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CAPÍTULO 5: ANÁLISE DAS ENTREVISTAS

5.1 INSERÇÃO PROFISSIONAL DA PROFESSORA A

5.1.2 A ESCOLA

“O primeiro dia foi ridículo, acho que a maioria das pessoas odiou. Eu acho que é porque era semana do brincar também, mas eu acho que não é só por isso. Chegou uma pessoa fazendo, é, querendo promover a interação entre a gente, tudo bem. Eu entendo isso, mas eu não vejo a necessidade de ser feito dessa forma, de forçar as pessoas a agir de uma forma que não é natural a gente, porque, querem infantilizar a gente quando força a fazer esse tipo de interação, de falar “ah, vamos abraçar o coleguinha...”, sabe... É muito... No primeiro dia a gente vai achando que vai, que vão falar como é a rede, como funciona e não tem isso, não teve isso, nem vá esperando. Ai teve o segundo dia que teve isso mais uma vez, de ciranda, de não sei o que e aí começaram a explicar um pouco mais sobre como funciona. No terceiro dia, aí já falaram questão de evolução, como que funcionam essas coisas e tal. Mas eu achei que faltou falar sobre a concepção de educação, sobre falar o que é o QSN20, por exemplo, eles entregaram para nós uma edição [...]”

O episódio narrado pela entrevistada revela uma forma infantilizada de socializar o novo professor, forçando-os a algo que não é natural deles. Romanowski (2007, p. 131) diz que “[...] uma das principais preocupações com a formação docente corresponde aos primeiros anos da docência, sistematicamente esquecida pelas instituições formadoras e mesmo pelos sistemas de ensino”.

Além disso,

Se observarmos como as profissões incorporam e socializam os novos membros, nos daremos conta do grau de desenvolvimento e estruturação que têm essas profissões. Não é comum que um médico recém - egresso realize uma operação o de transplante de coração. Nem, muito menos, que um arquiteto com pouca experiência assine a construção de um edifício. Não se permite a um piloto com poucas horas de voo que comande um Airbus 380. Poderíamos dar mais exemplos que mostrariam que as profissões tentam proteger seu próprio prestígio e a confiança da sociedade e de seus clientes, assegurando que os novos membros da profissão tenham as competências apropriadas para exercer o ofício. [...] O que poderíamos pensar de uma profissão que deixa para os novos membros as situações mais conflitivas e difíceis? Isso acontece, no entanto, no ensino (VAILLANT; MARCELO GARCIA, 2012, p. 135)

Giordan; Hobold (2014) afirmam que para que um programa de formação continuada tenha sucesso é importante a realização de diagnóstico das necessidades formativas dos professores, pois, um dos princípios dos programas de formação de professores consiste em fornecer respostas para as necessidades de desenvolvimento profissional indicadas por eles.

Assim, evidencia-se que a formação oferecida aos professores ingressantes é pouco adequada às suas necessidades formativas. Apoia-se na infantilização e não possibilita ao novo professor um visão geral da rede de ensino. Neste âmbito, encontramos no Programa de Residência Pedagógica uma concepção de formação diferenciada, que insere o aluno no seu ambiente escolar.

5.1.2 A ESCOLA

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Para discutir a dimensão da escola é necessário explicar que a entrevistada possui uma característica extremamente importante: todas as suas experiências na docência, com exceção aos meses em que trabalhou em uma escola particular, aconteceram na rede municipal de Guarulhos e numa mesma escola. Esta instituição, além de ser campo de Residência Pedagógica, possui parceria com a universidade em vários projetos de extensão.

A entrevistada realizou duas de suas quatro Residências, Educação Infantil e Educação de Jovens e Adultos; dois projetos de extensão universitária: Relações Étnico-Raciais e Formação de Professores e Projeto Akoni: História e Memória; e desenvolveu seu trabalho de conclusão de curso nesta escola. “[...] Até no meu TCC falar sobre isso, sobre a escola, agradecer as professoras, dedicar a elas o meu TCC, porque o meu trabalho foi dedicado às professoras e à gestão [...]”.

Em meio a esta longa imersão na escola, após a aprovação em concurso público e na oportunidade da atribuição de aulas, a entrevistada optou por voltar para essa mesma instituição, porém agora como professora no Estágio II21.

“Eu cheguei e entreguei um papelzinho que eles dão para levar, acho que chama ordem de serviço. Aí me chamaram a coordenadora, ela falou comigo tal, aí me levou na sala dos professores que era dia de H.A22. Aí ela me apresentou. Aí eu tinha comentado com ela alguma coisa, não lembro o que... Aí eu falei que conhecia a escola porque tinha feito PIBID lá, aí ela, “ah ta, você conhece [...] Aí ela apresentou assim, mas os locais não... De forma geral não apresentou salas, nada. Mas também eu já sabia mais ou menos me localizar lá dentro. E por exemplo, em relação à sala de material, onde tem, o que tem, o que eu podia pegar, isso não. Isso eu fui vendo e perguntando para outras professoras e estou tentando ainda me encontrar nessa questão. Por exemplo, eu não sei o que tem lá23 disponível para eu pegar, que horas eu posso, qual o horário das outras HA para eu não entrar e ficar atrapalhando, esse tipo de coisa.”

Neste trecho é possível perceber que a professora, embora conhecesse a escola e algumas professoras, sentiu falta de ser apresentada aos materiais, o que ela poderia utilizar e quando; o que a escola tem disponível. Cabe ressaltar que a entrevistada não foi apresentada aos funcionários da secretaria, à gestão da escola, funcionários de cozinha e limpeza, apenas aos professores em hora-atividade.

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Anos finais da Educação Infantil 22

Na rede em questão, a Hora Atividade (HA) ocorre três vezes por semana e possui como finalidade a formação continuada dos professores por intermédio do coordenador pedagógico e apoio da Secretaria Municipal de Educação.

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Nesta escola, a sala de materiais está localizada dentro da sala dos professores. Além disso, a escola funciona em três períodos: matutino, intermediário e vespertino.

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De acordo com Marcelo Garcia (1999, p.118) o ajuste dos professores a sua nova profissão depende “[…] das experiências biográficas anteriores, dos seus modelos de imitação anteriores, da organização burocrática em que se encontra inserido desde o primeiro momento da sua vida profissional, dos colegas e do meio em que iniciou a sua carreira docente”.

Isso quer dizer que os professores já trazem consigo muitas experiências sobre o ser professor, desde a sua própria trajetória como estudante, nas séries anteriores à formação inicial, bem como as novas vivências culturais que se engendram no espaço escolar e na interação com os colegas professores e estudantes.

No caso da entrevistada, a sua trajetória enquanto aluna do curso de Pedagogia da UNIFESP possibilitou que ela tivesse uma vivência aprofundada nesta escola, causando-lhe expectativas positivas no momento de seu retorno, como professora. Contudo, de acordo com a entrevistada, devido à uma mudança da gestão a escola estava diferente, valorizando outros aspectos no processo de ensino-aprendizagem.

“[...] Esvaziou muito a escola, esvaziou as HAs, esvaziou a formação teórica-política das professoras, de ouvir opiniões diferentes, elas não se expressam, elas não falam. E eu acho que a coisa mais sintomática foi que agora elas estão num momento de escolha, eleição da coordenadora pedagógica, vice-coordenadora pedagógica e aí algumas vezes vão algumas pessoas lá na HA para se apresentar e para depois o grupo escolher.”

Constata-se neste excerto um embate entre as expectativas que a entrevistada construiu ao longo de sua experiência enquanto estudante e aquelas que vivencia agora como professora, sobre uma mesma escola.

Em relação à coordenadora pedagógica, a entrevistada explica que “[...] Ela está sempre atendendo pais, fazendo alguma coisa então não tem muito tempo. E quando ela está lá na hora atividade ela só fica falando, falando [...]”

Em relação à escolha da classe a professora explica que existe um descompasso entre as informações da escola e as informações passadas pela Secretaria de Educação como se pode observar no excerto abaixo:

“Eu não entendi muito bem como é que funcionava essa coisa da turma por que quando eu fui na atribuição lá na Secretaria de Educação falaram que eu tava, eu iria substituir uma licença de INSS que a qualquer momento o professor voltaria, chama... Teoricamente se chamaria R. Mas eu falei “não, eu quero essa escola por que eu conheço e quero trabalhar nela. E mesmo que eu tenha que sair a qualquer momento eu quero correr o risco de conhecer melhor...” Só que quando e cheguei na escola eu vi que não era isso, tem informação muito errada lá na Secretaria da Educação. E não foi só comigo, aconteceu com outras pessoas também. Ai eu fui conversar e pelo menos na escola ninguém sabia quem que era R. e que estava em licença de INSS, como assim? Ninguém sabia disso.”

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