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De acordo com a Lei nº 2777 de 10 de Março de 2005 de Aracruz a EMEIEF ―Dorvelina Coutinho‖ foi transformada de Escola Pluridocente Municipal Indígena ―Dorvelina Coutinho‖ em Escola Municipal de Ensino Fundamental, passando a denominar-se Escola Municipal de Ensino Fundamental Indígena ―Dorvelina Coutinho‖, com endereço na Aldeia Indígena de Comboios, s/n – Aldeia Vila do Riacho, Aracruz/ES (Fig. 19).

Figura 19: Fachada da escola e corredor central. Fonte: Fotografia produzida pela pesquisadora.

As escolas multisseriadas sofreram alterações direcionadas à questão da melhoria da qualidade educacional, como exemplificam os artigos 23, 26 e 28, da LDB n° 9394/96 que tratam tanto das questões de organização escolar como de questões pedagógicas. Essas mudanças são medidas propostas de adequação da organização escolar, das propostas metodológicas e curriculares à vida do campo. A LDB 9.394/96 em seu artigo 28 estabelece as seguintes normas para a educação no meio rural:

Na oferta da educação básica para a população rural, os sistemas de ensino proverão as adaptações necessárias à sua adequação, às peculiaridades da vida rural e de cada região, especialmente:

I- conteúdos curriculares e metodologia apropriada às reais necessidades e interesses dos alunos da zona rural;

II- organização escolar própria, incluindo a adequação do calendário escolar às fases do ciclo agrícola e às condições climáticas; III- adequação à natureza do trabalho na zona rural. (BRASIL, 1996).

As implicações dessa legislação educacional para as escolas indígenas têm efeito preponderante, pois garante que sejam trabalhadas as especificidades tanto de conteúdos, metodologia e calendário escolar.

Entre outros aspectos, pude observar avanços políticos, educacionais e culturais referentes à educação no meio rural, e a escola indígena inclui-se, com ênfase na necessidade do Estado cumprir com alguns deveres, dentre eles: educação básica para toda população; conteúdos curriculares e metodologias integradas aos interesses e necessidades dos educandos, assim como, a autonomia dos espaços

educativos, que poderão organizar seu calendário de acordo com as atividades e trabalhos desenvolvidos na comunidade.

Ao olhar para as fotos, pude questionar: o que distingue a fachada desta escola das fachadas das escolas não indígenas? Ainda que externamente possam parecer iguais, possui pinturas indígenas na faixa superior da fachada principal feita pelos professores e alunos; os enfeites, as pinturas e os ornamentos são especificamente da cultura indígena (Fig. 20); pôsteres dos projetos desenvolvidos são vistos em diferentes locais; as placas de identificação das salas são bilíngues (tupi-português); possui uma cabana ao fundo, coberta de palhas de coco para vendas de artesanato em dias de festas; tudo isso, ainda não seria suficiente se as pessoas que trabalham e as crianças que ali estudam não fossem todos indígenas.

Figura 20: Corredor central decorado com atividades. Fonte: Fotografia produzida pela pesquisadora.

A Escola Municipal de Ensino Fundamental Indígena ―Dorvelina Coutinho‖ funciona em dois períodos: no turno vespertino atendendo alunos de educação infantil ao 5º ano e no turno matutino com turmas de 6º ao 9º ano. Conta com 133 alunos e 10

educadores (2014) assim divididos de acordo com as turmas e respectivas formações acadêmicas:

Turma/ano Educador Formação

Educação Infantil (4 e 5 anos)

Maria da Penha Barbosa Magistério Indígena 1º e 2º ano Tainá dos Santos Matheus

Barbosa

Magistério indígena Pedagogia

3º ano Jeannie dos Santos Mateus Magistério Indígena 4º e 5º ano Joselda Coutinho Passos Magistério Indígena

Pedagogia Sala de recursos Larissa Duarte Florencio Pedagogia

Especialização em Alfabetização e Letramento

6º ao 9º ano

Matemática/Ciências Jefferson Francisco Felício Magistério Indígena Ciências Contábeis

Especialização em Educação do Campo Educação Física Alair Severo Eliziario Magistério Indígena

Geografia Língua

Portuguesa/Inglês

Gesiméria dos Santos Silva Secretariado Executivo Trilíngue

Especialização em Educação do Campo Língua Tupi e Artes Marcelo dos Santos

Matheus

Curso de Língua Tupi Pedagoga Luzia Florencio Rodrigues Pedagogia

Especialização Educação, Cultura e Diversidade Indígena

Diretor Antonio Carlos Magistério Indígena Quadro 03: Demonstrativo de pessoal da EMEF ―Dorvelina Coutinho‖, 2014

Atualmente (2014), o quadro de professores aumentou com a contratação de cinco Auxiliares Pedagógicos de Educação Especiais (APEE) para acompanhar crianças com necessidades educativas especiais (com laudo médico), sendo três com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), um aluno com autismo, um aluno com deficiência múltipla (mental e auditiva), um aluno com deficiência mental. Estes profissionais são responsáveis pelo acompanhamento de todas as atividades desenvolvidas pelos alunos e auxiliam também na higiene pessoal e alimentação dos mesmos. A escola possui uma sala de recursos com um professor regente na qual os alunos com deficiência tem atendimento de 2 horas por semana no turno de suas aulas ou no contra turno.

A escola possui 133 alunos (2014) originários da aldeia de Comboios e da aldeia do Córrego D‘Ouro. As terras que foram reintegradas aos Tupinikim estão sendo

ocupadas por algumas famílias que optaram sair de Comboios e formar uma nova aldeia, Córrego D‘Ouro. Algumas crianças que se mudaram com suas famílias continuam estudando na ―Dorvelina‖ (em torno de vinte alunos) e possuem transporte escolar. Outras estão matriculadas na Vila do Riacho, distrito onde se localizam as duas aldeias, e isto tem sido ponto de reflexão e discussão entre os educadores, pois sabemos que não estão recebendo o atendimento diferenciado, conforme a sua cultura. De acordo com a pedagoga:

Lá (Córrego D‘Ouro) é possível ter uma turminha de 1º ao 5º ano dá para fazer isso... só que não tem professor [...] Pelo levantamento daria uma turma... mas para isso precisamos de professores formados, quando o professor tem a formação ele consegue trabalhar... seria uma escola polo da ―Dorvelina‖ em Córrego D‘Ouro. Só que não tem condição porque não temos pessoas formadas... o local é de menos [...] A secretaria pediu um levantamento quando chegou na hora, cadê o profissional? Precisamos formar os nossos jovens... A gente tá com um problema muito sério... os alunos nossos são crianças assim maravilhosas de se trabalhar, mas falta a motivação (CADERNO DE CAMPO. Entrevista. Aldeia de Comboios, 24 de outubro de 2013).

Os alunos da EMEIEF Dorvelina Coutinho, sofrem com os problemas do transporte de barco dos alunos (Comboios de Cima e de Baixo) e dos professores que vem de outras aldeias para ali trabalhar. O comprometimento tem efeito na sala de aula e na motivação dos alunos que iniciam o ano letivo com defasagem de tempo/dia e precisam fazer a reposição de dias letivos e de conteúdos. Muitas vezes isso é possível, em outras não. Existem períodos de chuva, por exemplo, que não é possível o transporte de barco dos alunos. Em outros períodos, os professores também não conseguem chegar à escola por dificuldades do transporte. E, assim, existem épocas que os alunos ficam mais de uma semana sem aula.

O esforço da gestão escolar é observado em suas falas e reivindicações junto à secretaria de educação e administração do município. Comboios tem uma especificidade em relação às outras aldeias Tupinikim e a comunidade tem se esforçado em mostrar todos os momentos. A discussão entre os gestores da escola partiu da seguinte problemática: ―o que precisamos fazer para garantir os professores se sentindo bem... fazendo parte da nossa escola?‖ Primeiramente, os educadores de Comboios têm necessidades diferentes das outras aldeias. Nas outras aldeias existem mais profissionais formados e que avaliaram a não

necessidade das formações permanentes oferecidas pelo município aos educadores indígenas. Para Comboios isso foi prejudicial, pois a realidade é contrária: existem poucas pessoas formadas e capacitadas para trabalhar na escola. Segundo a pedagoga ―outra realidade... quando Comboios ia para as formações, chegava atrasado e a recepção era ―chegou atrasado‖... mas a gente sai daqui, vai a pé até a Vila para depois pegar o ônibus e chegar em Aracruz‖. Essa realidade diferencia as necessidades dessa aldeia das demais. Mas a escola avançou, pois realiza os planejamentos coletivo e individual semanalmente com os professores dos anos iniciais. Neste momento, a demanda da escola é uma formação continuada em serviço com todos os seus professores, pois julgam ―mais fácil vir um professor de fora para dar a formação do que todos nós irmos para fora...‖ Esta foi a grande novidade e proposta deste momento: a pedagoga solicitou a nossa contribuição junto ao Projeto Kambôas88 para planejar e organizar uma formação para os professores da aldeia.

Como você está mais a par das discussões poderia ajudar na construção do projeto ou até ser uma das nossas formadoras [...] o nosso professor também pode estar lá na frente falando da sua prática... o professor não fica só sentado ela fala... essa é uma prática que tem que ter a parte da teoria e a parte prática... nós vamos estudar o calendário letivo do ano que vem e a partir daí faríamos o nosso calendário de formação, durante todo o ano... de 6º ao 9º ano, convidando os professores de 1º ao 5º quinzenal, pode ser no contra turno, mas precisamos de um tempo para participar da formação e outro tempo para aplicar as atividades...Os jovens que iniciarão a formação em graduação também podem participar e aí contribuir na sala de aula sendo monitores. (CADERNO DE CAMPO, Aldeia de Comboios, 24 de outubro de 2013).

No entanto, após discussões junto aos educadores e secretaria municipal de educação não foi possível implementar a formação proposta pelo Projeto Kambôas. Alguns obstáculos foram revelados como a dificuldade de formação em serviço, pois como ficariam as aulas? Entendemos que ainda existem burocracia e formalidades

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A Fibria (antiga Aracruz Celulose) busca apoiar as populações indígenas de Aracruz no fortalecimento de suas formas de ocupação original da terra. Para isso, a empresa elaborou, em 2012, o Programa de Sustentabilidade Tupinikim e Guarani do Espírito Santo, que busca dar condições para os índios se voltarem para a gestão territorial e ambiental das Terras Indígenas Tupinikim, Caieiras Velhas II e Comboios. Esse programa foi elaborado em parceria com a empresa de consultoria Kambôas. O objetivo da Fibria com o programa é propiciar um conjunto de ações integradas e de longo prazo que permitam aos Tupinikim e Guarani restituírem as condições ambientais necessárias para suas práticas socioculturais, afirmação da identidade étnica e atividades econômicas sustentáveis. O programa também valoriza a harmonia no relacionamento da Fibria com essas comunidades indígenas.

legais que ainda estão ultrapassadas quando o assunto é uma educação diferenciada.

Outra preocupação, no momento, é a implantação do Ensino Médio na aldeia, a partir de 2014. Em conversa com a pedagoga da escola, ela relatou:

Sobre a formação em serviço: a gente ta até pensando em um projeto para o ano que vem de formação aqui... começamos a escrever, eu e Toninho...isso é uma coisa que eu ia até te falar...seria uma formação de um ano...no estilo de uma formação continuada em serviço com uma carga horária em média de 200 horas, sei lá...a gente ver uma carga horária né...seria quinzenal no horário de PL [planejamento]...a gente organizaria... a carência aqui é total de 6º ao 9º para preparar para o ensino médio...Hoje temos alguns professores licenciados Jefferson, Gesimeria e Leidiane que abrange até o ensino médio. Só que infelizmente Jefferson não entregou o documento para a SEDU não quis alegou dificuldade... para poder fazer o levantamento pra saber quantos professores indígenas tem formação...a questão do ensino médio 2014... era para ter iniciado em 2013 aí jogou para 2014...Caeiras e Dorvelina a partir de 2014... como vai ter se não tem professores...A previsão é de vim professor de fora, entendeu? Ai vem professor de fora...que professores são esses? Igual... a gente ta preocupado que tipo de professor... tem alguns que trabalham na Vila do Riacho ai vem pra cá mas também são pessoas que não tem conhecimento da questão indígena...pode ajudar mas também pode atrapalhar... (CADERNO DE CAMPO, Aldeia de Comboios, 24 de outubro de 2013).

A demanda de formação para os professores indígenas é contínua. Ela persiste e se agrava. O ensino fundamental já não tem os professores formados e como será com o ensino médio? E falar sobre a formação destes educadores para mim é reviver meu início como formadora, no ano de 2003, quando participei da formação em matemática dos educadores indígenas juntamente com a minha orientadora de mestrado a Profa. Dra. Circe Mary Silva da Silva Dynnikov (PPGE, Centro de Educação – CE/UFES). Depois, realizei minha pesquisa de mestrado89

com enfoque na Resolução de Problemas como uma sugestão de metodologia de ensino e aprendizagem para as aulas de Matemática (2003-2005).

As iniciativas que já fazem parte da história, visando a formação de professores começaram em 2004, quando organizamos um curso de formação multidisciplinar

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MARCILINO, Ozirlei Teresa. Uma abordagem etnomatemática no ensinoaprendizagem nas

aldeias tupinikim e guarani do Espírito Santo. 2005. Dissertação (Mestrado) - Centro de

com financiamento do FNDE90 (2004). Logo após, participei de uma formação continuada em matemática num Projeto de Extensão Universitária da Universidade Federal do Espírito Santo91 realizado também nas aldeias indígenas de Aracruz, Espírito Santo. Ainda, em 2007, fui convidada a contribuir nas discussões preliminares e iniciais sobre o currículo no contexto das escolas indígenas.

Além destes momentos, tive outros espaços de participação em formações da SEMED de Aracruz, na Conferência de Educação Escolar Tupinikim e Guarani, nas comemorações do Dia do Índio, no processo de construção da Licenciatura Indígena da UFES, entre 2009 e 2012 e, no I Seminário de Povos Indígenas, 2013.

Entre os anos de 2009 e 2013, participei de diferentes encontros, seminários, congressos nacionais e internacionais que discutiam o assunto e apresentei a minha pesquisa em andamento. Com destaque, em 2011, apresentei a pesquisa na Conferência Binacional ―Subject Constitution and Inclusion‖ e no Kolloquim ―Biografie – Bilder – Sozialpädagogik‖ na Universidade de Siegen, Alemanha.

Contribuíram para a realização da pesquisa os momentos de imersão nas aldeias, no grupo de pesquisa ―Culturas, parcerias e educação do campo‖, em casa escrevendo, em outros espaços pensando como escrever.

Utilizei para a coleta de dados desta pesquisa os encontros de formação continuada, as observações, as entrevistas e a análise documental, com ações realizadas simultaneamente e de forma complementar uma às outras, conforme vem apresentado a seguir.

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Projeto de Formação continuada de educadores em parceira do IPE, da SEDU, da Secretaria Municipal de Educação de Aracruz, do FNDE envolvendo uma equipe multidisciplinar da UFES e da PUC-SP.

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PROEX/UFES elaborado pela equipe de matemática do Centro de Formação Continuada da UFES – CeFoCo, intitulado ―Matemática e prática cultural indígena‖ realizado no período de setembro de 2007 a abril de 2008.