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4. O PIBID NO CONTEXTO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE FORMAÇÃO DE

4.2 Apontamentos sobre o Plano Nacional de Educação: PNE 2001-2010

A Constituição Federal brasileira de 1988 prevê, no seu Artigo 214, a criação, pelo Estado, de um Plano Nacional de Educação (PNE), de duração plurianual, com vistas à articulação e ao desenvolvimento do ensino, em seus diversos níveis. Neste contexto, surgem propostas de construção da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) e, no centro do debate, dois projetos disputam a representação da política: o projeto de LDBEN de entidades educacionais encaminhado à Câmara dos Deputados no ano de 1988, e a proposta de LDBEN elaborada e encaminhada ao Senado, no ano de 1995, pelo então senador Darcy Ribeiro (OTRANTO, 1996).

As discussões em torno de projetos da LDBEN tornam-se acirradas e, com a eleição, em 1994, do presidente Fernando Henrique Cardoso, do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), toma posições em face dos projetos de LDBEN em tramitação, optando pelo texto do Senado. Em 20 de dezembro de 1996, a LDBEN, sancionada pelo presidente, reflete a manobra governamental ao reprovar uma proposta coletiva, fruto de anos de amplos debates da sociedade civil.

Em sintonia com a DMET, a LDBEN preconiza, nas disposições transitórias, que a União deverá encaminhar ao Congresso Nacional, no prazo de um ano, a proposta de um PNE, indicando as diretrizes e metas para os próximos dez anos – Década da Educação. Em 1997, com vistas à materialização do Artigo 214 da Constituição Federal, e em atendimento à LDBEN, foi encaminhada ao Congresso a proposta de PNE, elaborada pelas entidades educacionais e, no início do ano de 1998, foi protocolada outra proposta de PNE encaminhada pelo Executivo. Em 2001, o PNE do executivo foi aprovado e instituído pela Lei n. 10.172, de 9/1/2001, passando então a estabelecer as diretrizes e metas para a educação brasileira para um período de dez anos, a contar da data de sua publicação. Como nos lembra Cury (1998), a derrota do projeto de LDBEN das entidades educacionais, aliada ao desgaste do governo junto a essas entidades por conta do pronunciado controle dos gastos públicos, são questões de fundo para a compreensão da existência de dois projetos de PNE em disputa.

Ainda conforme Cury (1998), de tramitação sui generis, o PNE aprovado reflete o embate entre projetos de concepções e prioridades educacionais distintas: o PNE denominado Proposta da sociedade brasileira e o PNE que tem como subtítulo Proposta do Executivo ao Congresso Nacional (CURY, 1998; VALENTE; ROMANO, 2002; DOURADO, 2010, 2011).

As entidades educacionais, após a realização de dois Congressos Nacionais de Educação (CONED) consecutivos, elaboraram e encaminharam ao Congresso, no ano de 1997, a proposta de PNE denominada Proposta da sociedade brasileira. O texto do CONED, em tom de réplica, denuncia a mesmice da política governamental e busca recuperar aspectos da LDBEN vencida. De origem democrática e popular, o projeto apresenta um conjunto de princípios que

não foram incorporados ao plano aprovado, destacando-se: a criação do Sistema Nacional de Educação (SNE) e do Fórum Nacional de Educação; a redefinição do Conselho Nacional de Educação como órgão normativo e de coordenação do SNE; e a garantia de ampliação do investimento em educação pública de 10% do Produto Interno Bruto (PIB). (CURY, 1998).

Por outro lado, o PNE do Executivo, representativo da política do capital financeiro internacional e da ideologia das classes dominantes, revela a hegemonia governamental no Congresso Nacional e traduz as lógicas das políticas em curso, com foco no ensino fundamental e na construção de um sistema de avaliação da educação. O PNE aprovado, a LDB/96 e a legislação educacional materializam no Brasil, de acordo com Valente e Romano (2002), a política do Banco Mundial para os países subdesenvolvidos.

No que tange à formação de professores, um dos objetivos centrais do PNE é a melhoria da qualidade do ensino, a ser alcançada por meio de uma política global de magistério, a qual implica, simultaneamente, três condições: a formação profissional inicial, as condições de trabalho, salário e carreira, e a formação continuada. Como diagnóstico dessas condições, o PNE ressalta que os esforços na formação de professores têm sido pouco eficazes na melhoria da qualidade do ensino, uma vez que muitos professores se deparam com uma realidade por vezes desanimadora: baixos salários e condições precárias de trabalho. O Plano apresenta ainda, como fatores que incidem na qualidade do ensino, o entusiasmo, a dedicação, a confiança no trabalho pedagógico, a perspectiva de crescimento profissional e de continuidade de seu processo de formação. Em suma, o PNE considera, como componentes essenciais para a melhoria da qualidade do ensino, a formação inicial e continuada, salário digno, carreira de magistério e avaliação de desempenho. (VALENTE E ROMANO, 2002).

Diante do diagnóstico da realidade educacional, o PNE apresenta, nas diretrizes para a formação dos professores e valorização do magistério, a qualificação dos docentes como um de seus maiores desafios, cabendo ao Poder Público dedicar-se, prioritariamente, à solução deste problema por meio da implementação de políticas públicas de formação inicial e continuada dos

profissionais da educação e da melhoria das condições de trabalho, salário e carreira. No que tange à formação inicial, o Plano sinaliza a necessidade de superar a histórica dicotomia entre teoria e prática e a desarticulação entre formação pedagógica e formação no campo dos conhecimentos específicos que serão trabalhados na sala de aula. Como princípios para os cursos de formação, são previstos, entre outros: a atividade docente como foco formativo; o contato com a realidade escolar desde o início até o final do curso, integrando a teoria à prática pedagógica; a pesquisa como princípio formativo; e a sólida formação teórica nos conteúdos específicos a serem ensinados na Educação Básica, bem como nos conteúdos especificamente pedagógicos (CURY, 1998).

Afinal, o diagnóstico apresentado no PNE aponta problemas históricos relativos à formação de professores e reconhece, como possibilidade de solução deles a implementação de políticas públicas de formação inicial e continuada. Nos objetivos e metas, o Plano também prevê “desenvolver programas de educação a distância como garantia da ampliação dos programas de formação em serviço” (meta n. 13), o que denota a focalização na formação continuada na modalidade à distância.

Quanto às ações a serem desenvolvidas na formação inicial, o PNE não faz referência sobre a que políticas precisam ser construídas, apenas prioriza a questão do acesso ao ensino superior o que demanda a ampliação da oferta de cursos, como sugerida nas metas n. 14 e 15, respectivamente. Portanto, devem- se

[...] generalizar, nas instituições de ensino superior públicas, cursos regulares noturnos e cursos modulares de licenciatura plena que facilitem o acesso dos docentes em exercício à formação nesse nível de ensino; [...] incentivar as universidades e demais instituições formadoras a oferecer no interior dos Estados, cursos de formação de professores, no mesmo padrão dos cursos oferecidos na sede, de modo a atender à demanda local e regional por profissionais do magistério graduados em nível superior (PNE, 2001, LEI 10.172/2001).

Acerca da questão da valorização dos profissionais da educação, que surge como objetivo e prioridade no PNE, perdeu força em relação à proposta da sociedade brasileira. Ela, de maneira mais enfática, propunha, nas diretrizes gerais, garantir a valorização dos profissionais da educação (professores, técnicos e funcionários administrativos) em sua formação básica e continuada,

carreira e salário. Ora, o Plano, ao mesmo tempo em que prevê a melhoria da qualidade da formação e a importância das instituições de ensino superior que desenvolvem pesquisas serem subsidiárias da formação de professores, admite a formação em nível médio na modalidade normal, contradição que está presente na LDBEN.

Como limites da proposta do PNE do Executivo, Cury (1998) já identificava, de maneira geral: a focalização prioritária no ensino fundamental, sobretudo quando ofertado para a população de baixa renda; o recuo da União como agente direto de uma ação sistemática no âmbito dos recursos e da execução, o que acentua o seu papel de coordenador e o de agentes executores dos Estados e Municípios; o simples reordenamento dos recursos já existentes sem adição de novas entradas; a contradição entre o avanço na proposição de metas e objetivos e os recursos financeiros disponíveis.

Por sua vez, Dourado (2010) em suas análises empreendidas por Dourado (2010) no final da década da educação, argumenta que o PNE apresenta limites no que concerne a sua tramitação, concepção e secundarização no campo das políticas educacionais, em detrimento das políticas governamentais. Em consequência da política adotada e da não regulamentação do regime de colaboração, como previsto na Constituição Federal de 1988, o PNE configurou- se como um plano formal, marcado por limites estruturais e conjunturais, sobretudo no que se refere à ausência de mecanismos concretos de financiamento. A carência de organicidade interna em que metas são reiteradas e, por vezes, superpostas, bem como a ausência de mecanismos concretos de financiamento e de gestão podem ser apontadas como limites da sua efetivação na fase de implementação. Em suma, os nove vetos presidenciais incidiram sobre os pontos mais nevrálgicos do PNE, aqueles referentes ao financiamento que, de fato, fariam dessa política um plano.

Apesar de o PNE apresentar metas de amplo alcance, indicando grandes desafios para a melhoria da educação nacional, elas se efetivaram “como resultantes de ações e políticas governamentais stricto sensu, sem ter o Plano como o epicentro do processo político” (DOURADO, 2010, p. 686). Segundo esse autor, o PNE não se converteu em instrumento efetivo de gestão das políticas

educacionais, revelando o protagonismo do governo Fernando Henrique Cardoso na formulação, implementação e indução de políticas, programas e ações relacionados ao cumprimento das metas do PNE. Se pensarmos que um plano tem como finalidade tornar-se um guia das ações do governo, que é proposto como forma de se afastar da imponderabilidade das circunstâncias, e que se obtém com investimentos dentro de setores tidos como prioritários (CURY, 1998), cabe-nos, então, indagar se o que tivemos foi um plano nacional de educação ou uma carta de intenção? (VALENTE; ROMANO, 2002).