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O designer e o engenheiro

3 CAD: Contextualização histórica

3.1 A era digital

Desde a utilização dos primeiros computadores, em meados do século XX, que o mundo sofreu uma profunda transformação. Transpusemos o mundo real da nossa sala para o mundo vir- tual da televisão e videojogos. Vivemos numa era de comunica- ção de pessoas, ideias e mercadorias, transformando o mundo na chamada ‘aldeia global’. A noção espaço-tempo alterou-se. Na era da informação as distâncias são anuladas e o tempo relativizado – a disseminação da informação acontece pratica- mente em tempo real. Os ritmos alteram-se, tornam-se fluidos, complexos, inconsistentes e imprevisíveis. “Saiu-se do tempo do relógio, cujo ritmo era marcado pelos segundos, para o tem- po do computador, cuja unidade de medida é o mil milionésimo de segundo” (MANZINI 1992: 31)10.

O ser humano sempre estabeleceu relações de interactividade com os objectos. Ao usar de maneiras diferentes uma cadeira, estamos a estabelecer com ela um conjunto infinito de inte- racções possíveis, embora condicionadas pela forma da própria cadeira. Essa relação passou de um nível físico para um nível quase sensorial, de uma reacção passiva para uma reacção ac- tiva. O objecto, outrora inanimado e mudo, converteu-se num interlocutor, quase num sujeito com quem nos relacionamos. Os objectos tornaram-se “entidades híbridas (…) entre o mun- do material das coisas e o mundo imaterial dos fluxos informa- tivos” (idem: 61)11.

O mundo virtual, da “quarta dimensão temporal”, representa uma “realidade intermédia entre imaginação e realidade físi- ca”, “entre as ideias e a matéria”. Esta característica não é no entanto exclusiva do mundo virtual, ela é própria actividade projectual. “No fundo o passar do projecto empírico ao projecto calculado já supõe em si a introdução de um modelo, ou seja a criação de uma realidade virtual que se situa entre a ideia de projecto e o produto físico” (idem: 171)12.

As diferenças entre o mundo real e o mundo virtual vêem sendo cada vez mais atenuadas, caminhando para uma úni- ca diferença: a da materialidade, da presença física única dos objectos “reais”. “Mas não podemos dizer que um objecto ou um ambiente simulado se encontrem no computador mais do 10T.L. do original:“Salgamos,

pues, del tiempo del reloj, cuyo ritmo estaba marcado por los minutos, para entrar en el tiempo del ordenador. Un tiempo en el cual la unidad de medida es el millo- nésimo de segundo”.

11T.L. do original: “Los

objectos se configuran como entidades híbridas a medio camino entre diferentes polaridades, entre el mundo material de las cosas y el mundo inmaterial de los flujos informativos.”

12T.L. do original: “En el fondo

el paso do proyecto empírico al proyecto calculado ya supone en sí la introducción de un modelo, es decir la cre- ación de una realidad virtual que se situa entre la idea de proyecto y el producto físico.”

que um sonho ou ideia se encontram no nosso cérebro” (idem: 170)13.

Por mais perfeita que seja a simulação, existe ainda uma bar- reira: a do interface (o ecrã, o rato e o teclado). Essa barrei- ra poderá ser ultrapassada num futuro próximo. Poderíamos quem sabe penetrar no mundo virtual não só com o sentido da visão e audição mas também com o tacto e até o com o olfacto e paladar. Um dos caminhos possíveis seria talvez a represen- tação com hologramas, que nos permitiria visualizar o objecto no meio ambiente. Existe já um protótipo de uma luva especial dotada de sensores que nos permite sentir pressão. “Podere- mos ‘tocar’ a imagem virtual, ‘sentir’ a sua superfície, ‘apanhá- la’ entre as mãos, ou verificar o seu peso” (idem: 174)14.

13T.L. do original: “Pero no

podemos decir que un objec- to o un ambiente simulado se encuentren en el ordenador más de lo que un sueño o una idea se encuentran en el cérebro.”

14T.L. do original: “Podremos

‘tocar’ a la imagen virtual, ‘sentir’ su superfície, ‘cogerla entre las manos’ o verificar su peso.”

Fig. 3. Sistema CyberGlove II. Luva virtual com 18 senso- res, que utiliza a transforma os movimentos da mão em movimentos digitais. (www. inition.co.uk).

Outro método já desenvolvido é a modelação 3D que permi- te ao utilizador esculpir formas digitais 3D através do tacto, como se estivesse a trabalhar fisicamente com argila (clay). O sistema FreeForm, da Sensable Technologies, providencia uma interface háptica (táctil) – uma tecnologia pela qual o sis- tema fornece ao utilizador um feedback de força, utilizando um joystick.

Fig. 4. Sistema FreeForm, da SensAble Technologies (medtechinsider.com/ archives/33).

Hoje em dia a informática está presente não só no projecto como na produção e até mesmo no consumo. Muitas dos secto- res estão informatizados parcial ou totalmente, nomeadamen- te a indústria, os sectores do comércio (supermercados, far- mácias, etc.), bibliotecas, entre muitos outros. Existem novas formas de consumo, com a introdução do comércio online via internet. A tecnologia digital permite o envio de mensagens nos mais diversos tipos de suporte: desenhos, imagens foto- gráficas, vídeo, voz, música e muito mais. A tecnologia mul- timédia, aliada à miniaturização e à microelectrónica, é base de muitos objectos que nos rodeiam. Na área da comunicação, o telemóvel, a televisão, e a internet; na área da medicina, o pacemaker e o aparelho auditivo; na área dos transportes, os painéis de bordo que incorporam GPS (navegador por satélite), rádio, leitor de CD, televisão, e controlam ar condicionado, mo- tor, travões, etc; na área doméstica, as casas inteligentes e as roupas inteligentes (roupas equipadas com sensores). Foram criados micromundos virtuais inteiros, que podem simular ou não o mundo real; o mais divulgado é o Second Life. Estes mi- cromundos tornaram-se em espaços alternativos a actividades económicas, culturais, educacionais e outras.

O ciberespaço tornou-se rapidamente muito mais do que apenas outro meio de comunicação: tornou-se um destino em si(KALAY 2005: 372)15.

15T.L. do original: “Cybers-

pace has quickly become much more than just another means of communication: it has become a destination all of itself”.

Para o futuro prevê-se que a tecnologia digital continue a avançar de modo tão ou mais acelerado. De degrau em degrau, a ‘electrónica vestível’ permitirá integrar os computadores no vestuário. Os implantes, que ligarão os nossos cérebros direc- tamente ao computador, permitirão que o computador leia os nossos pensamentos. A bioinformática (junção de genética com informática) possibilitará a criação de novos órgãos. Deste modo, “o corpo humano em si passará a ser objecto de design.” (BÜRDEK 2006: 431).