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Emigração portuguesa

O material recolhido no período de 2000 a 2005 sobre a questão migratória refletiu, na sua maioria, o contexto então vivido por Portugal, com várias notícias sobre a inserção de comunidades migrantes no país, a legislação portuguesa relacionada com o assunto e situações de ilegalidades (como tráfico de pessoas e incentivo à imigração ilegal). Esta cobertura reflete um período em que paulatinamente Portugal deixava de ser um país de emigração para se tornar um destino de imigração.

Como indica o Relatório do SEF de 201043

, até a década de 1960 Portugal foi um país de caráter predominantemente emigratório, todavia, com a independência das antigas colónias africanas a partir de 1973, este perfil alterou-se profundamente. No início da década de 1980 verifica-se um grande aumento no número de estrangeiros residentes em Portugal e, na década seguinte, este crescimento consolida-se, com destaque para as comunidades dos Palop e do Brasil.

Ao contextualizar o fenómeno migratório português no âmbito europeu, Policarpo Lopes (1999) explica que após as tradicionais correntes migratórias sul/norte intraeuropeias (constituídas a montante por Itália, Espanha, Grécia e Portugal e a jusante pelos países industrializados do centro do continente), observou-se a emergência de

fluxos extraeuropeus provenientes da região do Magrebe, da Turquia e em seguida de regiões carentes e superpovoadas da Ásia, América e África subsaariana. A que se seguiu, também na década de 1990, o fluxo derivado da desestruturação dos sistemas políticos do Bloco de Leste.

A saída de setores populacionais empobrecidos para trabalhar em segmentos menos privilegiados do mercado de trabalho dos países de destino foi uma constante em Portugal a partir do final do séc. XIX (conforme já referido em capítulo anterior), atingindo o seu pico em finais dos anos 1960 e início da década seguinte (Peixoto et al., 2016). Todavia, se a princípio estes fluxos seguiam o trilho do passado colonial, direcionando-se fundamentalmente para o Brasil, a partir dos anos 1950 e até à década de 1970 viraram-se para a Europa Ocidental.

Após atingido o pico de emigração em meados dos anos 1970, as estatísticas registaram uma diminuição significativa de saídas, o que levou alguns estudiosos a anunciarem o fim do ciclo de emigração, anteriormente caracterizado como “constante estrutural” da sociedade portuguesa. No entanto, Policarpo Lopes (1999), recorrendo a um gráfico da Statistiques Demographiques de 1995, assinala que entre as décadas de 1980 e 1990, Portugal se constituiu concomitantemente como um país de emigração e de imigração. Se até meio da década de 1970 o saldo migratório português era claramente negativo, após 1975 e até 1985 este passou a apresentar valores positivos; a partir desse ano, os saldos voltam novamente a ser negativos, para inverterem de novo apenas em 1993.

No segundo período de análise das notícias (2010-2015), o contexto português referente às migrações mostra-se já distinto do período anterior: a agudização da crise económica mundial, que afetara principalmente os países do sul da Europa, fez com que a comunidade estrangeira em Portugal voltasse a diminuir e os portugueses retomassem o movimento de emigração. Como comprovam os relatórios do SEF de diferentes anos, até 2009 Portugal manteve a tendência de aumento da população estrangeira, com este ano registando um crescimento de 3% face ao ano anterior. Mas já a partir de 2010 há um decréscimo de 1,97% no número de estrangeiros residentes no país, ainda que neste ano a sua principal comunidade – a brasileira – continue a crescer (um aumento de 2,7% em relação ao ano anterior). Já de 2011 a 2016 tanto o total de estrangeiros em Portugal, quanto o de brasileiros estão em regressão (ainda que o Brasil se mantenha como a principal comunidade estrangeira). Os relatórios publicados apontam a aquisição da

nacionalidade portuguesa como um dos fatores explicativos deste decréscimo, mas não deixando também de assinalar as consequências associadas à crise.

Consequências essas que se refletiram, também, nas movimentações dos portugueses, que retomaram a tendência emigratória. Principalmente a partir de 2008, a realidade migratória, assim como a atenção pública ao tema, mudaram (Peixoto et al., 2016). Se desde meados dos anos 1980, tanto a comunidade científica como a opinião pública progressivamente se debruçaram sobre a entrada de estrangeiros no país, quando na segunda metade dos anos 2000, o número de saídas voltou a ser o mais alto desde a década de 1960, os estudos, assim como a atenção da comunicação social, viraram-se para a questão da emigração.

Mas do mesmo modo como foram apressados os estudos que nos anos 1980 concluíram o fim “da constante estrutural” da sociedade portuguesa, também os trabalhos mais recentes que se têm focado sobretudo nas saídas se mostram exagerados.

Em alguns casos esteve-se próximo de um exagero simétrico ao das últimas décadas do século XX: a atenção focou-se quase exclusivamente nas saídas, esquecendo-se a entrada de estrangeiros e o regresso de emigrantes. Ao optimismo do final do século sucedeu-se o pessimismo do novo milénio e, com ambos, leituras frequentemente extremadas. (Peixoto et al., 2016, p. 31)

Esta nova emigração possui características distintas daquelas dos movimentos emigratórios portugueses tradicionais. Nos anos recentes observa-se o aumento da saída de pessoas altamente qualificadas e uma maior diversidade de países de destino e de tipos de migração (de curto e longo prazo, sazonal e afins). Algumas mudanças estão relacionadas com o desenvolvimento da União Europeia e do espaço de livre circulação no continente, enquanto outras ainda refletem o passado colonial do país, ao continuarem a marcar presença como destino da atual emigração os países de expressão portuguesa (Peixoto et al., 2016).

Aí inclui-se o Brasil, que presenciou a partir de 2010 um aumento gradual no número de portugueses, porém a quantidade máxima anual nunca ultrapassou as 3 mil pessoas (valor obtido em 2013), enquanto que em outros destinos de emigração mais tradicionais, como a França e o Reino Unido, o valor ultrapassou a dezena de milhar (30 mil pessoas no Reino Unido em 2013 e quase 20 mil em França em 2012) (Ibidem – todos os valores apresentados pelos autores têm por base, sobretudo, dados do Observatório da Emigração, INSEE-França e Office Fédéral de la Statistique-Suíça). Como referem João

Peixoto et al. (2016), as taxas de saída relacionam-se diretamente com a taxa de desemprego e a variação do PIB em Portugal, ou seja, com a conjuntura do país, mas também, como facilmente se deduz, com a situação de emprego nos países de destino, o que em relação ao Brasil se justifica facilmente, pois até meados de 2014 a economia brasileira atravessou uma franca expansão.

Apesar de a nova emigração portuguesa para o Brasil ser em menor número do que os movimentos destinados a França, Reino Unido, Suíça e outros, já a taxa de regresso a Portugal, segundo os dados do Censo português de 201144

, apresenta uma tendência antagónica: o retorno do Brasil apresenta um valor mais baixo (2,9%) comparado com França, por exemplo, que atinge quase 30%. No mesmo recenseamento foi recolhida, também, uma caracterização em termos sociodemográficos dos emigrantes regressados ao país na última década, observando-se que os oriundos do Brasil possuem idade e nível de escolaridade superiores aos dos outros países. Esta diferença parece replicar-se nos novos emigrantes para o Brasil, no período de 2010 a 2015, considerando os elementos recolhidos no levantamento jornalístico realizado (apenas foram apresentados emigrantes de elevado nível educacional).

O nosso interesse por este tópico explica-se pelo facto de o movimento emigratório para o Brasil ser um tema bastante presente nos jornais durante o nosso período de análise (principalmente entre os anos 2010 e 2015), além de se constituir historicamente como uma constante da relação entre os dois países, conforme discorremos em capítulo anterior. A perenidade deste fluxo proporcionou, inclusive, a produção e popularização de imagens sobre emigrantes retornados, como a dos brasileiros “torna-viagem”.

Compreende-se a força deste imaginário, pois se a emigração era a “constante estrutural” da sociedade portuguesa, desde finais do séc. XIX e até à década de 1950, o Brasil foi o seu principal destino. Neste sentido, pensamos que a quantidade elevada de textos informativos relacionados com a emigração para o Brasil durante o segundo período de análise tem mais a ver com um imaginário em que o país, de tempos em tempos, ressurge como terra prenhe de promessas para os portugueses, do que com a realidade propriamente dita, já que, de acordo com as estatísticas, o movimento mais

recente para o Brasil esteve muito aquém do verificado para França e Reino Unido, por exemplo.

Também observamos a partir da análise crítica do discurso, conforme discorreremos a seguir, a presença de representações sociais que remontam ao período colonial. A partir dos recursos estilísticos e retóricos utilizados, identifica-se a presença de ideologias de cariz imperial e colonial, que salientam, por exemplo, o pendor português para a vivência em outros territórios e a sua capacidade de adaptação aos mesmos. Ou seja, o que era sobretudo uma consequência da crise, emergiu em vários trabalhos jornalísticos sobre a então migração portuguesa para o Brasil sob um enquadramento que privilegiava a evocação de narrativas mitológicas do passado.

Ao mesmo tempo, houve a preocupação de contrapor esta nova vaga de imigração (segundo as estatísticas oficiais, nem poderá ser designada como vaga...), jovem e qualificada, ao estereótipo de português corrente no Brasil, como alguém ignorante. Portanto, é por emergir como um tema profícuo para a abordagem jornalística dos estereótipos e das imagens recíprocas entre brasileiros e portugueses que dedicamos este subcapítulo à cobertura dos jornais sobre a imigração portuguesa no Brasil.

Tema (quase) ausente

Apesar de a emigração portuguesa ter sempre mantido a sua vitalidade, mesmo com a diminuição significativa dos fluxos a partir dos anos 1980, e, de acordo com as estatísticas oficiais, Portugal se apresentar no início do séc. XXI como simultaneamente um país de emigração e de imigração; os jornais analisados concederam escasso espaço à problemática da emigração entre os anos de 2000 e 2005. O Público e o Expresso debruçaram-se, sobretudo, sobre o fenómeno imigratório, em consonância com o interesse demonstrado pela opinião pública durante o período (Peixoto et al., 2016).

Ao todo, encontramos três textos sobre o tema: dois são longas reportagens na

Única (suplemento do Expresso) que se debruçam, respetivamente, sobre a vaga de

portugueses que partiram para o Brasil após o 25 de abril e a então recente movimentação dos denominados “emigrantes de luxo” (sobretudo reformados), que estavam a escolher viver na região Nordeste brasileira. A reportagem do Público de 27 de setembro de 2000 é construída a partir da ideia de que a movimentação emigratória não tinha cessado em Portugal, em consonância com as estatísticas e estudos efetuados nesse período.

“Portugueses continuam a emigrar” (Público, 27/9/00, p. 2-3).

Sob o chapéu “Destaque” e inserida nas privilegiadas primeiras páginas do diário, no título desta reportagem já temos sugerido qual o enquadramento dado à informação de que os portugueses continuavam a emigrar: o facto desta notícia se contrapor à opinião corrente de que o Portugal de então emergia fundamentalmente como um país de imigração, apesar do movimento contrário que fora muito intenso desde finais do séc. XIX. Esta indicação evidencia-se pela utilização da forma verbal “continuam” e é explicada na abertura do subtítulo: “Novo destino de imigração, Portugal continua a ser, em simultâneo, um país exportador de mão-de-obra”. No lead45 também é retomada esta

contraposição entre o que era a perceção social do momento e a realidade dos números oficiais:

Numa altura em que a atenção dos responsáveis políticos se concentra quase exclusivamente na problemática da imigração, o fenómeno da emigração tem sido ignorado. A verdade é que Portugal continua a ser um país exportador de mão-de-obra [...]

O princípio organizador do texto – o equivalente ao frame, segundo a definição de Stephen D. Reese (2008) – é esta contraposição. A partir dela, logo no subtítulo a jornalista Alexandra Campos contrapõe a emigração, como tópico da reportagem, à imigração, explicitando a relação entre ambas: “Em muitos casos, os trabalhadores de Leste ou do Brasil que chegam a Portugal vêm apenas ocupar os lugares que os novos emigrantes deixaram em aberto”.

Conforme é referido no início da reportagem, as informações apresentadas baseiam-se nas conclusões do estudo “Os movimentos migratórios externos e a sua incidência no mercado de trabalho em Portugal”, conduzido pelo Observatório do Emprego, e as quais são secundadas pelas citações de um dos responsáveis:

Portugal é hoje, simultaneamente, “um país de imigração e de emigração”, considera Jorge Malheiros, acrescentando que a década de 90 ficou marcada por um saldo migratório que deverá mesmo estar “próximo do zero”. E isto porque só nos últimos anos desta década o número de entradas começou a suplantar o de saídas de uma forma significativa.

45 Em jornalismo, o lead corresponde ao primeiro parágrafo de um texto, em que se fornece ao leitor a

informação sintetizada sobre a notícia que se segue, por meio de respostas às seguintes perguntas: O quê? Como? Onde? E por quê?

No entanto, sob o intertítulo “Regresso ainda é ‘projecto adiado’”, a jornalista opta por fechar a reportagem com uma conclusão do estudo não destacada pelo subtítulo, mas que se evidencia como significativa, justamente por finalizar o texto. Refere que, a despeito da perceção social sobre o retorno de emigrantes, o movimento é bem menos significativo do que se imaginava: “Tal como no passado – concluem os autores do estudo –, o regresso definitivo parece continuar a ser, para a esmagadora [maioria], ‘um projecto adiado’”.

Portanto, a reportagem estrutura-se tematicamente em torno da contraposição entre perceção social, de um lado, e factos sobre o fenómeno migratório atestados pelo estudo, de outro, subdividindo-se em duas vertentes: a divergência entre a percecionada chegada de um vasto contingente migratório ao país, conjugada porém com a manutenção do movimento emigratório; e a divergência também entre o que se percecionava como um intenso retorno de emigrantes nos últimos tempos, mas que não se verificou ser tão grande assim.

A reportagem também é composta, ainda, na parte inferior das duas páginas, por pequenas caixas explicativas sobre o fenómeno emigratório nos principais locais de destino dos portugueses: França, Alemanha, Suíça, Espanha, Andorra, Luxemburgo e Brasil. Assinalamos que o Brasil preenche a última caixa, localizada à direita da segunda página, indicando assim a pouca importância que este destino assumia naquele momento para a emigração portuguesa (apesar de no texto se referir – sem identificação de fonte – que aí residia a maior comunidade portuguesa no exterior). Algo indicado já no início do texto: “Actualmente, é um ciclo emigratório quase encerrado”. Como Paulo Miguel Madeira et al. (2016) resumem o fluxo entre ambos os países:

A crise de 1889-1892, em particular, fez disparar as saídas para este país [...] Depois de um pico de emigração nas primeiras décadas do século XX, o Brasil manteve-se como principal destino dos portugueses até o final da década de 1950. Na sequência da Revolução de 25 de abril de 1974, a emigração portuguesa sofreu forte redução, embora as entradas de imigrantes não compensassem as saídas verificadas nos anos 1980. Foi sobretudo a partir de meados dos anos 1990 que preponderou o movimento inverso – a prosperidade que Portugal vivia na sequência da entrada na CEE (depois UE) começou a atrair população estrangeira, inclusive brasileiros, que rapidamente se tornaram no principal grupo de imigrantes no país. (p. 170)

acaso, localizada no primeiro ano de análise dos jornais – e os dois textos da Única, não encontramos mais referências à temática da emigração no Público e no Expresso neste período. As outras duas reportagens selecionadas dizem respeito a momentos bastante específicos sobre o fluxo migratório entre Portugal e Brasil.

De acordo com Paulo Miguel Madeira et al. (2016), com base em informações do Censo brasileiro de 2010, em comparação às duas décadas anteriores, a ida de portugueses para o Brasil duplicou, alcançando, em média, mil emigrantes por ano entre 2000 e 2010; o que, embora não chegue a representar uma movimentação expressiva (principalmente em comparação com outros destinos tradicionais da emigração portuguesa), não deixa de ser digna de nota, por comparação à situação anterior. Os autores explicam que, neste período, eram sobretudo homens que se dirigiam aos Estados do Brasil menos desenvolvidos a nível socioeconómico, como Ceará e Bahia: onde a presença de emigrantes acima dos 55 anos é mais acentuada, o que indicia um maior número de pessoas reformadas e a tendência de uma emigração tardia.

“O que é que o Brasil tem?” (Única, 15/8/03, p. 36-49)

Ao longo de 14 páginas, identificamos neste texto o pulular de imagens arreigadas sobre o Brasil e os brasileiros, cuja origem – como níveis estruturais profundos das representações sociais (Moscovici, 1988) – remonta ao período colonial. Esta perspetiva neocolonial, aqui já enunciada, será acentuada no segundo período de análise, nas reportagens sobre a recente emigração para o Brasil; a qual, se não é passível de ser caracterizada como “de luxo”, tem, no entanto, o seu aspeto negativo (a associação à crise económica) matizado pela ênfase dada tanto ao background educacional elevado destes novos emigrantes, quanto à suposta adaptabilidade inata dos portugueses aos trópicos.

No subtítulo desta reportagem de 2003, a emigração para o Brasil não motivada por fatores económicos é contraposta à então recente vaga de imigrantes brasileiros em Portugal: “Emigrantes de luxo, reformados em busca de sol e foragidos à lei trocaram Portugal pelo Ceará. Enquanto os brasileiros vêm para a Europa ganhar a vida, os portugueses que vão para o Brasil querem aproveitá-la ao máximo”. A partir deste mote,

a jornalista Catarina Carvalho explora as razões para cada vez mais portugueses estarem a mudar-se para o Brasil.

No início da reportagem são referidos o sol, o mar de cor turquesa e os milhares de quilómetros de praia como justificação para esta mudança de vida, para concluir: “Mas mesmo essa visão do paraíso, se calhar, não é suficiente”. A exaltação da natureza subjacente à frase acima transcrita corresponde ao signo inaugural da descoberta do continente americano pelos europeus, que no caso brasileiro está já presente no seu documento fundador, a carta de Caminha: “E em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo, por bem das águas que tem” (citado por Bosco, 2017, p. 195).

Na sequência do questionamento dos primeiros parágrafos, o texto apresenta como possível justificativa para a nova emigração a fala de um dos entrevistados: “‘Aqui é viciante fazer negócios’ [e] ‘Está tudo por fazer’” – alusão a outra imagem muito arreigada, a de colónia como um espaço de natureza exultante, mas de precariedade material e institucional. Como vimos, no período pós-independência, o Brasil tentou compensar esta precariedade, justamente, com a exaltação da natureza, mas agora trata- se de uma reportagem de 2003, em que a maioria dos emigrantes está a dirigir-se para Fortaleza, capital do Estado do Ceará e uma das maiores cidades brasileiras, o que revela a implausibilidade de uma explicação como a apresentada no texto, sem que suscite qualquer tipo de comentário por parte da jornalista.

Identificamos ainda um lugar-comum na associação estabelecida entre Brasil e África, recorrente no pensamento colonial português desde o início do Terceiro Império (Alexandre, 2000). Tal associação fora reforçada com a adoção do luso-tropicalismo, em que o Brasil emergiu como modelo para as colónias portuguesas ainda existentes, mas a sua presença remonta à independência do Brasil, quando se disseminou a ideia de que, para sobreviver, Portugal teria de construir “novos Brasis em África”. Na reportagem, sob os intertítulos “A outra África” e “Reencontrar o paraíso”, acentua-se o facto de que, para alguns portugueses, a mudança representava uma alternativa à vida que tinham tido em África, abandonada com o fim do império: “‘África acabou, com a guerra. E isto é uma espécie de Angola melhorada. O Brasil é o melhor país do mundo’” e “‘Vivemos 50 anos de sonho em Moçambique, 26 de inferno em Portugal. Agora estamos no paraíso. É a nossa recompensa”.

A partir do intertítulo “Não existe pecado abaixo do Equador”, observamos também a reprodução quase inalterada de outras imagens muito significativas, como por

envolvimento de um dos personagens com um conterrâneo foragido à justiça portuguesa, e que, ao saber que o outro era responsável por um desfalque bancário, fez vista grossa: “Lá diz o samba que não existe pecado do lado de baixo do Equador”.

A despeito da profusão de imagens estereotipadas, o principal argumento proposto pela reportagem – de que uma vaga de portugueses bem abastados se dirigia ao Ceará –