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I. O S CONCEITOS : E NQUADRAMENTO TEÓRICO

3. A Educação para o Desenvolvimento em Portugal

A ED acompanhou, como antes descrito, a evolução histórica e política dos conceitos de educação e de desenvolvimento, marcados, sobretudo, pela transformação dos conceitos à luz dos movimentos e retrocessos do mundo económico, político e social. Em Portugal pode verificar-se o mesmo fenómeno, agravado, contudo, pelo longo período de Ditadura e, por isso também, pela experiência colonial que limitou as relações externas portuguesas. Tal como apresenta o CIDAC, estes dois fatores de “censura, repressão e isolamento internacional impediram o normal desenvolvimento da sociedade civil, afastaram e destruíram muito dos atores (individuais e coletivos) mais dinâmicos e reduziram o mundo a um conjunto de territórios sobre os quais o regime detinha o poder político e económico” (CIDAC, 2004: 13). Numa perspetiva de desenvolvimento, e antes da Revolução de 1974, o conhecimento relativo aos países do sul restringia-se à experiência com os países colonizados. À margem do governo, foram sendo organizadas algumas iniciativas, de origem estudantil ou religiosa, que procuravam sensibilizar a sociedade civil para a realidade dos países dominados e para as consequências da guerra que acontecia, de forma a despertar um sentido de reflexão e ação para a paz e justiça social. Pela experiência de atuação e recolha de dados, e pelo apoio político e financeiro, estas iniciativas foram ainda apoiadas por ONG e outros organismos europeus (idem).

Por sua vez, o 25 de Abril trouxe a emergência de movimentos sociais, nomeadamente a favor da participação social e da igualdade. No que às ex-colónias diz respeito, os grupos que antes já se vinham a organizar em prol do apoio aos países colonizados, e agora a outros cidadãos oriundos desses países, assumiram uma série de ações de sensibilização e lobbying junto do governo português e da sociedade civil, para o reconhecimento do direito à liberdade e independência desses territórios. A década de 70 e o início da década de 80 foram marcados por experiências distintas: por um lado, foram desenvolvidas ações de informação e formação sobre a experiência cultural e sobre a situação política, económica e social das antigas colónias. Estas iniciativas eram dirigidas a voluntários e cooperantes portugueses que tinham interesse em viver nesses países; por outro lado, começaram a surgir e a ganhar cada vez mais espaço na sociedade

51 “grupos de solidariedade” pela liberdade dos povos dos países antes dominados. Estes grupos45

usavam metodologias participativas e definiam o seu trabalho à luz daquilo que hoje se entende por Educação para o Desenvolvimento, ainda que o fizessem sem a reconhecer enquanto tal (ibidem).

Na preparação para a adesão de Portugal à Comunidade Económica Europeia, fundou-se, em Março de 1985, com o aval de treze ONGD, a Plataforma Portuguesa das ONGD46. Este grupo tinha como objetivo o contato entre organismos portugueses e atores europeus na área da ED e a facilitação do acesso a oportunidades de financiamento. Efetivamente, e com a entrada de Portugal na CEE, em 1986, e com a organização institucional do trabalho nesta área numa única plataforma, abriu-se uma linha de financiamento para iniciativas de Cooperação para o Desenvolvimento e de Educação para o Desenvolvimento para a responsabilização de ONGD europeias. Esta linha foi criada em 1976, sendo mais tarde designada de B7-6000. Atualmente assume-se como 21.02.0347 (ibidem).

Ao ter acesso a esta espécie de financiamento e aos círculos de trabalho de ED nos mais diversos grupos europeus, Portugal teve a possibilidade de beneficiar de um leque variado de experiências e conhecimentos na área, passando a participar nos grupos de discussão de políticas europeias e ações de lobbying, particularmente através da integração no Comité de Ligação das ONGD Europeias (CLONG), atualmente designado como CONCORD48. Mais tarde, já no ano 1996, foi realizada em Lisboa a 2ª reunião (anual) do Fórum de ED do CLONG, reunindo várias instituições nacionais de trabalho nos domínios da Cooperação e da Educação para o Desenvolvimento. Em 1997, foi organizada a primeira edição da “Escola de Verão de ED” a nível europeu, reunindo atores das mais variadas instituições europeias, incluindo portuguesas. Ao mesmo tempo, a Plataforma Portuguesa das ONGD aderiu a algumas

45

Ex: Comité Português de Apoio à Frente POLISARIO, Grupo de Solidariedade com a Eritreia, Comissão para os Direitos do Povo Maubere/CDPM, Grupo de Solidariedade com a América Latina/GSAL, Comité Português de Luta contra o Apartheid (CIDAC, 2004: 13)

46 A Plataforma Portuguesa das ONGD nasceu em 1985, imediatamente antes da adesão de Portugal à Comunidade

Europeia, pela vontade de 13 instituições que trabalhavam na área da cooperação. A Plataforma, associação de âmbito nacional, com personalidade jurídica e sem fins e enquanto organização de um trabalho coletivo, teve como propósito a integração e promoção de iniciativas internacionais, nomeadamente no auxílio aos Países em Desenvolvimento, bem como o fomento do diálogo e colaboração entre diversas entidades, públicas e privadas, e instituições. Ao apoiar a representar as diversas ONGD que a constituem, a plataforma apresenta como missão o contributo para a qualificação da reflexão e intervenção da sociedade civil, no sentido de um mundo mais solidário, justo e equitativo, em três áreas distintas: Cooperação para o Desenvolvimento, da Ajuda Humanitária e de Emergência e da Educação para o Desenvolvimento e Formação. Disponível em

http://www.plataformaongd.pt/plataforma/quemsomos/.

47 A Linha Orçamental 21-02-03 de 1976 (B7-6000 correspondente a um cofinanciamento com ONG) foi criada pela

Comissão Europeia para apoiar, de forma direta e sustentável, as iniciativas de ONG europeias nas áreas da Cooperação e da Educação para o Desenvolvimento. Disponível em:

https://infoeuropa.eurocid.pt/files/database/000052001-000053000/000052839.pdf).

48 CONCORD (CONfederation for COoperation of Relief and Development NGOs) é a Confederação Europeia de

Assistência e Desenvolvimento de ONGD, uma instituição sem fins lucrativos criada em 2003 por ONGD europeias, com o propósito de intervir como interlocutor principal junto das instituições da UE e dos vários grupos de decisão sobre as políticas de desenvolvimento. Atualmente é composta por 27 associações nacionais, 18 redes internacionais e dois membros associados, representando mais de 1800 ONG. Disponível em: http://www.concordeurope.org/about- us.

52 campanhas lançadas pelo CLONG, inserindo nas suas próprias atividades ideias e conclusões deste círculo, a saber: Convenção de Lomé (1997), novo Acordo de Parceria UEACP (1999/2000) e impacto do alargamento sobre as políticas de Cooperação europeia (parte importante do projeto de ED realizado durante a Presidência portuguesa da UE, em 2000). Concretamente, esta ligação europeia trouxe consequências efetivas para o trabalho na área da ED: em 2001, nasceu na Plataforma o primeiro Grupo de Trabalho permanente, dedicado à ED, como forma de assegurar uma dinâmica nacional que respondesse às inquietações e interesses das ONGD portuguesas. Este grupo tem sido responsável por vários encontros de formação, discussão e reflexão, tendo organizado a primeira “Escola Nacional de ED” (com quatro edições) e também a primeira “Escola de Outono de ED”, inspirada no modelo europeu da “Escola de Verão de ED”. O grupo teve ainda um papel importante na preparação e nas iniciativas de lobbying para a aprovação da resolução sobre Educação para o Desenvolvimento, pelo Conselho de Ministros do Desenvolvimento da UE. Ao ver aprovado este documento, o grupo português procurou o contacto institucional e a mobilização das autoridades nacionais (nomeadamente o Ministério dos Negócios Estrangeiros, da Educação e da Juventude) para a emergência da ED e da necessidade do seu reconhecimento49 e em 2002, na II “Escola de Outono de ED”, foi elaborada oficialmente uma definição de ED e uma reflexão sobre a necessidade de uma orientação estratégica nacional para o trabalho neste domínio. Em 2003, com a organização da “Escola de Verão” europeia por parte da Plataforma Portuguesa das ONGD, e em colaboração com os promotores do projeto DEEEP50, Portugal vê ser reconhecido no seu país espaço e qualidade organizacional e ao nível dos conteúdos, para a ED, ao mesmo tempo que integra vários atores nacionais, particularmente membros do Grupo de Trabalho de ED, nos grupos de discussão do DEEEP (ibidem).

Fora do contexto da Plataforma, mas gozando igualmente desta aproximação aos grupos de decisão das políticas de desenvolvimento da UE, este período foi ainda profícuo para o surgimento de novos temas e domínios de intervenção: o papel das mulheres e o seu empoderamento social, a situação económica dos países em vias de desenvolvimento, a luta contra o trabalho infantil e a luta pela paz depois da Guerra Fria, nomeadamente contra a multiplicação de armas (ibidem). Ainda, foi difundido o conceito de Comércio Justo, tendo sido inaugurada a primeira loja no ano seguinte. Foram ainda assumidas duas iniciativas: a organização em contexto escolar da “Semana da Educação Global”, inspirada na atividade do

49 Até então, o Estado português não havia reconhecido a ED. As iniciativas assumidas neste domínio eram

suportadas pelas ONGD, ou esporadicamente pelo Instituto Português da Cooperação (ICP), uma vez que não se verifica cofinanciamento da UE para projetos. Todavia, mais tarde, em 2001, o então presidente do ICP, João Gomes Cravinho, encomendou ao CIDAC um estudo sobre a estratégia de apoio público à ED, por um período de cinco anos (CIDAC, 2006).

50 DEEEP é um programa iniciado pelo DARE Fórum, da CONCORD. Cofinanciado pela UE, este programa procura

reforçar as capacidades das ONGD, no sentido de sensibilizar, educar e mobilizar a opinião pública europeia para a erradicação da pobreza em todo o mundo e de inclusão social. Disponível em: http://www.deeep.org/.

53 Centro Norte-Sul do Conselho da Europa51, pela ONGD OIKOS, e o projeto online de informação “Fórum DC – Desenvolvimento e Cooperação”, por parte do IMVF e da OIKOS. No seguimento destas iniciativas, em 2002, o CIDAC foi convidado para integrar o GENE52,

iniciativa do Centro Norte-Sul do Conselho da Europa (com sede em Lisboa). Com esta participação, o CIDAC procurou que o Estado português assumisse igualmente uma posição determinante nesta rede, conseguindo a adesão, em 2004, do ICP. Esta ligação europeia veio transformar a postura nacional face à ED, uma vez que se verificou uma compreensão do conceito, bem como a sua pertinência e importância. Como prova, em 2005, o IPAD (sucessor do ICP), abriu a primeira linha de cofinanciamento a iniciativas de ED por parte das ONGD. No mesmo ano, a ED é determinada uma das áreas prioritárias da política nacional de desenvolvimento e de cooperação, como comprova o documento “Uma Visão Estratégica para a Cooperação Portuguesa”, aprovado pelo Conselho de Ministros. Com a identificação da ED como prioridade sectorial, vê-se reforçada a importância de “criar conhecimento e sensibilizar a opinião pública portuguesa para as temáticas da cooperação internacional e para a participação ativa na cidadania global. (…) Constitui um importante fator de formação cívica, [para] (…) participar plenamente na resposta aos desafios globais que se colocam no horizonte” (“Uma Visão Estratégica para a Cooperação Portuguesa”: 28). No mesmo sentido, em 2007, realizaram-se em Lisboa, os Dias Europeus do Desenvolvimento e com a apresentação do “Consenso Europeu sobre o Desenvolvimento: Contributo da Educação para o Desenvolvimento e da Sensibilização”, releva-se, mais uma vez, a importância da temática ED e da sua disseminação junto de entidades públicas e privadas, bem como da sociedade civil.

No ano seguinte, o então IPAD, iniciou, em colaboração com outros atores relevantes nesta área, nomeadamente entidades governamentais e organizações não-governamentais, o processo de elaboração da ENED. Contemplando diversas fases e processos diferenciados, é no ano seguinte que é aprovado o documento de orientação da ENED, através do despacho n.º 25931/2009, publicado na edição do Diário da República, II Série, de 26 de novembro, pelo Secretário de Estado dos Negócios e da Cooperação e o Secretário de Estado Adjunto e da Educação. Neste mesmo documento, foi definida a criação de uma Comissão de Acompanhamento da ENED, constituída pelo atual Camões, IP, pela DGE, pela Plataforma Portuguesa das ONGD e pelo CIDAC.

51 O Conselho da Europa é a principal organização europeia que trabalha na luta pelos direitos humanos. Incluindo 47

estados-membros, 28 dos quais membros da UE, o conselho promulgou a Convenção Europeia dos Direitos Humanos, um tratado destinado a proteger e promover os direitos humanos, a democracia e o Estado de direito. Disponível em:http://www.coe.int/aboutCoe/index.asp?page=quisommesnous&l=en.

52 GENE (Global Education Network Europe) é a rede europeia de ministérios, agências e outros organismos

nacionais responsáveis pelo apoio, financiamento e elaboração de políticas na área da ED. Foi criado em 2001, inicialmente com seis estruturas nacionais em seis países europeus, o GENE abrange agora vinte países e mais de trinta ministérios, agências e outras entidades nacionais, procurando, através da partilha do trabalho realizado nesta área, uma definição mais clara de ED para o mais fácil reconhecimento e disseminação do conceito. Disponível em:

54 Em abril de 2010, é aprovado o Plano de Ação53 da ENED, através da subscrição de um Protocolo por 14 entidades públicas e organizações da sociedade civil. Em outubro de 2012, o CICL, IP e a DGE assinaram um Protocolo de Colaboração54 no sentido de implementar as

medidas das ENED no que diz respeito ao 2º objetivo da estratégia, correspondente à educação formal – “Promover a consolidação da ED no sector da educação formal em todos os níveis da educação, ensino e formação, contemplando a participação das comunidades educativas” (ENED, 2009). Ainda em 2012, foi elaborado e publicado o primeiro Relatório de Acompanhamento da ENED55, relativo aos anos de 2010 e 2011. Este documento resultou da

contribuição de catorze instituições públicas, bem como OSC, subscritoras do Plano de Ação e ainda de trinta ONGD e três ESE, incluindo a ESE-IPVC.

53 Disponível em: http://c1.camoes.cdn.cloudapp.pt/images/cooperacao/plano_accao_ened.pdf.

54 Disponível em: http://c1.camoes.cdn.cloudapp.pt/images/cooperacao/protocolo_ened_camoes_out12.pdf. 55 Disponível em: http://c1.camoes.cdn.cloudapp.pt/files/pdf/Relatrio_ENED_2010-2011.pdf.

55

O espaço e o modo:

Problematização e fundamentação

metodológica

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II. O

ESPAÇO E O MODO

:

P

ROBLEMATIZAÇÃO E FUNDAMENTAÇÃO