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4.4 INSTRUMENTOS DA PESQUISA

4.4.3 Formação continuada em serviços dos educadores indígenas

4.4.3.2 A formação continuada em serviço com os educadores Tupinikim

4.4.3.2.1 Apresentação e discussão da proposta da pesquisa aos educadores

Este dia estava reservado para apresentar as nossas intenções de pesquisa e ao mesmo tempo de formação dos professores na área da Matemática. Antes de falar com os professores das séries iniciais, fiz uma observação na sala de aula de Matemática do professor Jefferson, que estava trabalhando com as turmas de 6º e 7º ano, problemas que envolviam o conteúdo equações do 1º grau. Em seguida, fui para a sala de planejamento. Estavam presentes todos os professores da Educação Infantil (EI) ao 5º ano, a pedagoga e o diretor da escola. Iniciamos com uma breve apresentação do interesse em pesquisar e colaborar em parceria com eles, na melhoria da qualidade do ensino daquela escola. Solicitei que cada educador se apresentasse e falasse o que esperava da formação em Matemática, que era a proposta inicial. Os professores apresentaram-se assim: Tainá, articuladora. Necessidade: atualização do currículo de EI ao 5º ano; Joselda, professora de 2º e 3º ano (sala única). Necessidade: multiplicação e fatos fundamentais; Larissa, professora 4º e 5º ano. Necessidade: multiplicação; Alair, Educação Infantil, 5 anos. Maria da Penha, Educação Infantil, 4 anos. Necessidade: ludicidade; cobrar as operações? Como trabalhar? Jeannie, professora 1º ano. Necessidade: multiplicação e divisão; De maneira geral, os conteúdos específicos solicitados para a formação foram: Educação infantil: contagem; 1º ano: adição e subtração (unidade e dezena); 2º e 3º ano: adição e subtração (unidade e dezena); 4º e 5º ano: grandezas e medidas (CADERNO DE CAMPO, Aldeia de comboios, 04 de julho, 2011).

O trabalho com os conteúdos solicitados, especialmente no que diz respeito ás operações fundamentais não são dificuldade para mim, pois trabalhei com o Ensino Superior, no curso de Pedagogia, com a disciplina de Matemática: conteúdo e metodologia, que me dera uma base de como abordar junto aos professores tanto o conteúdo quando a metodologia de ensino e aprendizagem.

Na discussão com os educadores, o currículo e a proposta pedagógica das escolas indígenas também foram apontados como objetos de revisão. A seleção dos conteúdos a serem trabalhados em sala de aula não é feita de acordo com a realidade das aldeias, mas sim para seguir o currículo oficial para as escolas do município. Reverter essa situação é um dos grandes desafios da educação escolar indígena de Aracruz/ES. Existe um esforço da escola em tornar esse currículo cada vez mais próximo com a realidade, como é o caso dos projetos escolares, das aulas de Língua Tupi, dentre outros. Interrogada sobre a revisão do currículo das escolas indígenas de Aracruz/ES, a gestora Iasytata discursou:

Aí que é importante o planejamento, de como que isso é discutido e mediado no planejamento porque no planejamento se deve pegar a Proposta Pedagógica da escola, que tem como princípio os fundamentos da EEI para pensar dentro da problemática. Por exemplo, na matemática eu vou trabalhar o conhecimento não indígena mas que o indígena precisa e ao mesmo tempo o que eu vou trabalhar na matemática o que é da cultura. Há muitas dificuldades, há resistências...a gente tem várias situações. Por

exemplo, eu escutei uma fala da pedagoga que perguntou ao professor a partir do seu planejamento: mas onde está a especificidade? O professor não havia contemplado em sua proposta. Ela o questionou, pois nós temos que garantir o diferente, o que você também pode trabalhar a partir da questão da cultura... porque senão qual é o sentido do currículo diferenciado se ele não pode ser executado. Entendeu? São várias situações... não pode dizer que acontece 100%... tem aquele que faz, tem aquele que faz 50%, tem aquele que tenta fazer, tem aquele que tenta fazer e não consegue, tem aquele que não faz...então tem várias situações. (CADERNO DE CAMPO. Entrevista. Aracruz, 21 de fevereiro de 2014).

Na educação escolar indígena situações muito próximas da escola não indígena também acontecem especialmente em relação aos professores entenderem, aceitarem e executarem um trabalho diferenciado em sala de aula. A dedicação do professor para atender essa proposta, neste caso, é bem maior e entendo que também precisa de motivação pessoal. A EEI tem preceitos de uma escola intercultural, diferenciada e bilíngue e, nesse sentido, necessita garantir esta especificidade por meio das suas ações pedagógicas. Para entender melhor sobre a proposta e o currículo das escolas indígenas, Iasytata explica:

Não tem duas propostas... uma proposta não indígena e outra indígena... é o currículo e dentro daquele currículo você tem um conjunto de conteúdos de uma problemática que é dentro da realidade daquela comunidade, daquele povo que para você poder compreender aquela problemática você precisa dos saberes da sociedade não indígena mas ao mesmo tempo de saberes daquele povo... é muita pesquisa com a comunidade, é produção muitas vezes de materiais próprios que no livro você não vai encontrar então precisa ter uma dinamicidade, uma desenvoltura desse educador para dar conta desse processo e desse trabalho intercultural dentro da sua sala de aula, dentro da escola porque se não tiver não acontece, um conhecimento vai sobrepor ao outro. (CADERNO DE CAMPO. Entrevista. Aracruz, 21 de fevereiro de 2014).

O currículo básico das escolas indígenas deve partir das suas necessidades, orientações, urgências e experiências para que tenha sentido a escola para suas crianças e jovens. Não é suficiente a reivindicação por uma escola diferenciada sem que tenha esforços coletivos que se convertam para organizar suas propostas curriculares específicas. Sacristán (2000, p. 89) reflete sobre as condições institucionais da aprendizagem motivada pelo currículo dizendo que ―o currículo é o projeto cultural que a escola torna possível‖. Da escola indígena depende a seleção dos conteúdos curriculares, a metodologia e a mudança qualitativa no ensino e na aprendizagem de suas escolas.

Nesse sentido, Forquin (1993, p.144) aponta que ―toda teoria do currículo encontra em um momento ou outro a questão da justificação‖. E a justificação nesse caso, tem dois níveis: as justificações de oportunidade e as justificações fundamentais. As de oportunidade apoiam-se em variáveis segundo os contextos, do tipo, ―os recursos disponíveis, as necessidades locais, as demandas dos usuários, as tradições culturais e pedagógicas‖. Tanto os responsáveis pelas políticas educacionais quanto os professores decIdem o que irá constar no currículo. No caso das fundamentais, dizem menos respeito às questões possíveis e se preocupam com a formação e o desenvolvimento do espírito: o ―ensino é inseparável da ideia de valor inerente à coisa ensinada‖ (p.145).

Para finalizar o dia, após a conversa com os educadores, passeei na aldeia para conhecer um pouco dos outros espaços além da escola. Andei pelo centro da aldeia e segui pelo caminho de Comboios de Baixo. Conheci o Posto Indígena de Comboios da FUNAI, o Posto de Saúde da FUNASA, a sede da Associação Indígena Tupinikim de Comboios – AITC, o campo de futebol de areia, algumas casas, vi o lado de lá sob o ―ponto de vista‖ dos índios de Comboios.