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A emoção e a sugestão na histe ria— Ligeira nota crítica

das teorias da histeria —

A teoria de Babinski, que atrás ficou esquis- sada, pode resmnir-se nestas breves palavras:

"Todos os fenómenos histéricos resultam de uma auto- ou hetero-sugestão„.

Esta maneira de vêr do sábio professor, com o carácter de acirrado exclusivismo que o autor lhe deu, está muito longe de ser admitida por todos os que se teem dedicado ao estudo dos fenómenos histéricos e, a nosso vêr, pouco de acordo com os factos que se podem observar. O papel da emoção—da emoção choque — na génese dos fenómenos histéricos que a observação clínica mostra ser incontestável, não o reconhece Babinski e antes a nega em absoluto como seu factor etiológico. Ainda admite que um abalo moral, um choque emo- tivo possa em certas circunstâncias, diminuir o senso crítico, produzir uma certa inibição da personalidade e favorecer assim o desenvolvi- mento da sugestão, que se estabeleceria durante o período que medeia entre a produção do cho- que emotivo e a aparição das manifestações que Charcot designava por período de meditação. E a não ser esse papel adjuvante indirecto no apa- recimento das manifestações histéricas, outro lhe não considera o autor na sua etiologia.

tensidade não gera os fenómenos histéricos ; mas o autor vai ainda mais longe e diz que se al- guma acção o choque emotivo pode ter nos aci- dentes nevróticos é, quando atinge uma certa intensidade, produzir sobre o sentido crítico um tal enfraquecimento que os fenómenos pitiáti- cos sejam impedidos, em vez de se produzirem; é o que sucede na ocasião de um naufrágio ou de um incêndio em que as paralisias histéricas, por exemplo, desaparecem como que milagro- samente, por efeito da emoção.

" Quando uma emoção sincera, profunda, abala a alma humana já não há lugar para a histeria,,.

Esta maneira de vêr de Babinski é uma con- sequência das suas observações clínicas sobre os acidentes histéricos. Na descrição analítica que deles fizemos no capítulo primeiro deste trabalho várias vezes tivemos ocasião de nos referirmos aos seus trabalhos, particularmente àqueles que tendiam a estabelecer um diagnós- tico diferencial entre as perturbações sintomá- ticas de uma afecção orgânica e das perturba- ções ligadas à névrose histérica. O

Neles reconhece sempre Babinski o carácter comum de se poderem fazer reproduzir por su- gestão e de ser curáveis por persuasão.

( ) Já no capítulo primeiro, em nota, nos referimos à objeção feita por Dejerine, sobre a integridade dos reflexos assinalada por Babinski nas paralisias histéricas. Queremos agora somente acres- centar um caso de paralisia histérica, observado há poucos anos no serviço da 2.* Clinica Médica pelo sr. dr. Baía Júnior, em que se notava a ausência do reflexo patelar.

No final do ano de 1909 reuniram em Paris sob a presidência de Gilbert Ballet os membros das sociedades de Neurologia e Psiquiatria para discutir qual o papel da emoção na génese dos acidentes nevropáticos e psicopáticos. Pelo que respeita à histeria, a questão sofreu uma quente e larga discussão em que Babinski se mostrou, como sempre, acérrimo partidário da sugestão como seu único factor etiológico.

Negou-se a reconhecer como sendo da mesma ordem, se bem que de intensidade diferente, as perturbações devidas ao choque emotivo e à histeria. Os casos que, sendo nitidamente his- téricos pareciam unicamente devidos à emoção, atribui-os Babinski a uma provável simulação. A estes argumentos juntou outros que va- mos enumerar. Os casos que foram relatados atribuidos unicamente à acção do choque emo- tivo, seriam casos isolados de onde se não po- deriam tirar conclusões precisas, por causa dos possíveis erros de interpretação. Era preciso re- correr aos factos colectivos, mais concludentes.

Assim, a seguir ao terramoto de Messina, o dr. Néri teve ocasião de examinar mais de dois mil sobreviventes sob o ponto de vista das cri- ses, contracturas, paralisias e anestesias, mediu cuidadosamente o campo visual de 600 desses sobreviventes e em nenhum reconheceu pertur- bação alguma.

Conseguiu saber que durante os onze anos que precederam o ano de 1909 se organizaram por iniciativa do Aero-Club de França nada

menos do que 2.900 ascensões num total de 7.446 passageiros. Ora, as descidas, em ocasiões de ventos fortes eram acompanhadas de certas peripécias que poderiam ocasionar sérios riscos aos tripulantes e, portanto, provocar-lhes sérias emoções, sem que nunca se pudesse ter verifi- cado a eclosão de acidentes histéricos.

Percorrendo depois os necrotérios dos dife- rentes hospitais de Paris, para se informar da frequência da aparição de acidentes histéricos, quando da ocasião do reconhecimento dos ca- dáveres pela família e das despedidas sempre comoventes, chegou a estes resultados :

Hôpital de la Pitié—1.000 óbitos anuais. 700 reconhecimentos. Em média, cada morto recebia a visita de 4 pessoas. O empregado que lhe prestou estas informações ocupava o seu lugar há 15 anos. Sem dúvida, tinham-lhe passado deante dos olhos 40.000 visitantes. Somente tinha observado uma crise nervosa, provavelmente epiléptica. Nunca observara pa- ralisias histéricas.

Hôtel-Dieu — O empregado estava ao serviço do Hôtel-Dieu somente há um ano, para onde tinha vindo do hospital de Saint-Antoine. No entanto, poderia calcular-se que tivesse obser- vado 10.000 visitantes. Nalguns notou ataques de riso louco, algumas vezes perda de consciên- cia e duas crises, uma provavelmente de epile- psia, outra talvez de natureza histérica.

Salpêtrière — 700 óbitos anuais. 2.500 visi- tantes por ano. O empregado, que ocupa o seu

cargo há 25 anos, observou uma média de 50 a 60.000 visitantes. Somente observou uma crise (que aliás eram muito do seu conheci- mento, por as ter observado no hospital) e a doente em que ela se manifestou era uma an- tiga internada da sala Pinei.

Anfiteatro de Ivry — Nenhuma crise ou outra qualquer manifestação histérica foi observada.

Hôpital des Enfants Malades—1.200 óbitos anuais. 80.000 visitantes durante os 18 anos que o empregado ocupa o seu cargo. Destes 80.000 visitantes pode contar-se um mínimo de 10.000 mães. Cinco ou seis crises nervosas, con- sistindo numa queda para trás com perda de consciência. Nenhuma crise convulsiva, nenhu- ma contractera, nenhuma paralisia.

Em nenhum dos casos apontados os empre- gados tiveram de reclamar os socorros dos in- ternos de serviço, pois as crises foram sempre passageiras.

Sem querer contestar o valor de tais argu- mentos de Babinski, já que nessa brilhante assembleia lho não fizeram, diga-se que no caso das ascensões aéreas e no caso do reconheci- mento dos cadáveres por pessoas de família dos mortos não se trata de choques emotivos, que são os que vulgarmente produzem fenóme- nos histéricos.

Quanto ao caso do terramoto de Messina^ ê certo que alem de Néri, outros, como Bianchi d'Abundo e Stierlin, fizeram observações, che- gando a resultados análogos. Porem, quando

do terramoto de Valparaiso, em agosto de 1906, foram observados por Stierlin acidentes histé- ricos em pessoas, que anteriormente os não ti- nham acusado nunca.

De resto, as condições em que essa emoção se produz são diversas da emoção — choque vul- gar—pois nesses casos todos os indivíduos ficam colocados perante o perigo em condições iguais. Que a sugestão entra como factor etiológico de certas manifestações histéricas, é para nós inegável. Entre outras, algumas perturbações sensitivas, como as hemianestesias O, as per- turbações da visão, que as experiências de Pa- rinaud atrás referidas permitem reconhecer como de ordem sugestiva; a falsa gravidez his- térica, nascida de um ardente desejo ou de um profundo receio de ser mãe que a doente expe- rimenta, bem como o facto incontestável de se poderem reproduzir por sugestão os fenómenos histéricos — mostram bem que não ó possível eliminar do quadro etiológico dos acidentes o factor sugestão.

( ) Esteve há anos internada no pavilhão de criminosos do Manicómio do Conde de Ferreira, uma louca moral, que apresen- tava uma hemianestesia completa —ela que era uma vagabunda, filha das tristes ervas, que nunca fora observada por médico algum.

Este facto mostra-nos como se não pode ser absoluto, delimi- tando o campo da sugestão e da emoção. A hemianestesia, quási que unanimemente admitida como gerada pela sugestão médica, aparece-nos aqui como produto possível unicamente de uma emoção.

O ecletismo é nestes casos o caminho mais prudente — não, já se vê, aquele ecletismo que é neste mundo uma comodidade para os que querem fugir à responsabilidade das suas opiniões, mas o que nasce de um raciocínio justo e acertado.

Mas o que torna a teoria de Babinski inacei- tável, de um modo absoluto, é o carácter de exclusivismo com que o autor a propõe — com- parável ao sectarismo dos políticos e ao fana- tismo religioso. Várias vezes os sábios, homens superiores afinal, teem destas manifestações paradoxais em que se revela ainda a sua mes- quinha condição humana: são como o astró- nomo que montando a sua luneta na explanada vê nitidamente o astro para onde a focou, mas só esse, ao passo que eu à vista desarmada, mais longinquamente, abarco com o olhar toda a porção do ceu constelado que o meu hori- zonte limita.

Com efeito, não menos do que a sugestão, a emoção entra na etiologia dos acidentes histé- ricos. Alguns casos posso relatar em que o pa- pel da emoção é inegável.

Uma doente que foi da clínica do sr. prof. Júlio de Matos e hoje é tratada pelo sr. dr. Baía Júnior fazia sempre a sua crise, de forma sin- copai, na ocasião da visita médica, a ponto de não poder ser examinada. Nenhuma sugestão aqui se poderia encontrar ; simplesmente a che- gada do médico, que ela mesmo pressentia antes de qualquer pessoa da casa, lhe provocava a crise. Um outro caso deste género me foi referido pelo sr. dr. José de Magalhães que viu manifes- tar-se uma crise de sonambulismo numa me- nina, portadora de uma tara nervosa pesada, num dia de trovoada, de que aliás não era me- drosa, só porque o pai andava fora de casa.

Muitos outros casos se poderiam referir e muitos foram apresentados nessa memorável sessão das sociedades de Neurologia e de Psi- quiatria de Paris, por quem tinha como Ba- binski um nome ilustre na sciência e incontes- tável autoridade para que as suas observações fossem tidas em boa conta.

Mas há mais: nem só nos casos nítidos se pode levar em conta a emoção ; a alguns, que, à primeira vista, parecem unicamente devidos à sugestão, não é de todo estranho o factor emo- ção. Por exemplo, casos em que a crise histé- rica é provocada por um ataque epiléptico que é presenciado ; um caso destes foi apresentado numa das lições do curso de Psiquiatria de há dois anos : um rapaz dos seus 16 anos que fez uma crise histérica na volta de uma romaria, provocada por um ataque epiléptico que teve um companheiro de jornada.

Um outro caso concludente, a meu vêr, me foi referido pelo dr. José de Magalhães, poucos dias antes destas linhas serem escritas : Quando no Manicómio do Conde de Ferreira passava a sua visita, uma histérica contava-lhe que uma companheira de enfermaria tinha tido na vés- pera o seu ataque; e acrescentava: "Quando a vejo assim, fujo para outro lado; incomoda-me assistir a eles,,. Claro que se só a sugestão ge- rasse os ataques, êle surgiria apesar da doente se furtar ao espectáculo, porque a sugestão es- tava feita.

o mecanismo das crises que surgem por efeito de uma outra crise, por exemplo, na sala de espera de uma consulta.

São depois as crises motivadas pela recorda- ção, não de uma crise passada, mas da emoção que a produziu.

Vi relatado um caso em que a primeira crise surgiu numa rapariga por ocasião da morte do pai; pois a crise repetia-se todas as vezes que a rapariga sonhava revivendo a scena passada da morte do pai.

E são também aquelas emoções cuja recor- dação ficou como que submersa na memória e de que a consciência não chega a ter notícia, que os processos de psicanálise permitem re- velar.

Do que deixamos dito conclui-se que ao lado da sugestão, damos um lugar tanto ou mais im- portante à emoção na etiologia dos acidentes histéricos.

De certo que a emoção como a sugestão produzem acidentes históricos — nos histéricos.

Os histéricos, que são para Bernheim os que possuem um aparelho histerogéneo, capaz de exagerar as reacções psicodinâmicas emotivas e para Janet e Grasset indivíduos com tendên- cias ao desdobramento da personalidade, e para Sollier indivíduos cujos centros cerebrais po- dem adormecer e mergulhar-se num torpor, de que é necessário despertá-los.

Pensamos, com Henri Claude, que se a emo- ção não cria a histeria, gera acidentes histéri-

cos no histérico—cujo sistema nervoso é cons- titucionalmente ou por aquisição portador de uma diátese, de um modo de ser especial— em suma é o sistema nervoso de um histérico.

iE o que é a histeria?

Nenhuma das teorias que apresentamos, a não ser a de Babinski, que o fez de um modo pouco aceitável, nenhuma define de uma ma- neira clara a natureza da névrose, somente emitindo hipóteses mais ou menos fundamen- tadas.

Não a define Bernheim. As teorias de Janet e de Grasset não explicam porque razão se pro- duz essa tendência ao desdobramento da perso- nalidade ou a separação dos dois psiquismos. Não nos diz Sollier o que faz adormecer certos centros superiores das funções somáticas.

Só Babinski explica as perturbações pelo poder da sugestão e nós já vimos quanto esse modo de vêr tem de pouco geral e absoluto.

Dizia Lasègue, que a histeria nunca tinha sido definida e jamais o seria.

Não seremos nós que tentemos desvendar o enigma dessa Esfinge.

E m c o n c l u s ã o :

Na génese dos acidentes histéricos podem atribuir-se papeis equivalentes à emoção e à sugestão.

A emoção e a sugestão provocam acidentes histéricos nos indivíduos histéricos.

A histeria é um modo de ser especial, um modo de reagir particular do sistema nervoso constitucional ou adquirido, mal definido ainda, que se revela pelas chamadas manifestações histéricas.

B I B L I O G R A F I A

Leçons sur les maladies du système nerveux — Charcot. Traité pratique des Maladies du système nerveux — Grasset. Introdution physiologique à l'étude de. la Philosophie — Grasset. Traité de Pathologie Mentale — Gilbert Ballet.

Traité de Médecine — Bouchard e Brissaud. Les Névroses — Pierre Janet.

L'Hystérie — Bernhoim.

L'Hystérie et son traitement — Sollier. Les Phénomènes d'autoscopie — Sollier. Exposé des Travaux Scientifiques — Babinski. Elementos de psiquiatria — Júlio de Matos. Névroses et psychonévroses — Raymond.

Les manifestations fonctionelles des Psychonévroses — Leur traitement par la Psychotérapie — Dejerine et Gauckler.

Les Psychonévroses et leur traitement moral — Dubois. Revue Neurologique.

PROPOSIÇÕES

1." Classe — Anatomia — 0 teatro anatómico é uma

escola insuficiente de anatomia médica.

2.a Classe — Fisiologia e Histologia — Nenhum fenó-

meno se produz no nosso organismo por processos pura- mente mecânicos, físicos ou químicos.

— Uma histérica em hipnose pode ser um bom auxiliar no estudo experimental de fisiologia humana.

3." Classe — Farmacologia—Antes de se prescrever

um antiséptico, em qualquer lesão cirúrgica, é bom pensar nas suas presumíveis propriedades citóliticas.

4." Classe — Bacteriologia, Parasitologia e Anatomia

Patológica—0 único meio de cultura próprio do treponema

pallidum é o soro do sangue do homem ou do macaco, In vivo.

— Nem sempre um sintoma corresponde a uma lesão.

5." Classe — Higiene e Medicina Legal — Todo o uso

do álcool é um abuso.

—A casa barata, arranjada com um relativo conforto, é um bom factor de higiene social e individual.

— Para uma justa e recta aplicação da lei dos acidentes de trabalho, seria necessário distribuir a cada operário um livrete sanitário.

6." Classe — Obstetrícia e Ginecologia — Num parto

distócico —intervir, não intervir, eis a questão!

7." Classe—Cirurgia — Antes de praticar uma histere-

ctomia, o cirurgião devia pensar tanto ou mais do que antes de operar a amputação de um membro.

8." Classe — Medicina—Os pequenos sinais de uma

doença devem ser para o clínico os grandes sinais dessa doença.

Nevrologia e Psiquiatria — Todo o tratamento di-

verso do tratamento moral nas manifestações histéricas é erróneo e contraproducente.

Visto. Imprima-se. O 'Presidente, O Bipector.

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