura corporal de movimento proposto por Mauro Betti (1996) e por Valter Bracht (1992, 1999) e a cultura do movimento proposto por Elenor Kunz (1991, 1994). Desse modo, demarcando esse movimento no campo da educação física, optamos por Cultura Corporal de Movimento.

sistema educacional, e uma das razões para a sua existência. (COLETIVO DE AUTORES, 1992, p.52).

Ora, cuidar do corpo significava também cuidar da nova sociedade em construção, portanto passou a ser uma necessidade real correspondendo aos interesses da classe social hegemônica naquele período histórico; a classe social que dirigia política, intelectual e moralmente a nova sociedade.

Nesse sentido, as aulas de EFI nas escolas eram ministradas por instrutores físicos do exército que traziam para as instituições os rígidos métodos militares da disciplina e da hierarquia. Eis a base da construção pedagógica da EFI escolar, atrelada às normas e aos valores próprios da instituição militar.

Recorrendo às produções acadêmicas consultadas elas apresentam um consenso entre a prática da EFI escolar e os interesses de um governo militar autoritário, fortemente atrelado à burguesia nacional, associada ao capital internacional (CASTELLANI FILHO, 1988; GHIRALDELLI JUNIOR, 1988; BETTI, 1991; BRACHT, 1992; SOARES et al., 1992). Dessa maneira, o ensino da Educação Física nas instituições educacionais – reduzido à prática de algumas modalidades esportivas pautadas pelo alto rendimento – foi interpretado como uma ação racional do Estado para: (a) adestrar fisicamente os escolares, tendo em vista o aumento do rendimento produtivo no mundo do trabalho; (b) formar atletas profissionais, considerando os possíveis benefícios políticos de conquistas esportivas no cenário internacional; e (c) pelo uso político do esporte, desviar a atenção da população de questões sociopolíticas.

Em território brasileiro, a construção do Projeto Educação Física teve início quando os primeiros grupos de colonos, imigrantes, militares, em diferentes partes do país, começaram a se estruturar em atividades afins, buscando o lazer, a formação corporal ou a disciplina (SOUZA NETO et al., 2004).

Complementando esse pensamento, Castellani Filho (2004) entende que a constituição do campo educação física, no período compreendido entre 1824 e 1931, marca o desenvolvimento dos exercícios físicos entre os colonos alemães (que imigraram para o Rio Grande do Sul) e a prática desses mesmos exercícios

relacionados à preparação física, à defesa pessoal, aos jogos e esportes dentro do âmbito militar, médico e social. Ainda de acordo com o autor supracitado, nesse período, surgiram as primeiras tentativas de formação profissional sistematizada, identificada no trabalho desenvolvido pelos mestres de armas, instrutores, treinadores, assim denominados em função do seu escalão de origem.

No Brasil, com a criação da Escola Militar em 1810, introduziu-se a ginástica alemã neste espaço e estendeu-se, posteriormente, aos colégios. Em 1922, foi criado o Centro Militar de Educação Física, com o objetivo de difundir essa prática (CASTELLANI FILHO, 2004, p. 34).

Nos anos 1930, o Estado brasileiro empenhou-se em realizar várias ações no âmbito das práticas corporais, identificando a EFI como um espaço de intervenção na educação dos cidadãos, com o objetivo de valorizar os corpos e o aperfeiçoar o físico tornando-os saudáveis e aptos para enfrentar os desafios da vida moderna (GOELLNER, 2000, p. 128). Ainda segundo Goellner, no referido momento, a formação dos professores de EFI no país era baseada na formação das escolas militares, nada mais óbvio do que essa influência militarista na EFI, pois os cidadãos tinham que ter corpos saudáveis para a preservação da saúde, beleza e força produtiva para atender às necessidades do dia a dia.

Desse modo, a promoção de jogos, exercícios físicos, atividades recreativas e competições atléticas organizadas expressava um conjunto de conhecimentos necessários ao exercício da ocupação. Esse empreendimento esteve, no início, sob a responsabilidade de médicos, militares, esportistas e intelectuais. Em relação a estes últimos, lamentavelmente podemos afirmar que a sua contribuição não foi tão expressiva quanto a dos militares, principalmente do exército. Quanto aos médicos, a exemplo do ocorrido em outros países, emprestaram à educação física um caráter utilitário, eugênico e higiênico (BRACHT,1989).

Conforme Souza Neto et al. (2004), o primeiro programa civil de um curso de educação física no Brasil do qual há registro é o curso da Escola de Educação

Física do Estado de São Paulo, criado em 1931, mas que só começou a funcionar em 1934, apresentando o seguinte programa, como mostra o quadro a seguir:

Quadro 1 - O programa de 1934 do curso da Escola de EFI do Estado de SP

Fonte: Souza Neto et al. (2004, p.115)

E, assim, de 1932 a 1945 (correspondente à Era Vargas), a EFI estrutura- se profissionalmente na luta pelo seu espaço na sociedade. Ao encontro desse esforço, no intuito de buscar legitimidade para a área e o reconhecimento social de seus profissionais, a Constituição de 1937 torna a educação física obrigatória nas escolas, fazendo surgir outras reivindicações especialmente relacionadas à área como, por exemplo, a exigência de um currículo mínimo para a graduação. Essa conquista deu-se em 1939, por meio do Decreto-Lei n. 1.212, que criou a

Estudo da vida humana em seus aspectos celular, anatômico, funcional, mecânico, preventivo

Estudo dos processos pedagógico e de desenvolvimento do aluno

Estudo dos exercícios físicos da infância à idade madura EDUCAÇÃO FÍSICA (SABERES) Formação Profissional Instrutor de Ginástica

Professor de Educação Física

Estudo dos exercícios motores artísticos

Estudo dos exercícios motores lúdicos e agonísticos

Estudo dos fatos e costumes relacionados às tradições dos povos na área dos exercícios físicos e motores

Escola Nacional de Educação Física e Desportos e estabeleceu as diretrizes para a formação profissional. Entretanto, para além do discurso de determinado grupo, teve início um processo de organização e regulamentação do campo de educação física, que contribuíra para a constituição dessa disciplina, considerando-a profissão entre leigos e não leigos na constituição do seu campo (SOUZA NETO et al., 2004).

Na sequência, em 1939, com o Decreto-Lei n. 1.212, criou-se a Universidade do Brasil e a Escola Nacional de Educação Física e Desportos. No geral, os cursos tinham em comum um núcleo de disciplinas básicas e um conjunto de matérias específicas conforme a modalidade de atuação profissional pretendida, conforme ilustra o quadro a seguir:

Quadro 2 - O programa de 1939 do curso da Escola de EFI do Estado de SP

Fonte: Souza Neto et al. (2004, p.117)

Com exceção do curso para formar professores com duração de dois anos, os demais eram desenvolvidos no período de um ano. Da mesma forma podemos dizer que a formação do professor era de um técnico generalista, mas carregada no compromisso de ser um educador. Paralelo a esse decreto-lei, passou-se a exigir, também, o diploma de graduação para o exercício profissional:

A partir de 1º de janeiro de 1941, será exigido, para o exercício das funções de professor de educação física, nos estabelecimentos oficiais (federais, estaduais ou municipais) de ensino superior, secundário, normal e profissional, em toda a República, a apresentação de diploma Estudo da vida humana em

seus aspectos celular, anatômico, funcional, mecânico, preventivo

Estudo dos exercícios físicos da infância à idade madura

Estudo dos exercícios motores lúdicos e agonísticos

Estudo dos exercícios motores Artísticos Instrutores de Ginástica (professoras primárias) EDUCAÇÃO FÍSICA (SABERES) Formação Profissional Instrutor de Ginástica

Professor de Educação Física

Estudo do processo pedagógico (psicologia aplicada)

Estudo da administração do trabalho humano em instituições (organização; legislação)

Estudo dos fatos e costumes relacionados às tradições dos povos na área dos exercícios físicos e motores

Médico Especializado em Educação Física

Técnico em Massagem

de licenciado em educação física. Parágrafo único – A mesma exigência se estenderá aos estabelecimentos particulares de ensino superior, secundário, normal e profissional de todo o país, a partir de 1º de janeiro de 1943 (SOUZA NETO et al., 2004, p. 118).

Comparando-se as propostas de 1939, presentes no Decreto-Lei n. 1.212, e as de 1945, no Decreto-Lei n. 8.270, verificamos que alguns aspectos se repetem ou são muito semelhantes; outros, porém, sofreram uma mudança radical, dando uma configuração própria a cada um dos cursos. Na área dos saberes que fundamentam a profissão, a base de conhecimento da proposta curricular de 1945 segue a mesma sequência da proposta anterior, redimensionando-a em sua organização, como exposto no quadro abaixo:

Quadro 3 - A proposta de 1945 do curso da Escola de EFI do Estado de SP

Fonte: Souza Neto et al. (2004, p.118)

Estudo da vida humana em seus aspectos celular, anatômico, funcional, mecânico, preventivo

Estudo dos exercícios físicos

Estudo do comportamento humano

Estudo dos exercícios motores lúdicos e

agonísticos

Estudo dos exercícios motores artísticos Instrutores de Ginástica (professoras primárias) EDUCAÇÃO FÍSICA (SABERES) Formação Profissional Instrutor de Ginástica

Professor de Educação Física

Estudo do processo pedagógico (psicologia aplicada)

Estudo da administração do trabalho humano em instituições (organização; legislação)

Estudo dos fatos e costumes relacionados às tradições dos povos na área dos exercícios físicos e motores Médico Especializado em Educação Física Técnico em Massagem Técnico Desportivo

No Quadro 3, as modificações ficaram por conta da exigência de diploma, como pré-requisito para os cursos de educação física infantil, técnica desportiva e medicina aplicada à educação física e desportos. No entanto, o pré-requisito para concorrer a uma vaga para ingresso no curso continuaria a ser o ensino secundário fundamental (antigo ginasial), caracterizando a EFI, até 1957, como um curso técnico, pois não se exigia o certificado do curso secundário complementar.

Quanto à duração do curso de formação do professor, passou de dois para três anos. Entre 1945 e 1968, a formação do professor ganhou atenção especial, o que podemos observar de maneira nítida na Lei de Diretrizes e Bases (LDB) n. 4.024/ 61 (BRASIL, 1961).

No fim da década de 1960, com a internacionalização do mercado, o advento do esporte – como um fenômeno de massas – e a instituição do governo militar no país foi realizada a Reforma Universitária de 1968 – modelo de universidade científica e pós-graduação –, então um novo currículo.

Com o Parecer CFE n. 894/69 e a Resolução CFE n. 69/69, os cursos de formação de professores passaram a se restringir apenas aos cursos de educação física e técnico de desportos previstos para três anos de duração, com uma carga horária mínima de 1.800 horas-aula e redução das matérias básicas de fundamentação científica. Os saberes relativos ao conhecimento esportivo ganharam destaque, bem como a parte didática com ênfase na formação do professor, como visualiza o quadro abaixo.

Quadro 4 - A proposta de 1969 do curso da Escola de EFI do Estado de SP

Fonte: Souza Neto et al. (2004, p.120)

De acordo com os estudos de Souza Neto et al. (2004), os resultados dessa preparação profissional continuam a ser questionados. Os argumentos fundamentam a necessidade da reflexão sobre os cursos de licenciatura em educação física foram: a) a necessidade urgente e a importância de os cursos se libertarem das amarras impostas pelo currículo mínimo; b) as novas demandas do mercado de trabalho que, já há muito, extrapolavam os limites da escola e, por isso mesmo, reclamavam um outro tipo de profissional apto para atender, de forma competente, às necessidades sociais, e c) a importância e necessidade de se pensar a educação física como um campo de conhecimento específico.

Finalmente, em 1987, com a promulgação do Parecer CFE n. 215/87 e da Resolução CFE n. 03/87, foi estabelecida a criação do bacharelado em educação física. Nessa proposta, os saberes anteriormente divididos entre as matérias básicas e profissionalizantes – localizadas dentro dos núcleos de fundamentação

Estudo da vida humana em seus aspectos celular, anatômico, funcional, mecânico, preventivo

Estudo dos exercícios gímnico desportivos em seus aspectos

físicos, motores, lúdicos, agonísticos, artístico

Estudo das matérias pedagógicas: didática, estrutura e funcionamento do

ensino, psicologia da educação e prática de ensino

EDUCAÇÃO FÍSICA (SABERES) Formação Profissional (1.800 horas aula)

Professor de Educação Física

ou de forma concomitante Técnico Desportivo

biológica, gímnico-desportivo e pedagógico – assumem uma nova configuração, tendo, como fundamento da distribuição dos saberes na estrutura curricular, duas grandes áreas: Formação Geral – humanística e técnica – e Aprofundamento de Conhecimentos, conforme mostra o quadro abaixo:

Quadro 5 - A proposta de 1987 do curso da Escola de EFI do Estado de SP

Fonte: Souza Neto et al. (2004, p.121)

Essa nova proposta confere aos currículos a flexibilidade reclamada durante a vigência da Resolução CFE n. 69/69 (currículo mínimo) e transfere a responsabilidade do Conselho Federal de Educação (CFE) para as Instituições de Ensino Superior (IES) na elaboração da estrutura curricular. Essa resolução também alterou, de forma significativa, a carga horária do curso que passou das 1.800 horas-aula para 2.880 horas-aula, as quais deveriam ser cumpridas no prazo mínimo de quatro anos, tanto no caso do bacharelado quanto no da

Formação Geral: Humanística e Técnica

Conhecimento Filosófico

Humanística Conhecimento do Ser Humano

Conhecimento da Sociedade

Técnico Conhecimento Técnico

Aprofundamento de Conhecimento

Licenciatura em Educação Física

EDUCAÇÃO FÍSICA (SABERES)

Formação Profissional

(2.880 horas-aula)

licenciatura, estabelecendo, assim, uma nova referência para a formação profissional. Todavia, se, por um lado, o curso ganhou em autonomia e flexibilidade, por outro, a forma de organização curricular proposta poderia conduzir à perda de um núcleo identificador da área que estaria operando dentro de uma base de identidade para a formação e uma parte diversificada para a profissionalização (SOUZA NETO, 1999).

E, na atualidade, a formação de professores de EFI está amparada legalmente pelas Resoluções n. 01/2002 e n. 07/2004, ambas do Conselho Nacional de Educação (CNE), e confere diplomas de licenciado e/ou de bacharelado.

Entretanto, os mesmos problemas apresentados nas demais licenciaturas e formações universitárias também estão presentes nos cursos de formação em EFI. De acordo com Taffarel et al. (2007), esses problemas são de ordem teórica, epistemológica, financeira, estrutural, curricular e política, pois o campo de conhecimento da EFI, por estar ainda em construção, recebe influências de outras áreas de conhecimento, tais como a médica e das ciências humanas e sociais. Todas elas interferem na organização de seu currículo, haja vista maior ou menor peso em determinadas áreas do conhecimento.

Com relação aos problemas epistemológicos presentes no contexto de formação dos professores de EFI, Taffarel et al. (2007, p. 42) denunciam a “ênfase em teorias pós-modernas, que se caracterizam pela perda de referências históricas [...], a separação entre a teoria e a práxis”, além de evidenciarem “[...] o silêncio premeditado sobre as leis econômicas de funcionamento do capitalismo como um modo de produção, sobre a máquina política do Estado burguês e sobre a estratégia da luta de classes”.

Quanto aos problemas estruturais, Taffarel et al. destacam a baixa titulação e qualificação do corpo docente que trabalha mediante um achatamento salarial além das evidências de despolitização da classe. Eles também referem-se à péssima qualidade do ensino básico que não prepara adequadamente os alunos que chegam à universidade (TAFFAREL et al., 2007).

No âmbito dos problemas políticos discutidos pelos estudiosos, percebemos uma característica contraditória e autoritária sobre o trabalho pedagógico da EFI e a consequente subordinação da formação de professores ao projeto de mundialização do capital. E, nesse conjunto, o dualismo que percebe o corpo e a alma como substâncias separadas prepondera na compreensão das contribuições da EFI.

A esse respeito, lembrando Taffarel (2009), o pensamento platônico do corpo como instrumento da alma não saiu da sala de aula e, renovado, caminha conjuntamente com a quase totalidade das propostas que se auto intitulam progressistas ou críticas.

A amarração forçada de um espírito e de um corpo, que resultaria na totalidade ‘Homem’, é um conceito positivista de totalidade, pois a explica como soma das partes. Esse princípio também é responsável pela ideia corriqueira na sala de aula de que deve se dar atenção às três entidades contidas nos corpos de nossos alunos: a afetiva, a cognitiva e a motora, pois, procedendo desse modo, estar-se-á abordando-o como totalidade e, portanto, dando conta de uma educação integral. Vê-se que esse conceito foi elaborado tendo como pressuposto teórico que a explicação sobre um determinado objeto encontra-se no próprio objeto, ou, dito de outra modo, que a explicação do que seja o Homem só pode ser encontrada no seu corpo, pois ele representa a sua presença no mundo (TAFFAREL, 2009, p.02)

Gaya (2009) desenvolve essa ideia, entendendo que o dualismo que define o corpo como moradia ou prisão da alma reflete diretamente na compreensão da relevância da EFI, em especial, na formação básica dos indivíduos. Trata-se, segundo o autor, de um corpo que para alguns ideólogos é obsoleto e deve ser substituído por uma máquina sofisticada; um corpo que para determinadas correntes religiosas deve ser mortificado para expiar prováveis descaminhos da alma ou do espírito; um corpo que após a morte deverá apodrecer na terra após dar liberdade à alma que voltará ao reino dos céus ou ao mundo das ideias. Nesse sentido, o corpo deve ser cuidado e treinado para tornar-se belo, forte e saudável pela simples razão de estar a serviço da mente. E, então, ele argumenta:

Sendo assim, considerando a hegemonia das concepções dualistas sobre a relação corpo e alma, bem como sua força normativa sob as crenças, costumes e ideologias da cultura ocidental creio que, em parte, se explica o descrédito profissional, epistemológico e pedagógico da Educação Física. Em minha opinião a pouca relevância social que é atribuída à Educação Física, decorre de sua íntima relação com o corpo

humano. Decorre da relação que as crenças, as filosofias, as teologias e as pedagogias dualistas têm com o corpo humano. Ora! Se o corpo é o lado menos edificante do humano; se em algumas visões mais fundamentalistas o corpo representa um obstáculo para realização