• Nenhum resultado encontrado

A EPC ENQUANTO FENÔMENO DA ECONOMIA SOLIDÁRIA

3. AS EMPRESAS DE PARTICIPÇÃO COMUNITÁRIA: ORIGEM, CONCEITOS E

3.4 A EPC ENQUANTO FENÔMENO DA ECONOMIA SOLIDÁRIA

A configuração organizacional híbrida que a EPC apresenta, envolvendo uma estrutura empresarial e produtiva e um modelo de gestão baseado no sistema cooperativista, traz a reflexão da categoria tipológica que ela se insere no âmbito dos estudos organizacionais. A literatura sobre o assunto ainda não é conclusiva, havendo raros textos que tratam do assunto, mas que não chegam a explorar o tema do ponto de vista teórico-científico.

O primeiro a tratar do tema, e até então o único, foi Bartholo (2003) que ao estudar o seu caso (a Espri S/A), considerou a EPC como um empreendimento típico da Economia Solidária, uma vez que se insere entre os fenômenos e práticas sócio-econômicas diversas, que assumem a forma associativa e buscam responder a certos problemas locais específicos. Como definiu Singer (2000 apud BARTOLO, 2003, p. 23), “a Economia Solidária é um conjunto de atividades econômicas – de produção, distribuição, consumo, poupança e crédito – organizado sob a forma autogestionada, ou seja, pela propriedade coletiva do capital e participação democrática nas decisões – uma pessoa, um voto”.

Ao analisar os critérios para definição de empreendimentos de economia solidária apresentados por França Filho e Laville (2004), é possível afirmar que a EPC, em sua concepção original6, atende, mesmo que apenas parcialmente em alguns pontos, os cinco critérios estabelecidos pelos autores, como pode ser verificado no quadro seguinte:

CRITÉRIOS DESCRIÇÃO ANÁLISE SOB A ÓTICA DA EPC

Pluralidade de princípios econômicos

Distintas fontes de recursos: mercado, poder público, ONGs, trabalho voluntário etc.

Não é comum uma EPC receber recursos fora do mercado ou da poupança de seus sócios, mas há casos de parcerias com órgãos públicos que financiam alguns projetos e/ou oferecem assistência técnica na formação e gestão da empresa (a exemplo do Sebrae). Autonomia

institucional

Independência em relação à possibilidade de controle por parte de outras instituições, o que não impede a interdependência em relação a outras organizações sob formas de parcerias, arranjos ou cooperação.

A EPC não recebe nenhum tipo de controle externo por parte de outras instituições e mantém uma relação de interdependência e cooperação com as suas empresas filiadas.

Democratização dos processos decisórios

Mecanismos de decisão coletivos e autogestão como condução do empreendimento.

A EPC segue o princípio cooperativista de decisão coletiva de sua gestão.

Sociabilidade comunitário- pública

Sociabilidade realizada através da combinação de padrões comunitários de organização e relações sociais com práticas profissionais.

Por sua forma híbrida, a EPC precisa manter uma relação profissional com o mercado e sua estrutura produtiva, e valorizar as relações de proximidade com a comunidade.

Finalidade multidimensional

Além da dimensão econômica, a social, cultural, ecológica e política. A organização não se limita aos seus membros e volta-se para as questões mais amplas da sociedade.

A EPC surgiu não apenas como uma opção de investimento para o pequeno poupador, mas principalmente como uma alternativa econômica para a crise do trabalho e promoção do desenvolvimento municipal e regional. A EPC projeta-se, portanto, para o espaço público, buscando solucionar questões que abrangem a comunidade de seu entorno.

Quadro 2: Análise dos critérios de definição de empreendimentos de economia solidária sob a ótica da EPC

Fonte: França Filho e Laville, 2004. Elaboração própria.

Analisando também a estrutura da EPC verificamos que ela, enquanto uma holding, pode ser considerada como uma rede de socioeconomia solidária, onde há interação, ajuda mútua e cooperação entre a empresa mãe e as filiadas, sendo muito comum a prática de produção e

consumo dentro da própria rede de empresas e seus associados. Bartholo (2003) faz uma análise importante no surgimento das EPCs: “a concepção desta modalidade de organização partiu do princípio do autoconsumo, ou seja, os produtos dessas empresas seriam consumidos pelos próprios acionistas, ou pelas próprias empresas, em rede ou como grupos consorciados”.

O exemplo que ocorre com mais freqüência é a abertura de corretoras de seguro. Muitas EPCs implementam como primeiro negócio uma empresa de corretagem para que seus acionistas sejam assegurados da empresa que eles participam como sócios. Essa união entre produtor (no caso, prestador de serviços) e consumidor também é chamada de rede de prossumidores (SILVA JÚNIOR, 2005), sendo este um dos principais objetivos da rede de socioeconomia solidária.

A participação das EPCs na ANTEAG, juntamente com as empresas autogestionárias e recuperadas7, é um outro fato que contribui para a sustentação teórica que a EPC pode ser considerada como um empreendimento da economia solidária. Pois, verifica-se identidade e similaridades entre estes empreendimentos.

A confirmação da EPC enquanto fenômeno da economia solidária contribui para diferenciar ainda mais o modelo paranaense e paulista de EPC. Com base no que foi explanado no item 3.3, não se pode afirmar que a concepção paulista de EPC seja classificada como um empreendimento da economia solidária, uma vez que, diverge de alguns critérios básicos supra citados como: a democratização do processo decisório e princípio da igualdade (uma pessoa, um voto); a sociabilidade comunitário-pública, pois não há compromisso ou relação com a comunidade que a envolve; e a finalidade multidimensional, uma vez que a sua

7 Empresas que estavam em situação de falência e foram assumidas por seus trabalhadores, que a gerem de

finalidade única é gerar dividendos para os seus acionistas. A chamada Empresa de Participação – EP, como propõe e reconhece o Sebrae/SP, deve ser entendida como uma empresa capitalista tradicional, que apresenta a peculiaridade de democratizar o acesso ao pequeno investidor a sua gestão, mas que não abre mão de privilegiar aqueles que detêm maior parcela de capital, como acontece no modelo de heterogestão8.

8 Administração hierarquizada, formada por níveis sucessivos de autoridade, na qual as informações e consultas