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4 ESTUDO DE CASO

4.2.1.3 Emigrações transcontinentais

Na década de oitenta do século XX, o comércio foi liberalizado na Guiné-Bissau e as fronteiras foram abertas, permitindo, entre outras viagens, as de emigração.

Só que nessa altura, como salienta Tcherno Bassiro, os ganhos da emigração sub- regional já não satisfaziam as necessidades dos habitantes de Braima Sori que se aventuraram a “voos mais altos”.

Foi assim que, num belo dia, Adulai “Seco” Djau, habitante de Braima Sori, com o passaporte visado e bilhete de avião no bolso, foi despedir-se na mesquita e pedir a bênção: tinha viagem garantida para Portugal e aberto a via da emigração transcontinental para os jovens da tabanca.

Os filhos dos criadores de gado vendiam reses para a obtenção dos documentos necessários à viagem e para a compra do bilhete de avião, sem esquecer, claro está, o dinheiro de suborno para a consecução do visto de entrada.

Para quem não tem gado suficiente para enfrentar essas despesas a solução é outra. Um emigrado assume todas as despesas contra um pagamento posterior, quando o candidato já estiver na Europa e a trabalhar. Aliás, esta solidariedade entre candidatos a emigração e migrantes já estabelecidos no país de destino é bem conhecida e documentada. Segundo Çaḡlar Özden e Maurice Schiff, afirmam que esta solidariedade é mais acentuada quando, o custo da migração permanece alto e somente poucas pessoas “relativamente” mais ricas conseguem migrar, os emigrantes desta comunidade já estabelecidos ajudam agilizar os processos (Özden, et al., 2006: 5)115.

Essa iniciativa de entreajuda implementada pelos jovens reforçou a solidariedade tanto na tabanca como nos países de emigração116 – e fez de Braima Sori uma tabanca de emigrantes.

Mas essa emigração massiva não desviou a tabanca dos seus princípios fundadores: o Islão e as tradições dos fulas mantêm-se intatos. A nenhum jovem casado é permitido permanecer continuamente no país de emigração durante quatro anos sem voltar à tabanca.

Caso isso aconteça, estão preconizadas duas alternativas: uma, desfaz-se o casamente sob autoridade do Imã; segunda, o marido não poderá repudiar a sua esposa mesmo que a encontre grávida.

115 Ainda segundo os mesmos autores, esta ajuda não se fica só nesta fase, pois, “the presence of a social network in the destination country is a significant catalyst in casing the costs of moving, especially in transition stage. Various networks, based on family, community, ethnicity, or even nationality, are likely to help with legal barriers, lower search costs regarding jobs and housing, provide additional insurance in case unanticipated events, and help with cultural alienation (Özden, et al., 2006: 5).

116 Apesar de não se falar abertamente sobre o assunto, é bem conhecida a rivalidade que imperou entre as duas primeiras famílias habitantes de Braima Sori, o de Djarga (Chefe de tabanca), Braima Sori Djau e o do Imã, Mammadu Baldé, constituindo cada um os seus aliados. Esta rivalidade era inicialmente entre os jovens na conquista de uma noiva, por exemplo, passando para o domínio económico e finalmente, quando começou a emigração transatlântica, quem colocava mais aliados seus na Europa. Só numa fase mais avançada esta rivalidade se transformou em cooperação.

E mais, a nenhum jovem emigrante é permitido introduzir hábitos estranhos à tabanca, sob pena de ser censurado e, em caso de persistência, marginalizado.

Estes dois aspetos constituem os principais focos de tensão entre os velhos e os jovens, afirma Mama Samba, um dos jovens e que já foi emigrante em Portugal durante 17 anos, que agora se dedica ao comércio. E vai mais longe nas suas acusações, “os velhos têm uma visão restrita da vida, não aceitam que os jovens tragam para cá o progresso”, desabafa. Para ele, o exemplo mais evidente do que acabou de afirmar é o fato de a tabanca só ter tido a sua primeira escola recentemente, o que obriga as famílias que queiram pôr os filhos na escola a enviá-los para Gabú (17,4 km) ou para Bissau, junto de familiares, ou então arranjar uma segunda esposa que fica a residir em Bissau.

Os habitantes de Braima Sori consideram a emigração positiva porque, apesar de não ter contribuído senão recentemente para a melhoria do sector do ensino – tanto corânico como escolástico – aumentou o nível de vida da população, melhorou as habitações (as palhotas foram substituídas por casas de adobe e zinco, as vedações de kirintim substituídas por muros de cimento) e reforçou a solidariedade.

Um fato curioso é que, os filhos de Braima Sori passaram a ostentar carros de luxo, o que faz com que sejam considerados por muitos como emigrantes de sucesso, esta emigração pouco tem contribuído no sector de transporte público automóvel, por exemplo.

Um outro assunto abordado – mas com tato devido à sua delicadeza - é o tráfico de estupefacientes: a custo, os velhos admitem que os seus filhos emigrantes são vítimas desse flagelo.

Setor de Canchungo

Com uma extensão de 642,9 km2, o Canchungo é o mais pequeno dos 6 setores administrativos que compõem a Região de Cacheu, que conjuntamente com a Região de Oio forma a Província do Norte da Guiné-Bissau. A Região de Cacheu está delimitada a Norte pela Região de Casamança, Senegal, a Leste pela Região de Oio, a Sul pela Região de Biombo e a Oeste pelo Oceano Atlântico, onde está localizada as ilhas de Caió, de Jeta e Peixe, que, ao contrário do Arquipélago do Bijagós estão mesmo junto da costa e fazem parte da região. Para além do Setor de Canchungo, ainda fazem parte da região os setores de Bigene, de Bula, de Cacheu e do São Domingos.

O setor de Canchungo é limitado a norte pelo setor de Cacheu, a Sul pelo Rio Manso, a Leste pelo setor de Bula e a Oeste pelo setor de Caio.

Apesar de o setor de Canchungo ser o mais pequeno da região em termos de extensão territorial, é o segundo mais populoso com 43 709 habitantes (Censos 2009)117, depois do setor de Bigene com 51 412 habitantes. Por outro lado, o Canchungo conta com a maior densidade populacional da região (68 hab/km2), quando a média regional é de 39,8 hab/km2 e a média nacional é de 40,1 hab/km2. A população do setor está distribuída em 118 tabancas, sendo a cidade de Canchungo, como se podia esperar, a mais populosa com mais de 11 700 habitante, a única população considerada urbana que perfaz 26,74% da população do setor; Pelundo é a segunda tabanca com 2 358 habitantes.

Em termos tradicionais o território do setor está dividido em 10 regulados118 a saber: Blequisse, Bugulha, Cajinjassá, Canhobe, Churo, Có, Costa de Baixo, onde está localizada a cidade de Canchungo, sede do setor, Pandim, Pelundo e Tame. Este último constitui um dos estudos de caso.

Como se pode observar no mapa seguinte, excetuando o regulado de Pelundo, todos os outros são de pequena dimensão, com uma extensão média de pouco mais de 64 km2, situação um pouco diferente quando comparado com o regulado de Forreá, que ocupa quase a totalidade dos sectores de Buba e Quebo, por exemplo.

Figura 4-4: Regulados do Setor de Canchungo

As outras tabancas com um número de habitantes significativos são: Catchobar 1015, Caroncã (826), Petabe com (719), a Blute (707), Bará com (696), a Beniche com (675),

117 No entanto, decorridas cerca de uma década desde o último Censo, e admitindo um crescimento populacional de 0,9% estimado pelo INE, o setor pode ter uma população muito próximo de 48 mil habitantes.

118 Regulado pode ser definido como sendo um pequeno reino, regido por leis consuetudinárias, inserido num território do qual depende política e administrativamente. Segundo Tcherno Djaló “os regulados tradicionais são estruturas políticas que existiam muito antes da chegada dos portugueses à Guiné” (Djaló, 2012:78).

Pendinglo, Jolmete (654), Ucanhe (686), Tchulame (607), Cabienque (605), Jolabute (582) e Canob (580) habitantes.

Enquanto 27 localidades têm uma população que varia entre 250 e 500 pessoas; 40 tabancas com população entre 100 e 250 indivíduos e 26 localidades cuja população não atinge os 100 habitantes, entre estas há ainda algumas cujas populações é constituída por um único agregado familiar, como são os casos de Bitame com 23 pessoas, N´Ghoga com 12 e Penter com 9 pessoas apenas.

A região de Cacheu119 onde está inserido o setor de Canchungo foi historicamente dominada por população da etnia manjaca. Em 1950 este grupo étnico representava cerca de 75% da população da região, número que se manteve no primeiro censo realizado depois da independência, com mais de 74 por centos, como se pode observar no quadro seguinte.

Quadro 4-1: Composição étnica da região de Cacheu segundo os sensos (1950 a 2019)

Etnia 1950 1979 1991 2009 Balanta 12,14 16,84 30,02 28,82 Beafada 0,05 1,22 0,31 0,40 Bijagó 0,03 0,29 0,06 0,14 Fula 0,67 1,39 2,80 4,97 Mancanha 10,31 26,72 4,64 4,51 Mandinga 0,39 5,45 5,15 6,22 Manjaco 74,79 74,05 41,48 36,78 Papel 0,85 2,04 1,34 2,28 Sem etnia 0,11 10,25 0,53 2,05 Outros 0,65 12,39 13,68 13,81 Total 100 100 100 100

Fonte: Censos de 1950 (Província da Guiné), INE, 1979, 1991 e 2009

No entanto, a dinâmica populacional das últimas décadas foi alterando este cenário. Os Balantas que em 1950 representavam um pouco mais de 12%, atingiram os 30% em 1991, descendo para cerca de 29 por cento no último recenseamento. Em situação contrária estão os Mancanhas que viram a sua posição relativa oscilar bastante, passando de 10,3% em 1950 para 4,5% em 2009, depois de terem constituído mais de ¼ da população da região do Cacheu em 1979 (Quadro 4.1).

Duas outras comunidades merecem ainda referência neste processo: os Mandigas e os Fulas. Os primeiros, que representavam 0,39% em 1950 atingiram 6,22% em 2009; enquanto os segundos passaram de 0,67% para cerca de 5 por cento no último censo.

Observando apenas os dados populacionais do setor de Canchungo, o resultado é um pouco diferente. Aqui, os Manjacos continuam a ser o grupo étnico largamente dominante. Apesar do dinamismo registado pelos Fulas e sobretudo pelos Balantas no setor, estes ainda não constituem ameaça do domínio manjaca neste espaço geográfico, que detêm ainda cerca de 78% da população, embora em 1950 representassem mais de 97 por cento. No mesmo período, os Fulas passaram de menos de 1% para muito próximo de 6%. Mesmo assim menos de metade da população alcançada pelos balantas que passaram de um modesto 0,53% para mais de 13 por cento no mesmo período (Figura 3.3).

Figura 4-5: Composição étnica do Setor de Canchungo em 1950 e 2009

Fonte: Censos de 1950 (Província da Guiné), INE, 2009.

Em termos da estrutura etária da população do sector, ela é em tudo semelhante à estrutura nacional, ou seja, uma população extremamente jovem. Mais de 8% da população tem menos 5 anos de idade; cerca de 48% tem menos de 20 anos. No extremo oposto, apenas 5,5 por cento da população do Canchungo tem idade igual ou superior a 65 anos de idade.

Figura 4-6: Pirâmide etária do Setor de Canchungo

Fonte: INE, 2009. 0,00 20,00 40,00 60,00 80,00 100,00 120,00

Balanta Beafada Bijagó Fula Mancanha Mandinga Manjaco Papel Sem etnia Outros