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A Escola de Polícia e os “sherlocks” brasileiros

No documento SHERLOCK HOLMES NO BRASIL: : Elysio (páginas 165-183)

A Escola de Polícia do Rio de Janeiro

4.1. A Escola de Polícia e os “sherlocks” brasileiros

Os primeiros esforços de criação de uma Escola Policial ocorreram anos antes de sua fundação. Em 1907, Elysio de Carvalho publicou no Boletim Policial um primeiro artigo de sua autoria sobre a necessidade de criação de uma Escola de Agentes no Brasil. Como um exemplo a ser seguido, o escritor alagoano – então encarregado da Sessão de Informações do Gabinete de Identificação – dissertou

494 MONJARDET, Dominique. Ce que fait la police. Sociologie de la force publique.

495BELIÈRE, Jean-Marc. The Professionalization of the Police under the Third Republic in France,

1875-1914. IN: EMSLEY, Clive. WEINBERGER, B.(eds.), Policing Western Europe, Politics,

Professionalism, and Public Order.

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sobre o projeto de formação de policiais que ganhava corpo na cidade de Buenos Aires. Criada por Ramón L. Falcón, chefe de Polícia da capital federal da Argentina, a Escola de Agentes foi pensada dentro de uma série de reformas policiais que se inseriam em um plano de modernização da polícia portenha. Com o fim de profissionalizar aqueles que ingressavam como agentes subalternos, tal proposta também procurou impulsionar progressos materiais, aperfeiçoando as formas de comunicação entre as delegacias, assim como, desenvolver um sentimento de identidade e pertencimento à instituição.496

Apoiando-se no decreto n. 6440 de 30 de março de 1907, que determinava a obrigação dos inspetores policiais em instruir seus subalternos, Elysio de Carvalho defendia como a própria regulamentação brasileira já abria espaço para a criação de uma escola policial. De acordo com este dispositivo legal, estabelecia-se o ensino elementar “dos delitos previstos no Código Penal; dos regulamentos municipais que dependiam da polícia para serem facilmente executados”, “do ensino de filiação morfológica e do exame descritivo”, sendo estes últimos ministrados no Gabinete de Identificação497.

A referência à polícia de Buenos Aires não ocorria por acaso. Durante a primeira década do século XX, ambas as forças policiais passavam por reformas modernizadoras. No Brasil, a reforma policial de 1907 criou a figura do comissário, como uma primeira tentativa de organizar um corpo permanente de policiais recrutados através de concursos, ao invés de recomendações políticas498. Subordinados diretamente à figura do delegado e responsáveis pelo controle dos trabalhos dos agentes e das patrulhas policiais, os candidatos deveriam ser brasileiros entre 21 e 60 anos e se submetiam a concurso público, realizando provas de redação, gramática, direito e assuntos policiais. Assim como em Buenos Aires, tais reformas do início do século resultaram também em um crescente processo de eletrificação e mecanização da polícia do Rio de Janeiro, responsável pela

496 BARRY, Viviana. Orden en Buenos Aires. Policías y modernización policial, 1890-1910, p. 21. 497 CARVALHO, Elysio de. Escola de Agentes. In: Boletim Policial. Rio de Janeiro: Imprensa

Nacional, ano I, nº3, junho de 1907. p.17.

498 BRETAS, Marcos. A ordem na cidade: o exercício cotidiano da autoridade policial no Rio de Janeiro, p. 31. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1512190/CA

instalação de telefones nos distritos policiais e pela adoção de automóveis para uma melhor movimentação de policiais e patrulhas499.

O processo de modernização material da polícia portenha vinha com uma proposta de aperfeiçoar o grau de formação de funcionários subalternos que contava muitas vezes, com homens de idade avançada, escassa formação intelectual, chegando alguns a casos de analfabetismo500. A mesma insatisfação era manifestada pelo escritor Elysio de Carvalho, ainda no ano de 1907, que considerava os funcionários da força policial carioca em sua maioria “serventuários inábeis e desastrados (sic), fazendo consistir na grosseria da força física e dos maus modos o seu melhor predicado”501. Frente a tal quadro, o escritor alagoano defendia o projeto de instrução destes homens para construção de “uma polícia profissional e científica”502.

A aproximação entre o ensino da Escola de Polícia e os debates criminalísticos acadêmicos também se encontrou presente na obra escrita por Elysio de Carvalho,

A Polícia Carioca e a Criminalidade Contemporânea, nos indicando como a

criação desta instituição inseria-se em um jogo de disputas locais pouco evidente. Nesta obra, o autor esboçou ao longo dos últimos capítulos uma defesa pela criação de uma Escola de Polícia como uma solução para o problema da incompetência técnica dos agentes cariocas. Para o funcionário da seção de Informação, primeiramente, os saberes do campo de polícia científica deveriam ser ministrados aos futuros delegados não no âmbito da polícia, mas nas Escolas de Direito, “preparando no bacharel em leis o perito policial, o investigador criminal”503. A proposta descrita sugeria ainda que somente estabelecendo um curso de polícia científica anexo à cadeira de Direito Penal nas Universidades que tais funcionários estariam aptos para a sua função504. No entanto, reconhecendo que não seria

499 SAMET, Henrique. Construção de um Padrão de Controle e Repressão na Polícia Civil do Distrito Federal por Meio do Corpo de Investigação e Segurança Pública (1907-1920). Durante

este mesmo período, a polícia de São Paulo passou por um processo modernizador similar ao ocorrido no Rio de Janeiro. Sobre a de modernização das forças policiais paulista, ver: MARTINS, Marcelo Thadeu Quintanilha. Modernidade, polícia e sociedade em São Paulo nas primeiras

décadas da República, 1889-1930. SOUZA, Luis Antonio Francisco de. Lei, cotidiano e cidade. Polícia civil e práticas policiais na São Paulo Republicana (1890-1930).

500 BARRY, Viviana. Orden en Buenos Aires. Policías y modernización policial, 1890-1910, p. 86. 501 No original consta: “serventuários inhábeis e dezasados”. Ver.: CARVALHO, Elysio de. Escola

de Agentes. In: Boletim Policial. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, ano I, nº3, junho de 1907. p. 18.

502 Idem.

503 CARVALHO, Elysio de. A polícia carioca e a criminalidade contemporânea, p. 98. 504 Idem. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1512190/CA

possível inserir de imediato uma cadeira de polícia científica nos programas curriculares das Faculdades de Direito, Elysio de Carvalho propunha a criação de uma Escola Policial que agregasse como alunos, tanto os funcionários do corpo de segurança pública como aqueles que destoavam das trajetórias dos bacharéis de Direito e que quisessem se familiarizar com os conhecimentos do campo de polícia científica.

Desde sua primeira obra criminalística, A Polícia Carioca e a Criminalidade

Contemporânea, o escritor alagoano apresentou a experiência da Escola de Polícia

de Roma, como “a única escola completa de polícia científica atualmente existente, e que funciona como uma clínica junto às prisões romanas505. A publicação de tais escritos revelava não apenas uma aproximação teórica de Elysio de Carvalho com os criminalistas italianos, mas esforços de construção de alianças policiais que já ocorriam um ano antes da fundação da Escola de Polícia do Rio de Janeiro. Em 1911, o Gabinete de Identificação foi convidado por uma comissão executiva italiana – formada por criminologistas como Ferri506 e Ottolenghi507 – para participar da Exposição Internacional de Higiene Social na cidade de Roma. Este evento foi composto por uma seção de criminologia que possuiria três divisões: criminologia, psiquiatria e polícia científica. Convocado para composição desta última, o Gabinete de Identificação do Rio de Janeiro enviou um material composto por uma série de fotografias judiciárias dos serviços técnicos e laboratoriais, além de mapas, modelos gráficos e monografias produzidas por esta seção policial508.

505 CARVALHO, Elysio de. A polícia carioca e a criminalidade contemporânea, p. 88.

506O criminalista italiano Enrico Ferri [1856–1929] tornou-se notório por ser considerado um dos

fundadores da Escola de Criminologia Positivista Italiana, ao lado de figuras como Cesare Lombroso e Raffaele Garofalo. Ao lado de sua atuação como militante socialista e chefe do Partido Socialista Italiano Intransigente, Ferri desenvolveu estudos defendendo que a prática de um ato criminoso seria não simplesmente fruto do livre-arbítrio de um indivíduo, mas também produto de condições biológicas, psíquicas ou sociais. Sobre a trajetória de Enrico Ferri, ver: Gibson, M. Cesare Lombroso and Italian Criminology: Theory and Politics. In: BECKER, P; WETZELL, R. Wetzell (eds.), Criminals and their Scientists: The History of Criminology in

International Perspective, p. 151-157.

507 Criminalista italiano, Salvatore Ottolenghi torna-se uma referência do campo da polícia científica

a partir do seu papel como editor da revista policial Archivio di Pschiatria entre 1880 e 1897 e, a partir deste ano na Rivista di Polizia Scientifica. Em 1896, fundou o primeiro curso de Polícia Científica em Siena e em 1903 fundou a Escola Superior de Polícia em Roma. Ver: GIORGIO, Michele; LABANCA, Nicola (eds.). Salvatore Ottolenghi. Una cultura professionale per la polizia

dell'Italia liberale e fascista. Antologia degli scritti (1883-1934).

508 CARVALHO, Elysio de. Relatório do Diretor do Gabinete de Identificação e Estatística,

correspondente ao ano de 1912, apresentado ao Exm. Sr. Dr. Chefe de polícia do Distrito Federal.

Boletim Policial. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, ano VII, nº1-3, jan.-mar. 1913, p.12-13.

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Tais relações eram marcadas por intercâmbios concretos – que por mais que ocorressem em uma desigualdade de poder – buscavam forjar alianças entre estas instituições policiais, favorecendo uma circulação de uma série de ideias no espaço atlântico.

No final do século XIX e início do século XX, o crescimento do fenômeno da criminalidade marcou o início do regime republicano brasileiro gerando inúmeras insatisfações frente a incapacidade dos policiais em reprimir e controlar o que muitos viam como uma epidemia de gatunos e desordeiros. Segundo o estudo de Bretas, a imagem do policiamento das ruas entre os anos de 1907 e 1930 obtida através dos registros policiais constituía-se entre um misto de violência e preguiça509. A ausência de rondas e patrulhas, sobretudo a noite, junto a episódios de usos abusivos de violência com transeuntes e indivíduos encaminhados à prisão compunham uma série de ocorrências que marcavam o cotidiano do policiamento do Rio de Janeiro do início do século XX510. Além disso, aqueles que patrulhavam as ruas baseavam muitas vezes sua atuação em um conjunto de experiências que se davam no exercício cotidiano de sua profissão, construindo um conjunto de saberes empíricos elaborados a partir das contingências cotidianas e que variavam de acordo a realidade vivida pelos policiais511. Não por acaso, o jornal A Noite publicou uma matéria afirmando que o agente de polícia brasileiro “se encontra numa situação lastimável, quanto à educação moral e profissional e que era preciso educá-lo convenientemente a fim de que possa exercer com inteligência a sua missão”512. Desta forma, tais registros demonstravam como a ineficiência da ação da polícia no controle da criminalidade era vista como um problema tanto frente ao público como pelas autoridades policiais na capital federal. Em meio a este contexto que membros das elites inseridos na instituição policial e inspirados por uma ótica cientificista defendiam um projeto de profissionalização dos agentes.

No entanto, no ano de 1907, a ideia de criação de uma Escola de Agentes elaborada por Elysio de Carvalho não encontrou ressonância no Gabinete de Identificação e Estatística ou mesmo frente ao chefe de polícia, Alfredo Pinto.

509 BRETAS, Marcos. A ordem na cidade: o exercício cotidiano da autoridade policial no Rio de Janeiro, p. 151.

510MARQUES, Pedro Guimarães. Os Olhos de Morfeu: Guarda noturna e vigilância urbana no Rio

de Janeiro (1885-1912).

511 BRETAS, Marcos Luiz. Op.cit, p. 144.

512 A LUTA contra o crime. In: A Noite. Rio de Janeiro, 16 de janeiro de 1912, p. 1.

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Somente em 1912, quando o escritor alagoano já ocupava há um ano o cargo de diretor desta sessão especializada, encontrando-se próximo ao presidente Marechal Hermes, que o chefe de polícia Belisário Távora fundou a Escola de Polícia, como uma resposta as reclamações de mau policiamento que inundavam os jornais da capital federal513. Desta forma, seria por meio de uma coadunação de forças, que unia tanto o aparato estatal quanto os agentes policiais e o público da capital federal, que ocorreu a fundação da Escola Policial do Rio de Janeiro. A instrução e profissionalização dos agentes a partir dos conhecimentos do campo da polícia científica vinham também, em última instância, fortalecer as seções especializadas como o Gabinete de Identificação, que assumia para si a missão de instruir todos os agentes do Rio de Janeiro a partir de sua matéria prima: os conhecimentos científicos aliados à prática policial.

O ingresso na Escola constituía-se como obrigatório para todos os funcionários do corpo de segurança pública e para candidatos a cargos indicados pela chefia514. A ausência nas aulas que não fossem justificadas pelos alunos constava para todos os efeitos como faltas ao trabalho, funcionando como um mecanismo compulsório de assiduidade para estes funcionários. Aqueles que concluíam o curso com aprovação ganhavam um certificado como prova de mérito para a nomeação e promoção515. Desta forma, o curso da Escola de Polícia podia constituir-se não apenas no aperfeiçoamento intelectual e técnico destes policiais, mas como um estágio para o crescimento de sua carreira.

Durante o seu primeiro ano, o programa de estudos previa a existência de um só curso, sob a regência de um mesmo professor: o diretor e escritor Elysio de Carvalho. Além disso, este contava com seis matérias: noções de criminologia, concernentes às causas gerais da criminalidade; o ensino dos métodos de investigação criminal; o conhecimento do mundo dos malfeitores; o ensino prático do retrato falado e da datiloscopia; o conhecimento da fotografia na investigação criminal e os elementos do Código Penal Brasileiro516.

513 Como exemplo, podemos ver a notícia: ESCOLA DE POLÍCIA: ‘interview’ com o Dr. Elysio

de Carvalho. A Imprensa, 4 de fevereiro de 1912, p. 2.

514 CARVALHO, Elysio de. Escola de Polícia do Distrito Federal. Boletim Policial. Rio de Janeiro:

Imprensa Nacional, ano VI, nº4-6, abril-jun. 1912, p.17.

515 Ibid., p.17.

516CARVALHO, Elysio de. Escola de Polícia do Distrito Federal. Boletim Policial. Rio de Janeiro:

Imprensa Nacional, ano VI, nº4-6, abril-jun. 1912, p.16-17.

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No que tange aos saberes de identificação criminal, o programa da Escola de Polícia indicava como a datiloscopia desenvolvida por Juan Vucetich não era apenas um simples processo de identificação judiciária, mas a “base de estudos” do próprio programa da Escola517. O sistema datiloscópico mostrava as vantagens por não apresentar limitações etárias, podendo identificar menores de idade ou mesmo cadáveres sem rosto. Frente aos avanços feitos na obtenção da identificação individual, Vucetich defendia a internacionalização do seu sistema, caracterizando- o “como um idioma legível corrente para todas as polícias do mundo”518. Desta forma, instruir os agentes de polícia sobre as formas de execução do método datiloscópico mostrava-se fundamental tanto para identificar os criminosos que atravessavam as fronteiras e viviam na capital federal, como também para inserção da polícia brasileira em uma rede de polícia científica transnacional.

O estudo de Galeano demonstra com as relações entre as polícias argentinas e brasileiras já ocorriam anos antes da criação da Escola de Polícia e não se reduziam a uma via de mão única519. Anais de congressos sul-americanos, trocas de correspondência, envio de fichas criminais e de estudos criminalísticos indicavam intercâmbios concretos entre estas instituições policiais. No entanto, ao compararmos as propostas das Escolas Policiais de Buenos Aires e do Rio de Janeiro, percebemos as diferenças profundas entre os conteúdos programáticos, e consequentemente, entre os tipos policiais que se pretendiam formar em cada instituição. O projeto de Falcón com a criação de uma primeira Companhia de Cadetes baseou-se em implantar uma instrução sólida de caráter policial e militar520. O programa de formação dos agentes de polícia continha o estudo de temas policiais e militares ministrados pelo tenente do Regimento de Infantaria do Exército. Junto a estes saberes, os alunos eram submetidos a um forte treinamento físico que incluía as práticas de box, de artes marciais e do uso de armas de fogo e brancas, como sabres e baionetas521. Será justamente procurando preparar policiais a partir de sua força muscular e bélica contra os ataques dos malfeitores que a Escola de Falcón distanciava-se da proposta de Elysio de Carvalho. O curso brasileiro que contava

517Ibid., p.17.

518 VUCETICH, Juan. Dactiloscopia. Cuál debe ser la idoneidad del identificador. Su prueba legal en la reincidencia, p. 19- 20.

519 GALEANO, Diego Antonio. Criminosos, viajantes, vigilantes modernos: circulações policiais entre Rio de Janeiro e Buenos Aires, 1890-1930.

520 BARRY, Viviana. Orden en Buenos Aires. Policías y modernización policial, 1890-1910, p. 102. 521 BARRY, Viviana. Orden en Buenos Aires. Policías y modernización policial, 1890-1910, p. 102.

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com a instrução de noções de criminologia e métodos de investigação buscava formar agentes de polícia a partir noções científicas distante da proposta militar argentina. No entanto, tal disparidade nos indica como os exemplos de escolas policiais estrangeiras e mesmo a articulação com o polo de polícia científica portenha eram mobilizados como argumento de legitimação frente a comunidade político-policial brasileira para a fundação de tal instituição de ensino.

Como analisado no capítulo anterior desta tese, os esforços de aproximação do Gabinete de Identificação do Rio de Janeiro com as polícias estrangeiras envolviam o intercâmbio de estudos teóricos produzidos na seção policial carioca. Não por acaso, um exemplar da obra A identificação como fundamento da vida

jurídica foi enviado a cidade de La Plata, para Juan Vucetich. Tal livro inseria-se

em uma série de publicações de brochuras que formava a Biblioteca do Boletim

Policial. Esta coleção, que tinha como objetivo tornar-se um material didático para

os alunos da Escola de Polícia, também funcionava como um instrumento de reiteração dos laços internacionais com os gabinetes de polícia científica fora do Rio de Janeiro. Desde a gestão de Felix Pacheco (1903-1907), o Gabinete de Identificação do Rio de Janeiro tinha grande aproximação com a polícia da província de Buenos Aires, tendo como marco principal o Terceiro Congresso Latino Americano (1905) que ocorrera na capital federal brasileira e que fora um marco responsável pela adoção do sistema datiloscópico no Brasil. Não por acaso, a revista de Buenos Aires dos Archivos de Psquiatra y Criminologia, dirigida por Helvio Fernandez, publicou um artigo sobre a Escola de Polícia do Rio de Janeiro, qualificando-a como um “modelo” frente as Escola de Agentes do mundo.522 Desta forma, mais que apenas uma inspiração para formação da Escola de Polícia, a aproximação que Elysio de Carvalho procurava fazer com a polícia de Buenos Aires tinha como intuito reiterar um dos vínculos policiais mais fortes no espaço sul- americano.

Junto ao ensino do sistema datiloscópico, a Escola de Polícia também previa a instrução dos métodos de fotografia judiciária. Como visto no terceiro capítulo desta tese, a fotografia foi incorporada em meados dos anos de 1870 pelo criminalista francês, Alphonse Bertillon, tornando-se uma grande aliada no processo de identificação de criminosos. Já desde os anos de 1900, a polícia

522 J.G.A. Escola de Polícia. In: Boletim Policial. Rio de Janeiro, maio de 1914, ano VII, nº5, p. 239.

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brasileira publicava através de revistas policiais, as traduções dos resumos dos manuais de instruções de fotografia judiciária escritos por Bertillon, com o intuito de estandardizar as técnicas e reduzir ao máximo os erros e ambiguidades das formas de identificação. Desde este momento, é perceptível como a polícia do Rio de Janeiro buscava inserir-se em uma dinâmica de internacionalização das práticas policiais, defendendo que a fotografia judiciária já se encontrava estabelecida em outras nações civilizadas, como a “Rússia, Tunísia, Prússia, Estados Unidos, Suíça, Bélgica, Espanha e Itália”523.

Aliada a fotografia, a escola propunha-se também a instruir os agentes nas técnicas do retrato falado, também conhecido como assinalamento descritivo. A partir de um tipo de racionalização das velhas filiações criminais usada para auxiliar na prisão dos criminosos, Alphonse Bertillon desenvolveu um sistema para uma

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