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4 ESTUDO DE CASO

4.2.2.2 A comunidade de Tame

Apesar de não ser possível precisar a data da fundação do regulado de Tame é um dos mais antigos da zona. Segundo as lendas, o seu fundador é um Senhor vindo de Norte na zona dos Felupes122 e a primeira casa chamava-se Cauque. Juntamente com Caió, Peciche e Zeta, Tame e Canhobe constituem os regulados cujas linhas de sucessão são matriarcais.

A povoação de Tame, que dá nome ao regulado está situado aproximadamente a 15 km a Oeste da cidade de Canchungo, sede do sector com o mesmo nome, tendo Tame a segunda maior extensão de território do Sector de Canchungo depois de Pelundo.

Atualmente, a família Batchatcha é detentora do poder do regulado, embora à data da nossa visita (maio 2014), o trono esteja vazio desde o falecimento do último régulo. Este vazio, segundo nos é dado a entender, deveu-se ao fato dos candidatos à sucessão não estarem preparados para cumprir com certos rituais e cerimónias de feitiçaria obrigatórias para quem quiser subir ou manter-se no poder.

Em tempos, segundo António Carreira, toda essa área geográfica constituía “um único regulado com sede em Bassarel. Desse régulo principal consideravam-se vassalos todos os outros pequenos chefes”. Faziam parte desta estrutura política principal 28 pequenos regulados, cuja classe dominante resumia-se aos nobres e os ritualistas, acrescenta.

Do Conjunto dos regulados que prestavam a vassalagem ao grande régulo de Bassarel, se excluem os do Litoral Sul – Bugulha, Caió, Cajegute, Canhobe, Pandim e Tame – nunca consentiram qualquer espécie de subordinação ao régulo máximo (Carreira, 1967: 50).

Segundo Bernardo Gomes, Presidente da Associação dos Filhos e Amigos de Teme – ASSOFITA, em 2014, o regulado era uma comunidade constituída por 19 tabancas, (curiosamente o mesmo número de aldeias registadas pelo António Carreira em 1967),

121 A decisão do governador de transferir a sede da Administração para Canchungo, relegando o Cacheu a um Posto administrativo, c onjugado com a criação da Circunscrição de Suzana, primeiro, e de São Domingos, posteriormente, ferem-na de morte (Duarte, 1948: 603).

122 Oque levou muitas pessoas a especular que o fundador do regulado não seria um manjaco, mas sim um felupe, que com o tempo se foi aculturando e passar depois a identificar-se com esta última etnia.

onde residia cerca 7 896 pessoas, vivendo em 386 casas, dos quais, apenas 10 eram cobertas por palha.

Figura 4-7: Localização do regulado de Tame no Setor de Canchungo

O regulado é maioritariamente habitado pela população manjaca, com uma estrutura social e política sólida e muito bem organizada, o que a permitiu conservar praticamente muitos aspetos da sua estrutura social, apesar de embates e das crises quer pelas tentativas de invasão ou dominação de alguns regulados manjacas, quer da dominação colonial (Carreira, 1967).

Ainda segundo António Carreira e A. Martins Meireles, historicamente, “as populações animistas e residentes no litoral são consideradas sedentárias ou pelo menos desde período anterior a chegada dos portugueses.”

Até ao início da década 20 do século XX não se encontravam pessoas de outras etnias no regulado de Tame, como de resto acontecia em grande parte do Chão dos Manjacos. Só a partir desta data se notou a infiltração de elementos da etnia balanta, na sua grande maioria provenientes do Binar. No entanto, esta primeira vaga não atingiu o regulado de Tame. Aliás, a propósito deste território, António Carreia afirma que “em 1928, por exemplo, as estatísticas oficiais não se referiam ali aos Balantas (...)”.

Portanto, a homogeneidade étnica era o panorama dominante antes da ocupação civil dos portugueses. Cada comunidade limitava-se praticamente ao seu território, poucos eram os que se aventuravam a deslocar-se e, sobretudo, a fixar-se nos territórios “estranhos”, pois, era um ato pouco consentida.

Este comportamento não era exclusivo da etnia manjaca, antes pelo contrário, existia uma “certa tendência para o isolamento, negando-se a manter contatos, mesmo com povos

circunvizinhos (Carreira, 1967), isto é, “todos os grupos viviam cada um no seu chão próprio e olhavam-se mutuamente como arreganho” (Quintino, 1967).

Ainda hoje, há relatos de confrontos entre as populações locais e os recém-chegados. Foi o que aconteceu em 2009, entre a população Felupe de Susana, no Sector de São Domingos, Norte do país e os imigrantes Fulas, a propósito de construção de uma mesquita, mas este episódio, segundo alguns observadores foi apenas a “gota da água que fez transbordar o copo”. Atrás disso há um ressentimento anti-imigrantes, geralmente dirigido a pequenos comerciantes que, pouco tempo depois da sua chegada, começam a dominar o comércio, a construir melhores casas e apresentam sinais de riqueza superiores aos dos nativos.

Como foi dito anteriormente, a partir da ocupação do território pelos portugueses tornou-se mais fácil e seguro o deslocamento e fixação de elementos de diferentes etnias para territórios até aí considerados estranhos.

Com a independência do país em 1974, o processo de mobilidade interétnico aceleirou-se e intensificou-se ao ponto de, segundo o Recenseamento Geral da População de 2009, a população manjaca do Sector de Canchungo não representar mais de 72 por cento, como se pode observar no quadro seguinte (INE, 2009).

Quadro 4-2: Composição étnica do Setor de Canchungo

Fonte: INE, 2009

Apesar de não existirem dados descriminados para os diferentes regulados (e pouca fiabilidade dos existentes), a realidade não deve estar muito longe dos dados gerais do Sector.

Como foi referido anteriormente, a ASSOFITA tem o seu próprio registo de todas as pessoas que vivem no regulado, incluindo a população emigrada e os seus filhos nascidos no estrangeiro. Esta situação confirma a diferença relativamente aos dados estatísticos fornecidos pelo Instituto Nacional de Estatísticas – INE. Por exemplo, na Tabanca de Canal-Tame, segundo dados da ASSOFITA, 2009, havia 11 moranças onde viviam 244 indivíduos, dos quais 97 homens e 147 mulheres. E ainda para o mesmo ano, esta tabanca contava com 41 elementos seus emigrados, sendo 30 homens e 11 mulheres.

Sector Canchungo População % Manjacos 31 277 71,85 Balantas 5 507 12,65 Fulas 2 481 5,7 Papel 1 262 2,9 Outros 3 004 6,90 Total 43 531 100