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A MÚTUA (RE)PRODUÇÃO DE IMAGENS: IDENTIDADES CULTURAIS BRASILEIRA E PORTUGUESA E AS

REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE UNS E OUTROS

Introdução

O estereótipo da malandragem conotado aos brasileiros, assim como o da exuberância da mulher brasileira, entre outros, já são lugares-comuns tanto no Brasil quanto em Portugal e, assim sendo, são identificados – se não de modo explícito, ao menos sub-repticiamente – no discurso jornalístico português quando os sujeitos das notícias são este país ou o seu povo. Neste sentido, pensamos que a melhor forma de compreender a sua perenidade, assim como os factos que engendram alterações nestas representações sociais, é por meio de uma análise às suas origens.

Apesar de se saber que muito do imaginário sobre o Brasil e os brasileiros partilhado em Portugal foi produzido e exportado pelo Estado e a cultura popular do país, conforme iremos abordar, há especificidades relativamente a esta leitura à portuguesa, estas por sua vez relacionadas com a história de Portugal e a sua relação com a antiga colónia e sua gente. Portanto, se neste capítulo pretendemos compreender as origens das imagens mais comuns acerca do Brasil e dos brasileiros, não o podemos fazer sem também nos debruçarmos sobre o processo de construção de uma identidade nacional brasileira. Todavia, temos em mente que, se alguns desses estereótipos são identificados tanto lá como cá, eles não se expressam de forma igual e vivenciam/vivenciaram dinâmicas distintas, em razão dos diferentes contextos onde são partilhados.

Neste sentido, recorremos à teoria das representações sociais para compreender estes distintos fenómenos de evolução/ modificação de representações sociais, pois esta teoria explica como e em que contextos tais mudanças ocorrem. Por exemplo, Machado (2003), ao se debruçar sobre a polémica inserção da Igreja Universal do Reino de Deus – IURD em Portugal a partir da sua cobertura jornalística, observou que algo novo, não comumente conotado com o Brasil pelos portugueses – o país como um produtor e exportador de religiões –, foi lido pelos media a partir de uma associação ao estereótipo da malandragem, corrupção e ganho fácil, o que configura uma clara utilização do processo de ancoragem, em que se associa uma representação social mais antiga a um fenómeno novo de modo a compreender este, inserindo-o na esfera comum de temas e crenças partilhadas.

Portanto, neste capítulo iremos analisar sobre as imagens, estereótipos e representações sociais mais correntes em Portugal sobre o Brasil e os brasileiros, procurando compreender como todo esse imaginário chegou até cá ou como aqui se produziu e se desenvolveu, fruto da longa relação histórica entre os dois povos. O nosso objetivo no final deste percurso é ter um panorama não só da imagem corrente do país e da sua população em finais do séc. XX – momento em que iniciamos a análise crítica das notícias –, como também dos processos envolvidos historicamente nesta construção. Pensamos que ao nos debruçarmos sobre estes processos estaremos melhor preparados para analisar o discurso jornalístico.

Emigração portuguesa e brasileiros torna-viagem

Se a relação entre Portugal e Brasil se inicia no séc. XV com a chegada às praias brasileiras da esquadra de Pedro Álvares Cabral, e com a Carta do Achamento, de Pero Vaz de Caminha, onde se encontra a primeira representação lusitana da terra recém- encontrada e da sua gente, é, no entanto, o séc. XIX o período crucial para a formação do que Igor Machado (2003) denomina de representações cruzadas, cuja influência se faz sentir até hoje em ambos os países.

Foi no XIX que ocorreram os conflitos antilusitanos, no contexto da independência e construção da identidade nacional em oposição a Portugal. Naquele momento, a emigração portuguesa para a ex-colônia atingiu o seu ápice. Muitos desses emigrantes retornaram a Portugal levando consigo às vezes riquezas, às vezes sotaque, etc. Nesse vai e vem de pessoas, mercadorias e idéias, estabeleceram-se embates, representações cruzadas, preconceitos e radicalismos. (Machado, 2003, p. 69)

Sobre o fenómeno migratório, Paulo Miguel Madeira et al. (2016) identificam no fluxo entre ambos os países uma corrente histórica, impulsionada na segunda metade do séc. XIX pelas sucessivas crises económicas em Portugal, que levou muitos portugueses para fora do país e que teve no Brasil um destino de eleição. Especificamente, é apontada a crise de 1889-1892 como o disparador de saídas para o Brasil, todavia, após o pico nas primeiras décadas do séc. XX, a tendência emigratória estabilizou-se, apesar de o país se manter como o principal destino para os portugueses até final da década de 195019.

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Foi só a partir de meados dos anos 1980 que ocorreu a inversão do fluxo migratório entre Portugal e Brasil, justificada pela prosperidade vivida pelo primeiro na sequência da sua entrada na Comunidade Económica Europeia - CEE.

Jorge Fernandes Alves (1999a) vai além e identifica nesta tradicional emigração para o Brasil, constituída ao longo de mais de um século, um elemento determinante para a sobrevivência económica de Portugal. Com o foco de saídas na região Noroeste do país, concelhos como Vila Nova de Famalicão viram partir todos os anos, no início do movimento ainda no séc. XIX, largas dezenas de emigrantes o que constituiu uma herança social em que numerosas famílias se viram repartidas pelos dois lados do Atlântico, produzindo laços estreitos de parentesco entre pessoas de Portugal e Brasil.

No entanto, dentre os que emigravam, muitos acabavam por voltar, dedicando-se novamente a atividades comerciais, industriais ou agrícolas, renovando, porém, as suas unidades de trabalho e participando de forma mais intensa da vida social e política. Neste sentido, ainda no séc. XIX estabeleceu-se em Portugal o imaginário dos brasileiros torna- viagem, ou simplesmente brasileiros, de facto emigrantes portugueses cuja representação literária, sobretudo pela pena de Camilo Castelo Branco, foi a de regressados ricos, porém estúpidos, gananciosos e com costumes, roupas e sotaque considerados exóticos (Machado, 2003).

Imaginário este cuja generalização a todos os regressados do Brasil Jorge Fernandes Alves (1999a) considera excessiva, pois se se notava uma maior presença no espaço público destes retornados, ela era assumida, no entanto, de forma discreta, com apenas uns poucos alcançando maior projeção, devido aos títulos nobiliárquicos obtidos e mais elevados estatutos sociais. Apesar desta sobrevalorização quantitativa, o autor não nega, no entanto, que mesmo os retornados remediados (correspondentes à maioria dos “brasileiros”) tiveram impacte no ambiente social do Noroeste português, ao modificarem a paisagem com novas habitações e ao utilizarem materiais pouco conhecidos por ali.

O que explica, portanto, a força do universo simbólico criado à volta desses brasileiros, com ecos até os dias de hoje20. Conforme se lê num relato do jornalista Ribeiro Sá, publicado em O Comércio do Porto em 28 de setembro de 1864:

Há doze anos conheci Famalicão uma aldeola, e hoje vejo-a tão próspera e povoada que sei de muitas cidades do Reino que não são menos ostentosas do que ela e que não têm a sua povoação e riqueza. É tudo obra das estradas e de muitos dos chamados brazileiros […] (citado por Alves, 1999a, p. 14)

Apesar deste relato jornalístico mais laudatório em relação aos brasileiros, a imagem que se estabeleceu, a partir de caricaturas mordazes, foi a do emigrante pavoneante e alardeador, rico, mas também selvagem e bruto. A que atingiu maior projeção foi a de Camilo Castelo Branco, com o tema a assumir grande importância na sua obra, tendo inclusive dado nome a duas novelas: Os brilhantes do Brasileiro (1869) e A Brasileira de Prazins (1882).

Como explica Aníbal Pinto de Castro (1999), o “brasileiro”, espécie de personagem-tipo da ficção camiliana, corresponde ao emigrante português para o Brasil que, depois de regressado a Portugal, emerge na cena social local “[…] quase sempre mais rico de cabedais que de cultura ou de simples educação” (p. 198). Esta presença na sua obra justifica-se, por sua vez, pelo contexto cultural em que a ficção narrativa se virava progressivamente para o denominado romance de atualidade. Como vimos, a presença desses emigrantes era muito notória na realidade portuguesa da época para passar despercebida a autores que cultivavam este género literário, a exemplo não só de Camilo, mas também de Júlio Dinis, Eça de Queiroz e Fialho de Almeida, entre outros – também estes responsáveis por representações ácidas dos brasileiros torna-viagem.

No entanto, tal representação de tamanha acidez não se pode justificar apenas a partir de uma arguta observação da realidade da época, revelando-se nesta generalização algo exagerada – os “brasileiros” bem abastados eram uma minoria (Alves, 1999a) – um ressentimento subjacente, também identificado por Igor Machado (2003) e Aníbal Pinto de Castro (1999). Especificamente no caso de Camilo, havia a revolta com o “brasileiro” Manuel Pinheiro Alves, com quem tinha entrado em conflito numa disputa amorosa.

Se ampliarmos a discussão, notamos, conforme indica Boaventura de Sousa Santos (2001) em referência aos estudos pós-coloniais, que a hibridação e ambiguidade características dos regimes identitários de colonizador e colonizado encontram a sua mais forte expressão no estereótipo, pois, ao evidenciarem a presença em simultâneo de elementos de fobia, medo e desejo na sua construção, indicam ser o reverso dos seus elementos negativos, justamente os seus elementos constitutivos. Ainda que a construção do estereótipo do brasileiro torna-viagem tenha ocorrido numa temporalidade em que o Brasil já era uma nação independente, nota-se na sua ênfase do aspeto selvagem desses emigrantes, a reapropriação de uma imagem corrente sobre o país desde o seu achamento.

Neste sentido, a ambiguidade deste estereótipo evidencia-se – à semelhança da imagem do Brasil na metrópole, no passado – no facto de, ao mesmo tempo em que o brasileiro torna-viagem é representado como um selvagem, ele também emerge como o emigrante rico que investe recursos próprios no desenvolvimento da sua terra; vítima de deboche, mas também de inveja subjacente… O facto é que esses brasileiros bem abastados, cujo imaginário se disseminou pela pena literária, apesar de serem minoritários e não corresponderem à enorme quantidade de emigrantes que se dirigiam para o Brasil na época, ao retornarem e ostentarem grandes fortunas e títulos nobiliárquicos, produziram profundas alterações na paisagem rústica e urbana; além de, ao voltarem, apresentarem hábitos distintos ao que era comum em Portugal, o que não poderia deixar de impressionar um autor como Camilo.

Como afirma Igor Machado, “Os brasileiros de torna-viagem ricos alimentaram o imaginário popular com suas botas largas, chapéu de abas fortes, claras, anéis de brilhante e cordões de ouro” (2003, p. 74). Portanto, a emigração para o Brasil, como dado económico e social determinante para a realidade portuguesa de então, em conjunto com o contraste cultural proporcionado pelo retorno dos torna-viagem ricos, tornou o Brasil um espaço fértil para o imaginário português de finais do séc. XIX e início do XX.

Como refere Jorge Fernando Alves (1999b) ao conduzir a discussão para o campo mais alargado da emigração em geral, desde cedo Portugal se interrogou sobre se seria positiva ou negativa a saída de pessoas do território, algo documentado desde o século XV, quando se iniciou a expansão marítima. Todavia, com o incremento deste fluxo a partir do séc. XIX, com destino sobretudo para o Brasil, o questionamento adquiriu maior expressão.

Mas se não era um bem, porque persistia a emigração como forma de resolver tantos problemas individuais e dessa forma também resolver ou criar problemas colectivos? Só uma resposta positiva sobre os seus efeitos ao nível das representações do senso comum poderia alimentar uma emigração continuada, como era a portuguesa [...] (Alves, 1999b, p. 234)

Estas representações positivas ao nível do senso comum parecem-nos indissociáveis de um certo imaginário criado à volta do brasileiro torna-viagem rico. Ainda que correspondessem a uma minoria, as ações comerciais, filantrópicas e as intervenções arquitetónicas realizadas por estes a partir do elevado capital obtido no Brasil, e as representações literárias e jornalísticas que deles se fizeram criaram no senso

comum português a ideia de Brasil como espaço a ser apropriado e cheio de oportunidades. Segundo Igor Machado (2003), tais representações, também ricas em descrições dos hábitos tidos como exóticos desses retornados, fizeram com que se reforçasse a imagem de país selvagem, perto demais da natureza, porém paradisíaco e prenhe de promessas para o emigrante português.

Se nas primeiras décadas do séc. XIX, tal imagem não fora suficiente para suscitar a emigração de extratos mais empobrecidos da sociedade portuguesa, pois até então o projeto de emigração era algo que exigia um certo dispêndio financeiro, a partir dos anos 1880 esta situação alterou-se, com a necessidade do Brasil empregar mão-de-obra barata perante o declínio da escravatura21. Neste sentido, o país começou a promover a vinda de

um perfil de emigrante jovem, robusto, dotado de força braçal e sem qualificações, o que, segundo Jorge Fernando Alves (1999b), escondia situações escandalosas de exploração de emigrantes.

No entanto, nem mesmo o esforço de eruditos coevos em desconstruir o mito de riqueza fácil relacionado com o Brasil, e do Estado português em criar obstáculos burocráticos às saídas, fez com que estas se reduzissem drasticamente; mantendo-se o fluxo para aquele país, como vimos, forte e constante até meados dos anos 50 do séc. XX. Corresponde, pois, este incremento de uma emigração portuguesa mais depauperada, composta por um vasto número de analfabetos, à formação do estereótipo de “burro” conotado com os portugueses e utilizado por brasileiros.

Porém, de acordo com a nossa abordagem em relação às representações sociais e como Igor Machado (2006b) observa este caso em específico, há inversões significativas nestas representações; por exemplo, na sequência de distúrbios antilusitanos na sequência da independência do Brasil e do monopólio português na área comercial brasileira, até à proclamação da República, em 1889, prevaleceu a imagem do português como o espertalhão que tirava o trabalho dos brasileiros. De modo similar, o autor relaciona a persistência do estereótipo da malandragem associado aos brasileiros à imagem do

21 Como explica Alves (1999b), o primeiro movimento emigratório para o Brasil alicerçava-se numa rede

de conhecimentos estabelecida no âmbito comercial. Com vista a ocupar postos nesta área no Brasil – entretanto, dominada pelos portugueses –, a família do futuro emigrante investia na sua “preparação”, custeando o ensino das primeiras letras. “Porque, no fundo da questão, estava um sistema minifundiário e um modelo sucessório que privilegiava um dos filhos, pelo que a exclusão familiar dos destinados à saída de casa era encarada com algum cuidado pelos ascendentes” (p. 239).

brasileiro torna-viagem fixada no séc. XIX, em que este também era visto como um embusteiro, com uma fortuna cuja origem era duvidosa.

O que observamos nos materiais jornalísticos sobre os quais nos debruçámos, mais de um século após o fenómeno “brasileiros torna-viagem”, é que de certa forma ainda hoje permanece vivo o imaginário de Brasil como terra prenhe de promessas, e do português como o colonizador de alma desbravadora. No contexto da crise económica que atingiu Portugal em 2008, e da consequente retoma do movimento emigratório que voltou a privilegiar o Brasil, identificamos o pulular dessas imagens – conforme analisaremos nos capítulos subsequentes – em reportagens sobre o processo de ida (em que se privilegiou o enfoque sobre as potencialidades do país para o emigrante empreendedor) e o quotidiano de emigrantes portugueses no Brasil.

Representações, autoimagem e identidade cultural

Se o séc. XIX, a partir das representações dos brasileiros torna-viagem e do consequente imaginário criado à volta do Brasil, estabeleceu em Portugal as imagens do brasileiro como um embusteiro/ malandro e do país como terra prenhe de promessas (independentemente das evoluções que tais imagens subsequentemente sofreram), encontramos traços dessas imagens já no início do período colonial. Posteriormente, esta forma do colonizador representar o país e a sua gente também acabou por ser incorporada na construção de uma narrativa de nação e de uma identidade brasileira.

Neste sentido, julgamos interessante trazer à discussão as análises de Stuart Hall acerca das identidades culturais, os meios de representação e as posições de enunciação. No texto Cultural Identity and Diaspora (1990), o autor defende uma abordagem da identidade cultural em que esta não é vista como uma estrutura unitária, no sentido de que há uma origem primordial que necessita de ser desvendada através de um trabalho arqueológico – Stuart Hall (1990) refere-se a certas leituras que procuram numa África unitária a origem e identidade dos negros caribenhos –, mas como um contínuo processo de tornar-se algo. Sempre contingente ao local em que se dá a construção dessa identidade, à historicidade inerente a essa construção (e que, em relação a povos colonizados e escravizados, é marcada por uma profunda descontinuidade) e à posição de quem a enuncia.

Este processo, nunca finalizado, de produção de identidade ocorre sempre no âmbito das representações (ou, conforme outros autores utilizados nesta pesquisa, como van Dijk,

a propósito do discurso), todavia, em relação a povos colonizados, como o brasileiro, observa-se que os regimes de representação do colonizador se tornaram parte considerável, e inerente, de sua própria identidade cultural. Ainda que a sua permanência não seja algo estável, mas como que uma herança reapropriada e retrabalhada sob diferentes formas.

Nesses regimes de representação, os sujeitos colonizados foram representados como o “Outro” – objetificável e unitário, não obstante a pluralidade das origens –, segundo as categorias de conhecimento do pensamento ocidental. No entanto, essas representações, como um sistema não apenas de conhecimento/ classificação, mas também de poder, fez com que os próprios colonizados se vissem e se percecionassem como esse Outro. Como afirma Stuart Hall (1990) a partir do pensamento de Michel Foucault, todo o regime de representação é um regime de poder, porém este conhecimento consubstanciado pelo poder é interno, no sentido em que não apenas se posiciona um grupo de pessoas como o Outro do discurso dominante, mas também o conhecimento subjacente é imposto a este grupo.

Tal imposição dá-se não apenas através da dominação exercida pelo colonizador, mas também por um poder de compulsão interna e de subjetiva conformação à norma. O que, pensando na situação dos sujeitos escravizados, retirados de forma violenta das suas terras e inseridos num sistema de conhecimento estranho a eles, se justifica pelo desejo de voltar a possuir um horizonte de referência. Isto não significa, pondera Stuart Hall (1990), que o período anterior à retirada de África deixe de ter importância para a constituição de uma identidade cultural, pois esse período tem histórias, e histórias possuem um efeito real, material e simbólico, porém não mais dizem respeito a um simples passado, localizável em alguma origem primordial. Neste sentido,

As identidades culturais são os pontos de identificação, os pontos instáveis de identificação ou sutura, desenvolvidos a partir dos discursos da história e da cultura. Não é uma essência, mas um

posicionamento. Portanto, há sempre uma política de identidade, uma

política de posição, que não possui nenhuma garantia absoluta de uma "lei de origem" transcendental e não-problemática. (Hall, 1990, p. 226) Nas suas análises sobre o caráter instável das identidades culturais, o autor utiliza como referência a situação dos negros caribenhos, descendentes de retirados de África para serem escravos naquela região distante. Porém, quando nos referimos ao Brasil, também há que levar em conta que o país possuía um enorme contingente de população

nativa, entretanto quase toda dizimada durante o processo de colonização. Neste sentido, Eduardo Lourenço (1999) não adjetiva os índios como sujeitos colonizados e/ ou como os construtores do que pouco a pouco seria o Brasil, pois ao serem assimilados, dizimados ou repelidos para o interior, foram excluídos da clássica relação de exploração entre colonizador e colonizado. A quem coube este título de colonizado, classificado pelo autor como o “verdadeiro colonizado brasileiro”, foi ao africano. No entanto, se a este “[…] que nunca escreverá a história verdadeira da colonização brasileira nos únicos termos adequados […]” (p. 152) foram impostos regimes de representação pelo colonizador português, também o foram, ainda que em termos distintos, ao índio.

E a sua busca por uma origem também se apresenta problemática, pois a descontinuidade no cerne da identidade cultural índia não se dá em termos de mudança