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3. FORMAÇÃO DE PROFESSORES: ASPECTOS HISTÓRICOS E POLÍTICOS

3.3 Sobre profissionalização e formação docente: aspectos gerais

Ao longo da história da educação no Brasil, a partir do século XIX, são notórias as fragilidades quanto aos processos de profissionalização 11 do professor. Percebemos que os processos de formação e profissionalização docente geralmente vêm se constituindo muito mais como discursos e retóricas do que como uma realidade objetiva.

De acordo com Lüdke e Boing (2004), a ideia de profissionalização consubstancia-se às condições ideais que venham a garantir um exercício profissional de qualidade. Essas condições incluem: a formação inicial e a formação continuada possibilitando ao professor aprender e desenvolver competências, habilidades e atitudes profissionais; salários compatíveis com a natureza e exigências da profissão docente; adequadas condições de trabalho entre outros.

11Optamos por realçar os termos profissão e/ou profissionalização docente, devido ao fato de muitos teóricos como Tardif, Nóvoa e Ludke considerarem que, na verdade, o magistério é uma semiprofissão, pois os docentes não possuem autonomia, uma vez que, inicialmente, foram tutelados pela Igreja e, posteriormente, pelo Estado; por não contarem com um Código de ética; por não possuírem organizações de classe fortes e por não controlarem o acesso ao ofício.

Vale lembrar, aqui, a noção de profissionalização docente. Conforme Nóvoa (1992), impulsiona algumas políticas públicas voltadas para a formação de professores, pois eles precisam produzir saberes para compor um grupo específico: o dos que sabem ensinar.

Como defende Imbernón (2006), ser um docente profissional implica, portanto, dominar uma série de saberes, capacidades e habilidades especializadas que o fazem ser competente no exercício da docência, além de uni-lo a um grupo profissional organizado.

Na análise de Hypólito (1999), a profissionalização docente tem sido uma questão recorrente ao longo da história da educação no Brasil, por motivos e interesses distintos. De um lado, os docentes reivindicam melhores condições de trabalho, necessárias à real profissionalização; de outro, autoridades e governantes focalizam o tema, sobretudo em épocas de reformas educativas, usando um discurso de mudanças cujas ações estão atreladas aos interesses dos agentes empreendedores. Entretanto, esse discurso de profissionalização por parte dos governantes quase sempre responsabiliza os professores pelos resultados, estes, por sua vez, contestam essa atitude. Sobre essa perspectiva, Hypólito, (1999, p.92) esclarece que:

A luta pela profissionalização tem sido uma das estratégias adotadas pelo movimento docente para contestar e resistir às formas de controle, tanto técnico quanto ideológico, que historicamente tem significado uma negação da autonomia profissional.[...]

Já na visão de Nóvoa (1992), a profissionalização desenvolve-se mediante uma proposta de trabalho coletivo. São dimensões que se constituem de um corpo de conhecimentos e técnicas necessários ao exercício da atividade docente e de um conjunto de normas e valores éticos que regem as relações intensas e externas do corpo docente, contribuindo, portanto, para a emancipação profissional e a consolidação de uma profissão autônoma.

Ainda na perspectiva histórica, Ludke e Boing (2004), apoiando-se em Nóvoa (1995), afirmam que os professores, como grupo profissional, têm uma história específica. Primeiramente, visualizam o modelo de professor associado à religião, que conferia à docência uma aura de vocação e sacerdócio. No Brasil, a

estatização obtida após a Proclamação da República e a decorrente extinção do padroado, favoreceram a caminhada em direção à profissionalização, porque significou o rompimento, em princípio, dessa relação vocacional. Todavia, segundo os autores em pauta, o processo de estatização não foi capaz de levar adiante tanto a construção de uma codificação da profissão, quanto a conquista da autonomia dos docentes. Esse fato se diferencia do que ocorreu com as profissões liberais.

Ainda referindo-se a Nóvoa (1995), Ludke e Boing(2009) argumentam que

[…] a explicação do autor para esse fato se dá pela imposição, na estatização, de instituições mediadoras da regulamentação docente. As inspetorias de ensino, para citar uma das mediações, sempre exerceram um controle reconhecido sobre o exercício formal da docência. E os docentes sofrem o processo de ‘funcionarização’. Esta falta de autonomia do professorado coloca em dúvida a existência de uma ‘profissão’ docente. Quando muito, podemos falar de um processo de profissionalização. (LUDKE; BOING, 2004, p. 2173).

Por seu turno, Hypolito (1999) explicita que o ensino como ocupação ou profissão tem sido marcado, historicamente, por uma ideologia conservadora, sendo o professor controlado pelo Estado por meio de políticas públicas, e visto como pertencente a uma profissão considerada de pessoas de ‘classe baixa’. Para ele, a ‘profissão docente’ está marcada pela burocratização, proletarização e intensificação do trabalho. Somado a isso, a entrada progressiva da mulher no magistério, provocando a feminização da profissão, sobretudo nos níveis iniciais do sistema educacional, cujas condições salariais são bastante precárias.

Em relação à análise dos conceitos de profissão, Dubar ressalta que, embora a origem dessa palavra seja a mesma da palavra ofício, a profissão “[...] emerge quando um número definido de pessoas começa a praticar uma técnica definida, baseada numa formação especializada [...]” e quando “[...] representa a fusão da eficácia econômica e da legitimidade cultural” (DUBAR, 1997, p. 128). Além destas especificações, podemos estabelecer diferenciação entre profissão e ofício pensando em

[...] um conjunto de distinções socialmente estruturantes e classificadoras que se reproduziram através dos séculos: cabeça/mãos, intelectuais/manuais, alto/baixo, nobre/vilão, etc. Acontece ainda que ofícios e profissionais participam do mesmo modelo de origem: as corporações, isto é, corpos, confrarias, e comunidades no seio das quais os membros estavam unidos por laços morais e por um respeito às regulamentações pormenorizadas dos seus estatutos, constituem estados reconhecidos pelo Poder Real (DUBAR, 1997, p. 124)

Em síntese, para a configuração do processo de profissionalização, segundo Dubar, torna-se necessária a presença de três aspectos, ou seja,

[...] especialização dos serviços que permite aumentar a satisfação de uma clientela [...]; [...] criação de associações profissionais que obtêm para os seus membros a proteção exclusiva dos clientes e dos empregadores que requerem o serviço do seu ofício e colocam uma linha de separação entre eles e as pessoas não qualificadas que permite aumentar o prestígio do ofício [...]; e, por último, [...] de constituição de uma formação específica assente num corpo sistemático de teoria que permite a aquisição de uma cultura profissional [...]. (DUBAR, 1997, p. 128)

Todavia, no cerne dessa importante discussão, interessa-nos pontuar que a profissionalização docente não modificou significativamente ao longo do tempo, sendo possível identificarmos, na atualidade, traços desses descompassos.

Em adição, Faria Filho (2010) lembra-nos que a desvalorização docente pode ser visualizada desde a instrução pública do período imperial, pois políticos e intelectuais já responsabilizavam o professor pelo sucesso ou fracasso do aluno. Para ele, o trabalho do professor era baseado na rotina, na experiência, no senso comum, daí a necessidade de um professor mais bem preparado.

Prosseguindo seu estudo sobre a história educacional brasileira, Faria Filho afirma que as escolas normais12, criadas no Brasil no século XIX, denotam a falta

de valorização da carreira do magistério, bem como um tímido início de profissionalização dos professores.

Nesse cenário de desvalorização do magistério, complementa Durães (2002) que as mulheres, ao assumirem o mundo do trabalho, passando de encarregadas dos afazeres domésticos e dos cuidados dos filhos ao magistério levou a profissão a ser concebida como algo divino, sacerdotal, e logo esse trabalho não precisava ser bem remunerado. Em suma, a atividade laboral do

12 As primeiras Escolas Normais no Brasil foram criadas entre os anos de 1830 e 1881, somando em torno de 10 escolas espalhadas por todo o território brasileiro, incluindo o Rio Grande do Sul, que teve sua primeira Escola Normal fundada em 1870, na cidade de Porto Alegre. Com o advento da República, a educação passa a ser vista como um serviço público a cargo do Estado, que deve formar cidadãos civilizados para o fortalecimento de uma sociedade que se pretendia hegemonizar, característica que compõe a base do processo histórico das políticas de formação de professores no Brasil. A Escola Normal moldou-se como difusora do ideário republicano, em oposição ao ordenamento institucional do regime imperial, assim cabia aos professores difundir esta nova visão de mundo. Ao serem selecionados para esta tarefa deveriam oferecer não só a alfabetização para toda a população, mas também fortalecer o regime e seus beneficiários, ou seja, as oligarquias dirigentes (BASTOS, 1999, p.241).

professor até o fim do Império não era reconhecida como profissão, mas como missão ou vocação, sendo valorizados mais seu caráter moral e seus princípios religiosos do que sua competência teórica e prática. Daí a desvalorização salarial e a carência de profissionais para lecionar.

Quanto à história sobre a configuração da atividade docente como profissão primeiramente precisamos esclarecer a seguinte questão: essa atividade é ou não reconhecida como profissão. Fidalgo (1993) sintetiza essa polêmica e nos auxilia a compreender essa questão. Contudo, nos limites de nossa análise, interessa-nos sublinhar, no sentido histórico-materialista, as descontinuidades dessa profissão e os desdobramentos perceptíveis na contemporaneidade.

Ainda nos estudos de Fidalgo e outros colaboradores percebemos que

[...] ao contrário de outras profissões tradicionais que se constituíram e se estruturaram a partir de uma organização corporativa visando uma dada autonomia e a especificidade do conhecimento da sua área de atuação, a profissão docente, ao contrário, constituiu-se historicamente a partir da intervenção de agentes externos como a Igreja e o próprio Estado (FIDALGO, 2009, p. 97).

Nesse sentido, os autores afirmam que os docentes estão ligados aos novos padrões de regulação social, a medida que novas dimensões relacionadas às avaliações e ao desenvolvimento de suas atividades “derivam, essencialmente, das mutações e da dinâmica interna das organizações e aos modelos de sistematização dos mercados” (FIDALGO; FIDALGO, 2009, p. 98).

Para o nosso trabalho, demarcaremos esse impasse, acreditando que, no bojo de uma política de formação docente (nosso objeto de estudo), aspectos dessa natureza devam ser mais bem refletidos e encaminhados pelas políticas educacionais.

Noutra perspectiva, segundo Gatti e Barreto (2009), a qualidade da formação inicial e do desenvolvimento profissional dos professores relaciona-se com a capacitação dos profissionais que atuam como formadores nesse trabalho, isto é, com o domínio conceitual e prático dos formadores, seu envolvimento e compromisso com a formação de educadores e, principalmente, com as condições de trabalho em que se encontram. As autoras enfatizam que os incentivos do Governo ao desenvolvimento profissional dos docentes não tem

impactado, de forma positiva, a categoria docente. Elas reconhecem a ocorrência de certos avanços decorrentes da criação de fundos de educação, como o Fundef, agora Fundeb, asseveram, porém, que não existe um plano adequado de incentivos que apoie e fortaleça o desenvolvimento profissional do professor. Assim, as autoras defendem uma política nacional que vise à melhor e mais adequada qualificação dos professores da educação básica, pois

[...] os profissionais da educação estão entre os mais volumosos e importantes grupos ocupacionais, tanto pelo seu número como pelo seu papel, sendo que o setor público é de longe o grande empregador na área. Isto remete às questões do financiamento público da educação, da carreira e salário dos profissionais docentes, bem como as condições de infraestrutura necessária nas escolas, pois a melhor qualificação da educação passa também por esses aspectos, os quais não estão postos à altura das exigências que têm sido feitas á escola e seus profissionais (GATTI; BARRETO, 2009, p. 256).

Em última análise, concluímos que a configuração da profissionalização docente está condicionada não só aos processos de organização da sociedade, especialmente das diretrizes para a instrução pública, mas também às experiências dos indivíduos nesse processo. A seguir, trataremos da formação em Educação Física, construída na esteira de todos os aspectos pontuados até aqui.