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4.4 INSTRUMENTOS DA PESQUISA

4.4.3 Formação continuada em serviços dos educadores indígenas

4.4.3.1 A formação continuada em serviço com os educadores Guarani

4.4.3.1.1 Encontro de formação, 22 de junho de 2010

O início da tarde estava quente e logo me preocupei com o calor, pois como para mim, os educadores indígenas sentem-se sonolentos e lentos para a formação após o almoço, principalmente num dia quente [experiências anteriores]. Karai, com toda a autoridade que lhe é própria e natural, ao chegar logo sugeriu que a formação fosse feita ao ar livre. Prontamente, organizamos o espaço debaixo de uma árvore, no pátio da escola, com mesa grande e cadeiras ao redor para os participantes. Uma ótima ideia! Neste dia estavam presentes os educadores Karai, Ara e Nhamãdu além das pedagogas da SEMED/Aracruz Andreia e Marli e da SEDU, a professora Julia. O encontro teve início às 13:23 h com a apresentação da pauta. Inicialmente, orientei os trabalhos com a leitura do material produzido nos encontros de formação de 2009, juntamente com a pesquisadora Cláudia A. C. de Araújo Lorenzoni. A cada item, os educadores apontavam as suas correções ou não sobre o texto, que a partir de hoje teve um formato finalizado para sua aplicação em sala de aula. Nesse momento, os educadores dialogaram intensamente até perceberem que mais duas expressões poderiam ser acrescentadas akãby e tape pia. Outro detalhe foi a tradução dos termos Guarani para que outras pessoas pudessem também entender os seus significados. Embora não entendemos muita coisa ou nada das discussões, percebemos que entre eles todos falavam e opinavam, até que chegassem à conclusão da inclusão dos outros dois termos (CADERNO DE CAMPO, Aldeia de Boa Esperança, 22 de junho de 2010).

As discussões entre os educadores, a mediação realizada para a construção dos conceitos matemáticos foram destaque em todas as formações que realizei. Este é um importante momento em que descobertas são feitas e dúvidas são eliminadas. O espaço que utilizei também contribuiu para que todos ficassem à vontade. O meu esforço foi trabalhar na perspectiva da proposta pedagógica da etnomatemática, de acordo com os preceitos de Silva e Ferreira (2001) e D‘Ambrosio (2001), por tratar de um campo de pesquisa interdisciplinar e intercultural.

...fazer da matemática algo vivo, lidando com situações reais no tempo e no espaço. E, através da crítica, questionar o aqui e agora. Ao fazer isso, mergulhamos nas razões culturais e praticamos dinâmica cultural. Estamos, efetivamente, reconhecendo na educação a importância das varias culturas e tradições na formação de uma nova civilização [...]. (D‘AMBROSIO, 2001, p. 46)

Seguindo o pensamento de D‘Ambrosio (2001) no sentido da importância de diferentes culturas e tradições contribuir para a formação do sujeito, Sebastiani Ferreira (1997, p.6-7), considera que a etnomatemática é uma proposta metodológica em que torna necessário devolver ao profissional da educação a prática da pesquisa que contribuirá na sua formação profissional de maneira continuada.

O pesquisador tanto dentro da etnologia, onde sua escola está inserida, como pesquisador em novas metodologias e por que não, em novos conhecimentos matemáticos e tecnológicos. Formar o professor pesquisador é trabalho das licenciaturas nas universidades, que devem propiciar cursos (...) para esse profissional no exercício de sua profissão. Nesse sentido, revendo as escritas do ano anterior, os educadores verificaram a necessidade de fazer correções no texto. Segue o que foi modificado, em destaque nesse item:

Interpretar e fornecer instruções, usando termos adequados, para situar, posicionar e deslocar o próprio corpo, objetos e elementos da natureza; Interpretação e representação de posição e de movimentação/trajetos por meio da oralidade.

X X X Significado de expressões Nhowaitxĩ (se encontram de lados opostos, cruzamento), djoatxa (ultrapassando o outro de lados opostos), kurutxu (ultrapassar na

forma de cruz), djoapy (caminho que segue ao outro), akãby (encruzilhada em forma de Y,

bifurcação), tape pia (entrada à direita ou à esquerda) e outras

usadas em língua Guarani na descrição de trajetos.

Quadro 04: Alterações na organização curricular 01 Fonte: Produzido pela pesquisadora

Outro ponto de discussão foi a sugestão de ―observação de danças‖ em se tratando da ―movimentação do sol indicando direção e sentido: ângulos‖, pois os educadores não entendiam mais o porquê dessa atividade neste subitem. Este foi um ponto de longa conversa até chegarem à conclusão de que não se poderia relacionar a ―observação do sol e de danças‖, em relação à direção e sentido. Esta seria uma sugestão para o conteúdo ―giro de meia-volta‖. Acrescentaram também no conteúdo ―Movimentação do sol indicando direção e sentido: ângulos‖ uma pesquisa dos deuses Guarani, pois segundo eles em diferentes posições do céu, existe a correspondência

de diferentes deuses, como por exemplo, Nhãderu que fica no centro (CADERNO DE CAMPO, Aldeia de Boa Esperança, 22 de junho de 2010).

Seguem as alterações sugeridas: Conhecer a ocupação do espaço pelos deuses segundo a concepção dos Guarani. Orientação segundo o movimento do sol ao longo do dia e das estações.

X X Pesquisar noções

de orientação com os mais velhos Movimentação do sol

indicando direção e sentido: ângulos

X X Observação do sol e de danças100

Pesquisa dos deuses Guarani

Giro de meia-volta X X X X Observação de danças; Observação de movimento dos ponteiros do relógio. Pontos cardeais (norte, sul,

leste, oeste);

X X Pesquisa dos deuses Guarani

Quadro 05: alterações na organização curricular 02 Fonte: Produzido pela pesquisadora

Finalizada a leitura e revisão do texto com a participação dos educadores foi muito boa, eu diria que dentre todas as formações já feitas, hoje o ambiente estava descontraído, ―leve‖ e muito participativo. Fizemos uma parada para o lanche onde pude saborear o txipa – comida típica Guarani. O lanche foi feito na mesa de estudos e aí mesmo continuamos a formação. (CADERNO DE CAMPO, Aldeia de Boa Esperança, 22 de junho de 2010).

Lembro-me de que o planejamento foi feito no intuito de orientar os trabalhos de sala de aula dos educadores, mas que a sua funcionalidade deve se confirmar ou não numa avaliação a ser feita ao final do ano letivo, pois é importante que se façam apontamentos sobre como foi a aplicação na realidade das salas de aulas. Tal avaliação é necessária de forma que esta proposta não fique somente no papel. Na opinião de Lorenzoni (2010, p.177)

Postas em ação, proporcionem à escola guarani, em contínuo processo de construção, uma real autonomia diante da sociedade envolvente. Muito ainda precisa ser feito em prol de se estabelecer metodologias específicas e diferenciadas para a escola guarani a partir de seus métodos próprios de ensino e aprendizagem e que contemplem seu contexto que demanda relações interculturais externa e também internamente.

Segue a formação apresentando a proposta da oficina sobre Espaço e Forma, como segue:

Questão 1: Em suas aulas de matemática, vocês exploram a localização e a orientação do

aluno em algum espaço do cotidiano?

Tarefa 1: Construindo a maquete

a) Sobre o papel, vamos dispor as embalagens que trouxemos que poderão representar um espaço de convivência da aldeia com casas, escola, estradas, roça, mata, rio, ou outros detalhes que considerarem importantes. Usem as canetinhas e os lápis com criatividade, procurando transformar esta composição numa maquete.

b) Agora, vamos fazer uma exploração de localização e orientação por meio de deslocamentos nesta maquete. Um dos componentes do grupo escolhe um ponto de partida e um ponto de chegada e outro colega dá as orientações de um possível trajeto para um deslocamento de um ponto ao outro, dizendo por exemplo: dobre à direita, ande duas casas, etc.

c)

Figura 23: Mapa da aldeia com uso de embalagens. Fonte: Fotografia produzida pela pesquisadora

Questão 2: Que cuidados aquele que dá a orientação precisa tomar? Escolhendo o mesmo

trajeto, a tarefa de dar a orientação é mais complexa para o colega que está ao lado ou para o colega em frente? Por quê?

Tarefa 2: Trabalhando com a representação do espaço de convivência

a) A base das casas e edificações será contornada com uma canetinha ou um lápis, ficando representados diferentes polígonos. Identifique-os. A representação agora será no plano, o espaço da aldeia visto de cima.

b) Quadriculando esta representação, é possível transpô-la para uma folha de papel quadriculado de tamanho menor, mantendo a localização do traçado da base das casas, será uma redução da representação inicial. Esta redução manterá a proporcionalidade entre as representações.

Figura 24: Professores desenhando as ruas da aldeia Fonte: Fotografia produzida pela pesquisadora

Quadro 06: Planejamento do encontro de formação, 22 de junho de 2010

Apesar do planejamento do encontro envolver mais questões e atividades, consegui chegar até a tarefa 2. O estudo destes conteúdos a partir da Matemática foi uma novidade para os professores e, por isso, me preocupei com as discussões e em responder as dúvidas de cada um.

4.4.3.1.2 Encontro de formação, 13 de julho de 2010