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O PROBLEMA INVESTIGADO E OS OBJETIVOS QUE NORTEARAM SEU

A definição da problemática investigada bem como dos objetivos que nortearam seu estudo passou por um processo reflexivo, a começar pelas próprias terminologias comumente utilizadas para nomear a prática de enviar tarefas escolares para serem feitas fora do período de aula.

―Dever de casa‖, ―Para casa‖, ―Tarefa de casa‖, ―Lição de casa‖, ―Atividade para casa‖, ―Atividade para o lar‖, ―Trabalho de casa‖, diversas são as denominações comumente utilizadas para identificar esse tipo de atividade. Os termos conjugados tal como se apresentam não constam nos dicionários (HOLANDA, 1986; BUENO, 1996; HOUAISS, 2007), porém seu desmembramento possibilita uma análise mais detalhada.

―Dever‖, ―tarefa‖, ―lição‖, ―atividade‖ ou ―trabalho‖ são termos que, segundo o Dicionário Eletrônico Houaiss (2007), possuem significados semelhantes: obrigação, conveniência, imposição, esforço, luta, lida, exercício, serviço, diligência ou ocupação com o intuito de alcançar determinada finalidade. Todos indicam em seu significado um encargo, uma incumbência a ser realizada em cumprimento a uma prescrição ou em atendimento a uma necessidade. Sugerem, portanto, atividades nem sempre voluntárias ou aprazíveis. Neste sentido, os termos sugerem uma congruência com a prática comumente observada nas escolas, uma vez que, estendida aos lares por meio dos deveres de casa, as atividades de sala de aula demandam uma rotina doméstica nem sempre agradável e/ou simples de se organizar em detrimento das opções educacionais próprias de cada família e de suas necessidades de lazer e descanso (CARVALHO, 2000a, p. 149).

No entanto, a nomenclatura atribuída a uma prática que conceba como um de seus propósitos promover as aprendizagens dos estudantes deveria indicar uma ação mais prazerosa, uma vez que aprendizagem implica avanço e progresso; logo, condições promotoras de bem-estar.

Ainda segundo o Dicionário Eletrônico Houaiss (2007), o termo ―casa‖ pode ser entendido como ―edifício de formatos e tamanhos variados, geralmente de um ou dois andares, quase sempre destinado à habitação‖. Além disso, o vocábulo pode ainda significar ―lar, família‖ (idem).As acepções desse termo nos levam a crer que nem sempre as denominações imputadas à prática de atribuição de atividades extraclasse se mostram apropriadas, uma vez que aquelas significações nos remetem a um ambiente que costuma compor o imaginário de muitas pessoas quando em contato com a palavra casa, ou seja, um local com uma estrutura física e familiar cujas condições possibilitem, mesmo que com algum sacrifício, a realização de uma simples tarefa escolar. No entanto, a realidade que muitos de nossos estudantes vivenciam fora da escola está distante desse cenário. Muitas crianças, em especial as que se utilizam dos serviços públicos de ensino, não vivem rotineiramente em um local cujas condições estruturais condizem com o suposto pela escola para um adequado cumprimento das tarefas que são enviadas para que sejam feitas fora do período de aula, ou seja, não contam com um ―edifício de um ou poucos andares‖, tampouco com uma ―família‖ ou ―lar‖ cujas condições favoreçam a realização dos deveres de casa.

Mesmo diante das incoerências relacionadas aos termos comumente utilizados para nomear tal prática, optei por utilizar ao longo desse trabalho os termos ―dever‖, ―lição‖ ou ―tarefa de casa‖ para referir-me a toda e qualquer atividade encaminhada pela escola para ser realizada fora do horário de aula, por serem os mais usuais, logo, os mais conhecidos.

Considerando os diversos contextos sob os quais o dever de casa pode ser vislumbrado e analisado, a prática avaliativa desenvolvida pelo professor em sala de aula foi privilegiada nesse estudo pela importância que assume na organização do trabalho pedagógico e, consequentemente, no processo de construção das aprendizagens dos estudantes, oferecendo condições de ―assegurar o progresso formativo dos que participam do processo educativo‖ (MÉNDEZ, 2002, p. 82- 83). A esse respeito, Villas Boas (2004, p. 29) assevera que

A avaliação existe para que se conheça o que o aluno já aprendeu e o que ele ainda não aprendeu, para que se providenciem os meios para que ele aprenda o necessário para a continuidade dos estudos. [...] A avaliação é vista, então, como

uma grande aliada do aluno e do professor. [...] Aprendizagem e avaliação andam de mãos dadas – a avaliação sempre ajudando a aprendizagem.

No entanto, a prática avaliativa desenvolvida em nossas escolas nem sempre tem cumprido sua finalidade educativa, passando paradoxalmente a constituir ―a razão de ser do trabalho que professores e estudantes desenvolvem conjuntamente‖ (SORDI, 2010, p. 26). Ou seja, a avaliação ocupa hoje o papel central do processo pedagógico, tornando-se o foco para onde convergem as tensões e atenções, e não o polo de onde emanam as oportunidades e possibilidades de construção de novas aprendizagens.

Nesse sentido, Sacristán (2000, p. 230) argumenta que ―o peso da avaliação é o que comunica ao aluno a importância que algumas tarefas ou outras têm, um modo ou outro de realizá-las, segundo a ênfase fornecida pela avaliação exigida ou que ele perceba como tal‖.

Assim, conceber a avaliação das aprendizagens como contexto para estudo do dever de casa mostrou-se relevante pela possibilidade de procurar conhecer o ―peso‖ avaliativo concedido a esse tipo de atividade em sala de aula, favorecendo assim uma reflexão crítica acerca de suas implicações no processo de elaboração de conhecimentos pelos estudantes.

O trabalho investigativo foi, portanto, direcionado no sentido de buscar responder a esta questão: qual o papel do dever de casa na organização do trabalho pedagógico de uma turma de anos iniciais do Ensino Fundamental e, de modo especial, no processo avaliativo?

Com o intuito de melhor especificar a questão proposta, foi estabelecido como objetivo geral da pesquisa compreender o papel do dever de casa no processo de avaliação das aprendizagens e, consequentemente, na organização do trabalho pedagógico de uma turma dos anos iniciais do Ensino Fundamental de uma instituição pública do Distrito Federal.

Para melhor encaminhamento do processo investigativo e compreensão do objeto deste estudo, elegi como objetivos específicos:

a) examinar as orientações escolares sobre o dever de casa;

b) analisar como o dever de casa é entendido no âmbito da escola, considerando as relações estabelecidas entre a instituição de ensino e as famílias dos estudantes; c) examinar como o dever de casa se integra ao processo avaliativo da turma

investigada;

d) analisar as reações e percepções de pais e estudantes sobre o dever de casa; e) analisar o entendimento e as expectativas da professora e dos pais quanto ao

dever de casa;

f) acompanhar e analisar a articulação do dever de casa com o trabalho pedagógico de sala de aula: seus objetivos, a frequência com que é requerido, o momento e as formas utilizadas para solicitá-lo e analisá-lo, o tempo que ocupa durante a aula e em casa, a natureza de suas tarefas, suas contribuições e prejuízos para o processo de construção das aprendizagens dos alunos.

Os objetivos ora apresentados nortearam a organização da pesquisa, seu percurso teórico-metodológico e lançaram-me no campo investigativo com clareza dos propósitos almejados.