• Nenhum resultado encontrado

4 ESTUDO DE CASO

4.2.2.3 A emigração da comunidade de Tame

Segundo António Carreira, "A emigração de Manjacos e de Brames, de si antiga, alterou em muito o panorama da distribuição humana da região (...)" tendo provocado em certas zonas, uma diminuição de cerca de 14% da população em apenas 10 anos (1940 - 1950).

Semelhantes movimentos populacionais aconteceram nas outras áreas do território, mas não tiveram as mesmas consequências. Aqui, "as baixas na população, seja pela sua constância, seja por outras razões, provêm inegavelmente de recrudescimento da emigração de Manjacos e Brames não compensada por qualquer imigração de outra origem", argumentava Carreira (1967, 271).

Assim, segundo o mesmo estudo, se podia constatar que a emigração dos manjacos quer dentro do território, quer através dos países limítrofes (principalmente para o Senegal) atingia cerca de 15% do total do grupo (Carreira e Meireles, 1959: 15). Mais recentemente, a emigração manjaca dirige-se fundamentalmente para a Europa, nomeadamente Portugal e França, sendo este último dos mais antigos e mais intensos fluxos de emigrantes com origem na região de Cacheu.

Nos nossos dias estes números são significativamente maiores. A título de exemplo, em 2014, segundo os dados fornecidos pela ASSOFITA, na tabanca de Canal-Tame residiam 244 pessoas, e contava com 41 emigrantes, o que representa cerca de 17%. E se consideramos que no mesmo ano, a população total residente no regulado era de 7 896 indivíduos, e uma população emigrada de 4 975, o que equivale a 63%, facilmente se conclui a importância que a emigração representa para esta comunidade. Deste número, fazem parte homens e mulheres, incluindo também as crianças nascidas no estrangeiro.

Excetuando alguns casos isolados, as primeiras migrações conhecidas da comunidade de Tame datam da segunda metade dos anos 60, ou seja, uma emigração que se pode considerar recente, se comprada com as outras comunidades manjaca. Tongul foi o primeiro elemento conhecido como emigrante da comunidade.

Desta emigração resultou a construção das primeiras casas zincadas, o que naturalmente era um motivo de orgulho, ao ponto de as senhoras comporem uma canção para celebrar este efeito:

João Bico n’tungul bibi bicinquir Calaque; Cinquir Calaque manaquisse Caiá cacau; Fdindi caia cacau mamaque n’grual ai itchime (…)

Tradução

João Bico venha zincar a Calaque (morança); Zinque Calaque e me liberte de cortar a palha;

Porque estou com dor nos pés, não poço cortar palha (…). Por Bernardo Gomes

Bissau, 27 de março de 2014

Casamança, principalmente a região de Sedio e a Gâmbia foram os primeiros destinos desta emigração, que só posteriormente avançou para as outras regiões do Senegal e mais tarde para a França.

Esta emigração era designada na língua manjaca por “Bidjungha” que pode ser traduzido como “descer d’água” ou seja, a primeira migração da comunidade manjaca era maioritariamente feita via marítima. Daí que o termo descer a água, significar embarcar num barco com destino a emigração. Mais tarde, a emigração e os emigrantes em particular passaram a ser designados por “bapat-ubabu”, ou seja, as pessoas que remavam as canoas com destino à terra dos brancos.

A) o processo migratório

O processo de emigração da gente de Tame iniciava-se com associação de 3 a 5 pessoas, geralmente jovens para arranjar dinheiro para esse fim. Como nos explica o nosso interlocutor, Bernardo Gomes, iam extrair vinho de palma no Sul do país e depois o óleo e os caroços. Depois de conseguir um capital que se julgasse suficiente para levar um dos seus para Europa, iam consultar o Irã ou curandeiro para saber quem entre os membros do grupo devia partir em primeiro lugar. Assim que este partisse o processo continuava com os elementos restantes e com a colaboração do que tinha partido, e assim sucessivamente até todos conseguirem emigrar.

Neste processo, geralmente todos cumprem com o combinado. São raras as situações em que alguém decide romper o acordo. E quando isso acontece, este elemento é fortemente censurado pela comunidade, incluindo a sua própria família. Este processo é mais frequente entre jovens amigos de que entre elementos de uma mesma família. Aliás, a solidariedade entre amigos é bastante mais forte no caso da emigração do que entre familiares, sublinha o presidente da ASSOFITA, Bernardo Gomes. Não é raro encontrar alguém que decide levar um irmão dum amigo em detrimento do seu próprio irmão. Principalmente quando se trata de dois emigrantes. “Eu ti ajudo emigrar e em troca você ajuda o meu irmão ir também”, é uma expressão muito comum entre os manjacos de Tame.

Nos últimos tempos, a utilização de apoios financeiros da Associação tem ajudado desbloquear situações extremos de dificuldade. Por exemplo, quando alguém consegue o visto de entrada e não ter dinheiro suficiente para pagar a viagem, os depósitos exigidos

pelos serviços consulares ou até a compra de passagem recorrem a associação para resolver a situação. Não é raro ajudar pessoas que tenham vindo passar férias e tenham problemas em voltar para os países de residência pedir ajuda a associação.

Perguntado sobre o que é emigrar para os manjacos de Tame? O nosso interlocutor, Bernardo Gomes responde: é alguém que decide abandonar o seu lar à procura de melhores condições de vida para si, a sua família e a sua comunidade (sublinhado nosso).

É notório que a grande maioria das pessoas com quem falámos incluem direta ou indiretamente a comunidade nas suas preocupações, o que testemunha um forte sentimento de pertença e de solidariedade.

B. Quem geralmente emigra?

A resposta a nossa pergunta foi: “a emigração deixou de ser o que era; apesar de serem os jovens masculinos e solteiros os principais candidatos a emigração, cada vez mais surgem jovens raparigas com projetos próprios de emigração. Muitas delas recorrendo a emigração clandestina e por via marítima”. Aliás, já houve alguns episódios em que a associação, através dos seus núcleos foi chamada a resgatar elementos da comunidade em dificuldade ou que haviam sido presas num determinado país123.

Foi o que aconteceu em setembro de 2011, quando uma rapariga tentou a sua sorte viajando para o Senegal e depois para Mauritânia, onde ficou sem todos os seus haveres, foi presa e mantida em condições desumanas durante um longo período. Quando a associação tomou conhecimento da situação fez as diligências necessárias, tendo mesmo enviado o presidente da associação para resolver o caso. Sendo os custos suportados pelos núcleos de Dakar e Nouakchott. Contudo, mesmo com este apoio, não foi fácil resgatar a jovem.

A informação sobre estes casos é bastante difícil não só pela sua complexidade, como pelos meios envolvidos e também pelo fato de a ASSOFITA ter como política a não divulgação de elementos sobre estes casos antes da sua resolução. Primeiro, tratando-se de assuntos que envolvem a emigração clandestina, a sua divulgação acabaria por tornar muito mais difícil a sua resolução. Por outro, publicitar estes casos criaria um pânico acrescido na comunidade.

123 ASSOFITA tem núcleos em Canchungo, Bissau e praticamente em todos os países da emigração Manjaca: Senegal, Gâmbia, Mauritânia, Portugal, Espanha e França.