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4.4 INSTRUMENTOS DA PESQUISA

4.4.3 Formação continuada em serviços dos educadores indígenas

4.4.3.2 A formação continuada em serviço com os educadores Tupinikim

4.4.3.2.3 Encontro de formação, 19 de setembro de 2011

Numa proposta intercultural, apresentei uma imagem da sala de aula do 3º e 4º ano da EEUEF ―Maria Julita‖ do Assentamento Tomazini, Santa Teresa/ES (Fig. 34). Esta sala de aula me chamou a atenção, pois as professoras conseguiram reinventar dentro do espaço da escola, o ambiente que vivem, trazendo objetos, materiais e matéria prima usada em seus contextos campesino. O trabalho desenvolvido pelas professoras do assentamento oportunizou-me discutir as possibilidades de organização das salas e planejamento das aulas no contexto da EMEIEF ―Dorvelina Coutinho‖ tendo como referência uma escola que articula os saberes e as práticas campesinas para a reflexão e formação do sujeito que participa da militância politica nos movimentos sociais populares.

Figura 34: sala de aula da EEUEF ―Maria Julita‖ Fonte: Fotografia produzida pela pesquisadora

A partir da imagem, surgiram propostas de atividades dos próprios professores, como por exemplo: caixa com atividades de matemática, caça-números para os alunos não ficarem ociosos na sala de aula enquanto esperam outros colegas finalizarem as atividades de sala; croqui da aldeia, desenhando o meio ambiente; utilizar o mapa da aldeia para trabalhar escala, distância, tempo. As ideias surgiam uma após outra e os professores relembravam algumas situações que poderiam ser usadas em sala de aula sem nenhuma dificuldade. Esse exercício teve importância para mostrar-lhes o quanto suas propostas podem ser decisivas e motivadoras para o crescimento e desenvolvimento da aldeia. Recordo-me do pensamento de Gramsci (1977) sobre a educação ser uma questão-chave na conquista da hegemonia pelas classes subalternas. Nesse sentido, Dore (apud FICHTNER 2012, p. 46) apresenta o trabalho de transformação que pode ser realizado a partir da conscientização coletiva:

Educar as massas populares no sentido de formar uma ‗consciência coletiva homogênea‘ implica, portanto, lutar contra as ideologias que as impedem de alcançar uma concepção do mundo unitária. O trabalho filosófico de transformação da mentalidade popular é concebido por Gramsci como uma ‗luta cultural‘, que realiza a mediação entre a filosofia e o ‗senso comum‘.

Em se tratando da luta cultural, Gramsci considera que ―todos os homens são intelectuais107‖ muito embora em suas sociedades não tenham uma função intelectual. Um exemplo de trabalho impulsionado pelo interesse em articular-se coletivamente, para a valorização da cultura indígena tupinikim em Comboios é o Projeto Ma‘enduara, já mencionado anteriormente, que articula os jovens para a pesquisa de campo, na aldeia.

Refletir sobre o contexto da escola indígena e a realidade da Aldeia de Comboios e discutir atividades e projetos tendo como base o calendário de produção agrícola e pesca da aldeia foi um momento diferenciado entre os muitos que tive com o grupo de professores. Parafraseando Dore (2012, p. 48), a expectativa de Gramsci era encontrar uma maneira de motivar, incentivar as massas populares desenvolver ―um pensamento coerente e sistemático em direção à conquista da hegemonia‖. A discussão entre os professores foi dinâmica chegando à confecção de um quadro sobre os produtos e produção anual da aldeia de Comboios (Quadro 14).

Calendário de produção Por mês

Janeiro Melancia, abóbora, ameixa Camarão, manga, pesca, coquinho

Fevereiro Arraia

Março Conchinha, feijão, milho Barbudo, robalo Abril

Maio Aroeira Aroeira Junho aroeira Baiacu

Julho Piaba, Baiacu

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Agosto Mandioca, conchinhas, feijão, milho

Piaba, Baiacu

Setembro Feijão, milho, manga Ameixa, pampo108, melancia Outubro Ameixa, pampo, melancia Novembro Ameixa, pampo, melancia Dezembro

- Sugestão trabalhar plantas, restinga, praia, ecossistema; - tipos de solo;

- Matemática: quantidade, distância.

Quadro 14: calendário de produção da aldeia de Comboios. Fonte: Produzida pela pesquisadora

Decorrente das discussões, elaborei brevemente um calendário de produção que veio acompanhado de outras sugestões como trabalhar plantas, restinga, ecossistema; sabonete, pomadas, remédios artesanais (extrato da aroeira); um projeto específico sobre aroeira da escola com a associação.

Pesquisando um pouco mais sobre a produção agrícola da aldeia, descobri que os sistemas agrícolas das aldeias de Comboios são basicamente relacionados ao beneficiamento de mandioca, coleta da aroeira, pecuária: gado, cavalos e pesca. A preocupação hoje (2014) é recuperar os roçados e o plantio de frutas que foram desestabilizados com a formação de pastagens para a criação e gado. Tem efeito nesse aspecto, o Decreto n° 7.747, de 05 de junho de 2002, que instituiu a Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas – PNGATI, com o objetivo de garantir e promover a proteção, a recuperação, a conservação e o uso sustentável dos recursos naturais das terras e territórios indígenas, assegurando a integridade do patrimônio indígena, a melhoria da qualidade de vida e as condições plenas de reprodução física e cultural das atuais e futuras gerações dos povos indígenas, respeitando sua autonomia sociocultural.

Conheci um trabalho de Planejamento Territorial da aldeia de Comboios, solicitado pela comunidade junto ao Instituto de Pesquisas da Mata Atlântica (Ipema)109, que

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Com sua força inesgotável, grande velocidade com que corta as ondas e até alguns eventuais saltos, ele chega a brigar com o robalo pelo título de peixe mais esportivo na modalidade. Os pampos podem ser encontrados nas praias de todo o país. Os maiores exemplares são encontrados a partir do litoral do Espírito Santo, em direção ao norte. A cor prata nos flancos, com o dorso esverdeado e o ventre amarelo-ouro caracterizam as cores desse valente, que chega a ser encontrado com mais de 3 kg na praia. Costuma ficar na arrebentação das ondas, na ―espuma‖, em busca de alimentos que se desprendem do fundo. Andam em cardumes e atacam as iscas com vontade. Disponível em: https://www.guiapescadepraia.com/ed137.html. Acesso em 26 de fevereiro de 2014.

articulou um Projeto de Capacitação em Gestão Participativa de Unidade de Conservação na Foz do Rio Doce‐PDA‐IPEMA n° 466‐MA. Este projeto teve por objetivo principal promover a capacitação para a gestão participativa em Unidades de Conservação aos conselhos já existentes ou em formação das áreas protegidas da região da foz do Rio Doce, norte do Espírito Santo, bem como ao Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente de Linhares e demais grupos e atores presentes na área da foz do Rio Doce. O objetivo foi conhecer e definir áreas e ações a serem desenvolvidas na TI; apoiar os indígenas em projetos, programas e estudos; capacitar para pesquisas cientificas e programas de educação ambiental com ênfase na conservação da Mata Atlântica.

O resultado pode ser resumido num importante trabalho de Zoneamento etnoecológico da TI de Comboios, que pode ser visualizado por meio do mapa abaixo (Fig. 36). Este trabalho coletivo pode ser utilizado pela Associação Indígena Tupinikim de Comboios (AITC) para promover a sustentabilidade da aldeia com as informações sobre o solo, por exemplo. Todavia, este é um trabalho de análise que requer aprofundamento e tomada de decisões sobre a função de cada um neste projeto.

A expectativa hoje (2014) dos moradores da Aldeia de Comboios é que a nova liderança eleita, o Cacique Pindobusu, tenha habilidade para conduzir esse processo de recuperação de áreas degradadas, capacitação de pessoas da aldeia e, principalmente, a revitalização de projetos de apoio e sustentabilidade aos indígenas que moram em Comboios.

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É uma organização não governamental, sem fins lucrativos, de natureza técnico‐científica, que prioriza a pesquisa e conservação da biodiversidade na região da Mata Atlântica e objetiva promover e gerir projetos, programas e estudos; realizar eventos que visem à capacitação de pessoal para trabalhar em pesquisas científicas e programas de educação ambiental, com ênfase na Mata Atlântica.

Figura 36: Zoneamento etnoecológico da TI de Comboios. Fonte: IPEMA, 2013.