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A escola e as famílias: relações

7. O DIÁLOGO ENTRE A TEORIA E A EMPIRIA

7.1 Dever de Casa: A Visão da Escola

7.1.1 A escola e as famílias: relações

Assim como aconteceu nos conselhos de classe, em outros importantes momentos de reflexão sobre o trabalho desenvolvido pela escola pesquisada, a participação dos estudantes e de suas respectivas famílias esteve limitada aos condicionantes, nem sempre democráticos, estabelecidos pela instituição escolar, a começar, já foi mencionado, pela própria elaboração do Projeto Político-Pedagógico.

Dos vinte e um objetivos específicos explicitados no Projeto Político-Pedagógico da escola (2010, p. 11), seis deles57 referem-se de alguma forma ao envolvimento dos pais nas atividades da escola. Nesse mesmo documento (2010, p. 7), consta ainda a afirmativa de que sua construção incluiu a participação dos responsáveis pelos estudantes por meio da aplicação de questionários.

Quando interpelada sobre esses questionários, a vice-diretora informou tratar-se de instrumentos preenchidos pelos pais à época do período anterior de gestão dessa mesma equipe de direção na escola (de 2006 a 2007). Em relação a essa forma de participação dos pais, vale lembrar Veiga & Araújo (2007, p. 31), quando propugnam que ―o projeto político-pedagógico significa uma intervenção no presente visando o futuro‖. Complementam afirmando não se tratar de ―uma negação do passado, mas uma compreensão dele pelas suas determinações presentes, porém visando o futuro‖. A produção de um projeto político não deve, portanto, considerar dados desatualizados não

57 Promover participação dos pais na escola; tornar eficiente a comunicação entre comunidade e escola;

planejar coletivamente atividades culturais, desportivas, religiosas, festivas e pedagógicas, envolvendo representante de todos os segmentos; promover avaliações institucionais periódicas envolvendo toda comunidade escolar; garantir a participação da comunidade na escola, fortalecendo os vínculos, e envolver ativamente o Conselho Escolar nas discussões pedagógicas na escola.

só pelas demandas educacionais que estão sempre se renovando, mas pela própria comunidade escolar, que também se diferencia quanto à sua composição, concepções e expectativas.

A vice-diretora informou ainda que a participação das famílias se havia efetivado também por meio de sugestões coletadas nas reuniões em que eles participaram. Nesse caso, ela não especificou se essas sugestões haviam sido coletadas em reuniões realizadas na gestão anterior ou na atual, uma vez que até o momento da redação do Projeto Político- Pedagógico só havia sido realizada uma reunião com os pais/responsáveis e nela não foi possível observar momentos coletivos destinados especificamente a ouvir e discutir suas opiniões. Ainda a esse respeito, Freitas et al. (2009, p. 34) nos asseguram que a sustentação de projetos políticos pedagógicos depende

do concurso dos múltiplos atores sociais envolvidos com um projeto de formação. Para isso, estes atores devem se encontrar em espaços/tempos que favoreçam a livre expressão de suas idéias, propiciando-lhe condições para um diálogo plural, no qual a linguagem crie formas de inteligibilidade.

Essa sistemática de envolvimento refere-se não só aos momentos de elaboração mas também de avaliação do Projeto Político-Pedagógico, ou seja, nos espaços de reflexão e discussão sobre o trabalho desenvolvido pela instituição.

No dia que a escola se reuniu com essa finalidade, ou seja, para realização da avaliação institucional, os pais/responsáveis e alunos estiveram presentes em horário distinto dos demais segmentos da escola. Também nesse momento não tiveram a oportunidade de debater junto aos funcionários da escola questões que pudessem favorecer a melhoria da qualidade do ensino que oferecido pela instituição. Como já explicitado, pais e estudantes foram ―ouvidos‖ por meio do preenchimento de questionários.

Tendo em vista ser a escola um espaço de vivências democráticas, para que a tomada de decisões acerca do trabalho educativo se desenvolva de forma colaborativa é possível supor que o olhar e a voz dos pais/responsáveis e dos estudantes devam constituir

parte da (re)organização da escola. A esse respeito, Pereira (2009, p. 201, grifos da autora) alude que

A criação de espaços, situações para o exercício da democracia passa pela compreensão de uma escola que, mais do que proclamar um discurso coletivo, constitui-se dia a dia em um espaço da e para a coletividade. Espaço esse que é pensado, gestado e concretizado a partir do posicionamento concepções e falas de todos seus sujeitos.

Portanto, o envolvimento dos pais e estudantes na construção do trabalho escolar deve ir além do registro de suas opiniões e do conhecimento dos resultados advindos de uma tabulação desses pareceres. Essa participação pressupõe ―uma opção política clara de devolver aos atores da escola a condução do processo‖ (SORDI, 2009, p. 39), ou seja, a escola deve deixar clara, a partir de suas ações, a intencionalidade de envolver os alunos e seus responsáveis nas decisões quanto aos rumos a serem percorridos pela escola na condução de seus trabalhos.

Mesmo considerando insuficientes as práticas adotadas pela escola investigada para o envolvimento de pais e alunos nas reflexões sobre o trabalho que desenvolve, vale ressaltar que a avaliação institucional aparentou estar intencionalmente imbuída do propósito de encontrar caminhos rumo ao aperfeiçoamento das ações exercidas pelo estabelecimento de ensino. A preocupação demonstrada pelos membros da direção da escola quanto ao preparo dos materiais e ambientes para a realização desse momento demonstraram esse intento. A esse respeito vale lembrar mais uma vez Sordi (2009, p. 101, grifo nosso), que nos ensina: ―o uso da avaliação a serviço da aprendizagem nos libertará a todos do medo de errar. Aliás, quando a questão é melhorar a qualidade da educação básica não há erro maior do que não tentar.‖

Além disso, a escola promoveu ainda tentativas de aproximação com as famílias por meio de palestras quinzenais, oferecidas de forma especial aos pais/responsáveis. Porém, o decrescente número de pais e a inexpressiva parcela dos demais segmentos da comunidade escolar participantes desses momentos indicam ter havido falhas relacionadas à sua própria organização. A definição de dias, horários, temas, dinâmica de estudo não contaram com a participação dos maiores interessados, ou seja, os próprios responsáveis.

Quando questionada sobre a escolha do dia e horário para a realização das palestras, a diretora da escola justificou ser o dia mais adequado em função da disponibilidade dos membros da direção para estarem presentes ao encontro. Nesse sentido, Dalben & Sordi (2009, p. 161) assevera que ―para aumentar a participação é necessário superar a dificuldade em sincronizar a disponibilidade dos horários das pessoas que compõem a comunidade escolar (interna e externa). Eis uma das mais essenciais ações dos gestores escolares nesse processo‖. Nesse caso, obter uma maior quantidade de pessoas nessas palestras passa por um agendamento que priorize a disponibilidade de tempo de todos os segmentos envolvidos nesse processo, principalmente dos pais a quem esses momentos eram particularmente destinados.

Em relação à escolha dos temas das palestras, vale lembrar um episódio observado em uma delas que auxilia a análise da organização desses encontros. Ao final da 5ª palestra observada, cujo tema era ―Africanidades‖, a diretora finalizou agradecendo aos participantes a presença — o total de responsáveis presentes era quatro, sendo dois homens e duas mulheres — e anunciando um novo encontro, que daria continuidade ao mesmo assunto.

A esse respeito, Dalben & Sordi (2009, p. 159) informam que

para a consolidação da participação da comunidade é preciso considerar o modo como as pessoas pensam e agem; por isso, são observadas duas dimensões nesse condicionante: a visão da escola a respeito da comunidade e o reconhecimento de sua própria concepção de participação popular.

Essas duas dimensões envolvem, segundo os autores, a necessidade de perceber a capacidade da comunidade escolar em envolver-se em ações decisivas do encaminhamento dos trabalhos da escola sem a necessidade de ser guiada ou tutelada nessa direção. Assim, a seleção dos temas abordados nas palestras, bem como sua dinâmica de realização e o seu agendamento, pressupõem estratégias que vão além da coleta de opiniões da comunidade escolar em um caderno de registros, como aconteceu nos encontros. Envolve ainda sua efetiva participação desde o planejamento dos encontros, possibilitando um maior atendimento às suas necessidades e interesses e tornando-os corresponsáveis nesse processo.

É importante ainda ressaltar que não houve também a observação de momentos de reivindicação dessa participação por parte de nenhum dos segmentos da comunidade escolar, indicando assim existir certo conformismo e acomodação a essa situação.

Assim, um contato mais efetivo da escola com grande parte dos pais dos estudantes limitou-se às reuniões bimestrais. Mesmo nesses momentos, houve situações em que até mesmo o discurso da diretora da escola aparentou dubiedade quanto às suas intenções/ações. No momento inicial da primeira reunião do ano letivo, a diretora explicou que podia parecer incoerente dizer aos pais ―preciso de vocês na escola‖ e, ao mesmo tempo, colocar na entrada do prédio uma placa impedindo-os de entrar em seu interior, mas que na verdade esse tipo de atitude visava a uma melhor organização do ambiente escolar.

Exemplificou sua argumentação citando situações em que os pais haviam sido invasivos, tais como: entrando em sala de aula, olhando pela janela, etc. A diretora acrescentou ainda: ―Queremos ser parceiros e não inimigos‖.

Quanto à participação dos pais na escola requerida pela diretora, vale lembrar as reflexões de Sá (2001, p. 70) sobre o termo ―participação‖. Se ele assume, por um lado, uma ―dimensão apelativa‖ e um significado positivo, por outro o caráter difuso e ambíguo que o caracteriza em muitas situações acaba favorecendo o seu uso como estratégia de gestão.

Destarte, solicitar a presença e a parceria dos pais com a escola, ao mesmo tempo em que procedimentos são adotados para mantê-los afastados até mesmo de sua estrutura física indica uma concepção de participação limitada às contribuições que podem oferecer e, em geral, de acordo com as orientações e regras estabelecidas pela escola.

Dada a estreita relação entre a organização do trabalho da escola e de sala de aula discutida por Freitas (2009), conhecer a estrutura organizativa da instituição estudada — incluindo suas relações com as famílias dos estudantes — foi importante para a análise dos dados apresentados a seguir, levantados no principal local onde se realizou a pesquisa: a sala de aula.