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Uma nova proposta: as cinco gerações da Educação para o Desenvolvimento

I. O S CONCEITOS : E NQUADRAMENTO TEÓRICO

1. Educação para o Desenvolvimento: Enquadramento histórico e institucional

1.1. Uma nova proposta: as cinco gerações da Educação para o Desenvolvimento

Manuela Mesa (2000), investigadora especializada na Cooperação e na Educação para o Desenvolvimento, traça uma perspetiva alternativa, mas coincidente, do desenvolvimento histórico da Educação para o Desenvolvimento, sugerindo, cinco fases ou gerações. Baseando- se no modelo original de David Korten20 (1987), que identifica três gerações de trabalho das ONGD, Mesa considerou, para esta análise, fatores externos que influenciaram o entendimento de desenvolvimento, nomeadamente o contexto internacional e os problemas estruturais de cada época (perceção de desenvolvimento, subdesenvolvimento e outras questões de natureza social). Ponderou, ainda, o fator institucional, expresso nos modos e modelos de atuação dos diferentes atores sociais, bem como as funções e papéis a desempenhar. Em suma, na apreciação de elementos externos e institucionais, Manuela Mesa procurou que estes aspetos respondessem a questões como: problemas e soluções desenhadas para o trabalho educativo; estratégias de ação e formas de trabalho/intervenção; atores e áreas de ação e relação estabelecida entre as fases de desenvolvimento enunciada e as estratégias e áreas de intervenção na Cooperação para o Desenvolvimento no contexto internacional. A investigadora alerta ainda que a sua perspetiva, ainda que obedecendo a uma evolução natural baseada na história, não deve ser lida como um modelo linear, mas antes complementar e passível a retrocessos e avanços.

Como é possível verificar no Quadro 1, a primeira geração, denominada a «Abordagem da Caridade e da Assistência», data das décadas de 40 e 50 e dá conta das primeiras atividades de cariz social promovidas por ONG. O conceito de Educação para o Desenvolvimento emerge nesta época e é materializado no trabalho realizado por estas entidades, ao ser considerado na definição de métodos de ação e estratégias de intervenção. Neste período, no entanto, o trabalho nesta área era bastante limitado a nível institucional, devido essencialmente às complexas relações Norte-Sul que começam a despontar. Além disso, como aponta Manuela Mesa (2005), as organizações eram de natureza humanitária e religiosa, sendo as suas atividades direcionadas para os conflitos pontuais e emergentes, onde a intervenção, curta e limitada, se circunscrevia à resposta imediata. Em casos de problemas evidenciados por longos períodos de tempo, as organizações promoviam campanhas baseadas no fundraising – captação de recursos – como forma de ativar a caridade individual e a generosidade (tendencialmente dirigida aos países do

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Korten, David (1987) “Third Generation NGO Strategies: A Key to People-centered Development”. In World

Development,Vol.15, Supplement. pp.145-159. Disponível em:

32 Norte, industrializados) a partir de sentimentos de compaixão perante mensagens e imagens de pobreza extrema21.

Cronologia Enfoque Conceito de ED Enfoque da ED

40-50

- Caridade; - Assistência.

- Campanhas de sensibilização social: imagens e mensagens de catástrofes e miséria;

- Reforço dos estereótipos; - Enfoque paternalista a partir da piedade e compaixão;

-Ações pontuais para ajuda humanitária de emergência;

- Campanhas para conseguir fundos. 60 - Modelo desenvolvimentist a - Importância do local; - Ideia de cooperação; - Conhecimento do Sul;

- Responsabilidade do Norte sob o Sul.

- Trabalho imediato das ONGD no terreno;

- Enfoque eurocêntrico: passagem de conhecimentos dos países industrializados aos países em desenvolvimento.

Final dos anos 60-70

- Crítica; - Solidária.

- Ênfase nas causas do desenvolvimento/subdesenvolvi mento – aprendizagem da interdependência;

- Denúncia da ordem internacional injusta e desigual; - Responsabilidade histórica do Norte;

- Novo pensamento pedagógico (Paulo Freire; Iván Illich); - Novos atores de ED (centros de investigação, ONGD, associações de solidariedade e organizações internacionais);

- Consciencializar para as causas das desigualdades e assimetria;

- Campanhas de informação e sensibilização para conseguir fundos; 80 - Desenvolvimento Humano e Sustentável - Conhecimento crítico; - Questionamento do eurocentrismo; - Crítica da sociedade de consumo – mudar o Norte; - Trabalho com o Sul;

- Surgimento de “Educação para….”: género, paz, ecologia, comércio justo e consumo responsável, racismo e migrações;

- Compreensão da interdependência global;

- Criar uma dimensão mais complexa do desenvolvimento a partir da educação: “Educação para…”; 90-? - Cidadania Global - Mudança de paradigma: compreensão crítica do processo de globalização; - Cidadania Global; - Justiça social; - Lobbying; - Diversidade cultural e interculturalidade; - Multidimensionalidade da ED; - Promover a consciência de uma cidadania global;

- Fomentar processos de participação e acção;

- Reafirmar o vínculo entre desenvolvimento, justiça e equidade.

Quadro 1 - Evolução do conceito de Educação para o Desenvolvimento Fonte: Adaptado de Manuela Mesa (2005) e Argibay, Celorio e Celorio (1997)

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Neste caso, portanto, a estratégia de intervenção é desenhada pelas organizações e, por isso, à luz dos ideais dos países centrais. : “(...) emphasis on Northern aid as a solution to underdevelopment, ignoring the local processes and efforts, reveals a Eurocentric notion of North-South relations” (Mesa, 2005: 5).

33 A segunda geração, designada pela investigadora como «Abordagem do Desenvolvimento», coincide com o aparecimento do dito subdesenvolvimento como problema do Terceiro Mundo na década de 60. Surge, pois, um trabalho extensivo de apoio que junta os Estados, as organizações, as ONG e a opinião pública e que faz crescer e desenvolver o conceito. Efetivamente, ao nível económico, com a injeção de capital decorrente do Plano de Marshall e a intenção de (re)construção rápida dos países mais lesados pela II Guerra Mundial, verifica-se um rápido processo de modernização no sistema industrial, com a criação de infraestruturas, e no consumo de massas. Ao mesmo tempo, no contexto político, o desenvolvimento assume uma importância central ao nível da construção nacional e da legitimação de políticas estratégicas direcionadas ao universo nacional e colonial. A perceção de desenvolvimento aqui veiculada renovou o trabalho das ONG, essencialmente no que diz respeito às suas estratégias de intervenção a longo-termo – advocacy - e abriu espaço ao aparecimento da Educação para o Desenvolvimento. De facto, esta transformação constatou-se a partir da redação de relatórios de atividade, do esforço pelo envolvimento da comunidade no apoio prestado e do conhecimento das condições locais (Mesa, 2005). Surge, neste sentido, a ideia de cooperação, entendida a partir da ideia “aid is given to those that wish to help themselves” (Mesa, 2005: 8), substituindo os estereótipos anteriores de ajuda assentes numa perspetiva de dignidade humana dos beneficiários e de importância dos contextos onde decorre a intervenção. A esta abordagem de Educação para o Desenvolvimento subentende-se uma natureza eurocêntrica, sendo os países industrializados detentores de um conhecimento e experiência necessários para o desenvolvimento dos países mais carenciados22: se por um lado, se aceita a experiência dos países centrais ao nível industrial como exemplo modelar de desenvolvimento, por outro, insiste-se na transmissão desse conhecimento como eficiência do ponto de vista de um crescimento similar. Esta abordagem tem, como lembra a investigadora, uma mensagem implícita de responsabilidade dos países industrializados sobre os ditos países subdesenvolvidos. Com o aval das ONG, a Educação para o Desenvolvimento, enquanto estratégica, assume-se a partir de mais e melhores projetos de fundraising levados para o contexto de ajuda.

A terceira geração, nomeada como «Abordagem de Educação para o Desenvolvimento crítica e solidária», nasce no final da década de 60 com a aceleração do processo de descolonização de grande parte dos países centrais e com o crescimento do ativismo

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Estas mensagens de superioridade económica e tecnológica dos países industrializados face à situação dos países ditos subdesenvolvidos revêm-se nestas ideias: “ (…) in poor countries there is a lot of ignorance and backwardness, they must be given education so that they can evolve”, “if you give them a fish, they will eat for a day. If you give them a fishing rod, they will eat everyday”; “We must get beyond aid and speak about development cooperation”(Mesa, 2005: 8).

34 internacional. A par destes acontecimentos, a Guerra do Vietnam e a Revolução dos Estudantes em 1968 criaram um clima social e intelectual de evidente tumulto, surgindo novos movimentos sociais de liberalização e conscientização política. Fomentando a crítica à Teoria da Dependência, até aqui experienciada, surge, como explicado antes, um novo paradigma de Dependência decorrente do CEPAL23 e do desenvolvimento do Terceiro Mundo – a partir da nova definição de “centro” e de “periferia” (Cendrero, 2008). De acordo com esta abordagem, os países da periferia, ou subdesenvolvidos, passaram a estar subordinados à ajuda dos mais ricos e às suas políticas rígidas de apoio pontual e escasso. A terceira geração marca igualmente uma redefinição do conceito de Educação para o Desenvolvimento, resultado de uma definição académica e científica mais profunda, crítica e inovadora no que diz respeito à sua posição conceptual e metodológica no campo educacional, baseada nomeadamente na perspetiva de Paulo Freire. Surgem, neste sentido, novos atores com um impacto crucial na mudança verificada, como centros de investigação, organizações internacionais e ONG com um sentido mais interventivo, renovando o conceito para uma noção mais diversificada, complexa e crítica. A nível nacional, surgem também ações mais direcionadas e contextualizadas, notando-se uma atenção e reflexão predominantemente críticas e emancipatórias do ponto de vista social e pedagógico24.

A quarta geração, conhecida como «Educação para o Desenvolvimento Humano e Sustentável», data da década de 1980 e é marcada pelo domínio de um sistema bipolar e de lógica conflituosa. Uma nova ordem mundial, expressa pela instabilidade e turbulência de transformações políticas e económicas (fruto de diferentes ordens e perspetivas multidisciplinares – crise económica, conflitos armados, afirmação da democracia e dos direitos humanos, fluxos de migração, tensões ambientais e problemas de género), surge e altera conceptual, organizacional e metodologicamente o modo de trabalho da Educação para o Desenvolvimento. A investigadora faz uma extensa explicitação da importância e impacto da Educação para o Desenvolvimento nas várias dimensões explicitadas, mas, em suma, procura-se um entendimento mais eficaz da independência global e das estruturas de conexão entre o Norte e o Sul e uma preocupação evidente do desenvolvimento sustentável ao nível ambiental, político, social, cultural e cívico. A diversificação da agenda da ED, aceite como missão de trabalho dos atores nesta área, justifica-se pela importância do Sul e do Norte como iguais e pela defesa, mais do que o desenvolvimento e emergência de projetos de ajuda em situações de conflito ou desastre, de uma procura de desenvolvimento global que considere a necessidade de alterações estruturais de atuação.

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Comissão Económica para a América Latina e Caribe. É uma das cinco comissões regionais da ONU e tem como finalidade o estudo e promoção de políticas para o desenvolvimento da sua região, particularmente através da cooperação entre os seus países e o resto do mundo.

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Uma das iniciativas mais importantes neste período foi a “Recommendation on education for international understanding, cooperation and peace, and education related to human rights and fundamental freedoms”, promulgada pela UNESCO em novembro de 1974.

35 Finalmente, a quinta geração, denominada «Educação para a Cidadania Global», chama a atenção, nos anos 1990, para o facto do desenvolvimento da crise não ser exclusivamente um problema dos países de Terceiro Mundo. De acordo com Manuela Mesa (2005), a expansão da crise justifica-se, por um lado, pela falha dos regimes ocidentais e, por outro, pela perceção que esta é uma crise com origem e consequências globais, tornando os estereótipos de primeiro ou terceiro mundo obsoletos com o final da Guerra Fria (Lemaresquier 1987 apud Mesa, 2005: 15). Um dos reptos mais importantes para o desenvolvimento, tanto nos países do Norte como do Sul, é o processo de globalização que exige, por um lado, a criação de novas formas de trabalho governamental a nível global – promovido pelo regime estatal e pelas instâncias governamentais ou não-governamentais - e, por outro, permitir um sistema democrático de participação dos cidadãos comuns na vida social e política. Ora, é neste sentido que se inscreve a Educação para o Desenvolvimento enquanto “global citizenship education” (Godwin 1997: 15 apud Mesa, 2005: 17). Este novo sentido traz à dinâmica educativa diversos desafios: se por um lado se reformula o conteúdo, criando um entendimento crítico do fenómeno da globalização, por outro, fortalece-se a conexão entre desenvolvimento, justiça e equidade. No que às ONG diz respeito, de acordo com os novos movimentos sociais que abrem portas à sociedade civil de participar nas redes internacionais, dinamiza-se o sentido de “cidadania global” a partir da definição de orientações de participação cívica. Enfim, a Educação para o Desenvolvimento assume-se enquanto “global education in the face of globalization” (Garbutcheon et al 1997: 26 apud Mesa, 2005: 17).