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2 OS MURA ATRAVÉS DA HISTÓRIA, ANTROPOLOGIA, LITERATURA E

2.4 A ESCOLA MURA: HISTÓRIA, PROTAGONISMO E EDUCAÇÃO

O breve histórico da educação escolar nas Aldeias Mura, compilado a partir do livro Aldeias Indígenas Mura (SILVA ET AL., 2008), é o resultado da importância adquirida pela questão entre os professores e lideranças Mura. O resgate e síntese das informações reconstitui o processo de instalação de escolas nas Aldeias, e a atuação dos professores contemporâneos ao fortalecimento da educação escolar indígena representa uma rápida amostra sobre o protagonismo dos professores (Figura 5). As informações presentes no livro comprovam isto. Ao mesmo tempo, os

nomes citados fazem parte de sua significativa atuação neste campo, entretanto o êxito das conquistas não se restringiu aos mesmos; o desafio pertenceu à coletividade. A título de esclarecimento, cabe ressaltar que os professores e lideranças ora presentes no texto estiveram mais próximos ao pesquisador.

Figura 5 – Protagonistas: professores e líderes Foto: Rony Martins.

Sobre as Aldeias Mura que possuem escola e o protagonismo indígena em torno da escolarização, constam as informações que seguem, porém este processo transformou-se em função do tempo transcorrido desde que as mesmas foram registradas.

Na Aldeia Igarapé-Açu a escola chega em abril de 1983. A denominação de Escola Municipal Capitão Getúlio representa uma homenagem à primeira liderança da Aldeia, Artur Cruz dos Santos (Capitão Getúlio). Entre os professores que lá

trabalharam estão Alderico Vieira Neto25 (61 anos) o qual em 1998 passou a fazer

parte do quadro de professores, e Alcilei (35 anos) a partir de 1999. No ano seguinte a escola oferecia o ensino de 1ª a 4ª série e atendia a 56 alunos (SILVA ET AL., 2008, p. 54-55).

A Escola Indígena Coronel Rondon localiza-se na Aldeia Cuia e está sob a

gestão de Joab dos Santos Ferreira26 o qual, a partir de 1999, juntamente com

Jerson, tornou-se professor titular na administração da escola e entre 2000 e 2002 os mesmos foram escolhidos para atuar como professores.

Em Aldeias mais antigas como a Gapenu, o registro de informações foi possível recorrendo-se à memória de moradores que lembram como era o acesso à escola no passado:

antigamente existia uma escola próxima à Aldeia do Paracuúba, no lugar chamado laguinho do Acarape, que chamava-se Santa Luzia do Acarape onde os aldeados iam estudar, desta escola um professor (Sebastiao Pereira foi ensinar a ler e escrever o povo de algumas Aldeias: Gapenu, Pantaleão, Tambor e Paracuúba) (p. 64).

Entre 1988 e 1992 foi construído o primeiro prédio escolar na Aldeia Jauari, o mesmo que se encontra já desativado por falta de condições de uso. A solução é utilizar o centro comunitário, que apesar de não oferecer plenas condições ao trabalho escolar ainda assim é mais espaçoso e arejado. Só no período das chuvas é que tudo fica mais difícil (SILVA ET AL., 2008, p. 164).

A Escola Vidal Gomes de Mello, batizada com o nome do administrador, era o local mais próximo (na boca da Aldeia do Cuia) para se estudar, mas estava desativada.

Em seu lugar foi criada a Escola Rural Gapenu. Nesta a professora Maria Rita Pereira começou a ministrar aulas em 1988 e Gilberto dos Santos Pereira no ano seguinte. A partir de 2000 a escola passou a ser administrada por professores Mura. Atualmente a Escola Novo Horizonte atende alunos da educação infantil e de 1ª a 8ª séries.

Na Aldeia Jabuti, na Escola Waworê, que em Satere-Mawê significa jabuti, nome dado por antigo professor desta etnia, a educação escolar foi introduzida em 1995.

Sobre a escolarização na Aldeia Josefa, registra-se que, de acordo com o senhor Manoel Carlos de Souza, ex-tuxaua da Aldeia, a escola de “conteúdo aculturativo” foi introduzida em 1916 pelo SPI.

Até 1998 existia a Escola São Francisco e a Escola São Marçal. Esta foi nucleada com a Nova Esperança e a Aldeia passou a ter uma única escola: a Escola

Nova Esperança (SILVA ET AL., p. 181). Em 2002, no entanto, uma nova escola foi construída na Aldeia, chamada Professora Elcy de Almeida Prado (SILVA ET AL., p. 183).

Há mais de 56 anos as aulas eram ministradas por professores não índios, funcionários encaminhados pelo SPI em Murutinga, Aldeia Mura mais populosa. Estes começaram a chegar à Aldeia a partir de 1968, contratados pela prefeitura de Autazes. Uma década depois novos professores “brancos” foram contratados, mas as condições da escola deixavam a desejar por falta de espaço físico, pois as salas de aulas funcionavam na igreja, no botequim ou no centro social da Aldeia. Durante o período chuvoso os alunos, pelas condições adversas, baixavam seu rendimento ou evadiam da “escola”.

Atualmente a Escola Indígena Manoel Miranda tem aproximadamente 239 alunos distribuídos em turmas de Educação Infantil até a 8ª série. A escola possui um rocado de mandioca para complementar a merenda escolar (SILVA ET AL., 2008, p. 231).

A Aldeia Paracuúba também possui escola, chamada Sete de Setembro, mas a primeira escola desta área funcionava na fazenda Acarapé do outro lado do rio, área não indígena aonde os alunos iam para estudar. Apenas em 1986 a escola passou a funcionar dentro da Aldeia, na casa do senhor Argemiro Correia (SILVA ET AL., 2008, p. 261).

Em 1977 a Aldeia Trincheira passou a ter educação escolar, porém a aprendizagem de leitura e escrita não era praticada em um prédio próprio, o que ocorreu somente em 1990, quando o tuxaua Damázio e alguns pais construíram o prédio para a escola e a denominaram Escola Municipal Rural Trincheira. Esta foi desativada no ano de 2000 para a construção de outra com seis salas de aula.

Entre os professores que trabalharam na escola estão Mariomar Moreira de Souza em 1994, e José Roberto Marques dos Santos que trabalhou em 1999 e no ano seguinte transferiu-se para a Escola Novo Horizonte na Aldeia Gapenu. Matilde, que transferiu-se da escola Dr. Jacobina na Aldeia São Félix, trabalhou na Aldeia Trincheira em 2001, e também Jerson um ano depois.

Em 2004 a professora Rosa Coelho Martins transferiu-se da Aldeia Trincheira para a Aldeia São Félix para lecionar na Escola Dr. Jacobina. Neste ano Mariomar assume a gestão até julho de 2005, depois vai para a coordenação da Opim e do

SEEM na Semec Autazes, e, em 2006, o professor Alderico é lotado na escola da Aldeia (p. 345).

Encerrando o breve histórico cabe mencionar que em relação aos nomes das escolas em algumas das aldeias em que não observa-se nenhuma alusão ao imaginário ou representação Mura, tais como da Escola Indígena Coronel Rondon na aldeia Cuia e a Escola Sete de Setembro na aldeia Paracuúba, os referidos nomes foram herdados simplesmente a partir da municipalização da educação escolar indígena. Há contudo, a vontade e o interesse de muitos professores na mudança de nomes cujo significado não corresponda ao imaginário Mura.

A Escola Municipal Indígena Dr. Jacobina é a escola da Aldeia São Félix. Nesta escola foram realizadas as observações sobre a escolarização Mura. No Capítulo seguinte será contextualizada a sua situação em relação à educação escolar, no entanto o que se pode salientar é que a comunidade aguarda a construção de um novo e amplo prédio para a mesma.

Enfim, mediante a exposição do panorama que estabelece o lugar da educação escolar no processo histórico da etnia, percebe-se o destaque que o ensino formal vem ocupando na pauta das reivindicações do movimento (Figura 6).

Figura 6 – Reunião da Opim Foto: Rony Martins.

A educação escolar indígena para os Mura representa uma questão defendida no próprio contexto da escola, ou seja, pedagogicamente estão procurando responder às determinações de uma instituição que atenda aos seus interesses e expectativas. Os Mura assim narram este processo:

Os professores indígenas não eram reconhecidos pela secretaria municipal de educação como categoria específica e, por não possuírem a menor qualificação, tinham que aplicar obrigatoriamente a metodologia utilizada pelas escolas do estado com conteúdos programáticos preestabelecidos, alheios por não contemplar em nenhuma situação a realidade vivida pelos alunos em suas Aldeias. A chamada “grade curricular” era elaborada pela Secretaria de Estado da Educação e repassada para a Secretaria Municipal de Educação que, conseqüentemente, repassava para as escolas da zona rural, onde as escolas indígenas estavam inseridas. De cumprimento obrigatório, o currículo utilizado resultava, assim, num elevado índice de reprovação dos alunos. Nessa época ainda não se falava em educação escolar indígena, muito menos do cumprimento da política educacional voltada para a valorização da diferença cultural entre os povos indígenas, embora já existissem (SEMEC, 2003, p. 10).

A retomada da escola sob a perspectiva do movimento indígena, todavia, corresponde a uma causa que significativamente vem qualificando o protagonismo dos professores e lideranças diante dos desafios da escolarização, pois a escola concebida historicamente ao indígena não estava voltada a estes. Segundo os professores Mura

A função dessa escola na Aldeia continuava com os mesmos propósitos de antes, “civilizar” e “integrar” o povo indígena à sociedade envolvente, contribuindo cada vez mais para a descaracterização de nossa cultura, desestruturando nosso povo e nossa organização, estabelecendo cada vez mais uma relação de dominação, tornando-nos “caboclos” frente à sociedade local e envolvente. O próprio índio Mura não se reconhecia como tal, tinha vergonha de sua própria identidade em razão do alto nível de preconceito e discriminação. O que existiam na realidade eram escolas de não-índios funcionando dentro de nossas Aldeias, de indígena não tinha nada (SEMEC, 2003, p. 10).

O capítulo que se encerra, portanto, pretendeu apresentar a perspectiva interdisciplinar que norteou a pesquisa. No tocante à parte final do mesmo e sua relação com os enfoques que a precederam, a justificativa encontra-se no fato de considerar interessante um aporte relativamente atual da história Mura, uma espécie de contraponto à representação até certo ponto cristalizada sobre o Mura, apresentada pela historiografia.

Figura 7 – Desenho de aluno representando o Mura Autor: Jorel, 8º. Ano

3 ETNOGRAFIA ENTRE OS MURA: ESCOLA E EDUCAÇÃO INDÍGENA NO