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3 ETNOGRAFIA ENTRE OS MURA: ESCOLA E EDUCAÇÃO INDÍGENA NO

3.4 ESCOLA E EDUCAÇÃO INDÍGENA PARA O MURA

A escola ocupa um espaço central no presente estudo. Os professores e lideranças mencionados no decorrer da dissertação mantêm relação direta com o processo descrito. Além disso, a percepção do espaço geográfico tem como ponto de referência o prédio escolar (Figura 1). Em suma, a Escola Dr. Jacobina é o espaço das práticas pedagógicas específicas, interculturais e comunitárias, onde o protagonismo indígena exerce a defesa da educação e identidade Mura.

Neste sentido é que Alcilei sintetiza alguns dos objetivos da escolarização que sua etnia vem realizando.

Como o ensino-aprendizagem em nossas escolas é desenvolvido conforme as necessidades e interesses dos alunos e da Aldeia, levando em conta os relatos históricos repassados pelos mais velhos, pajés, lideranças, parteiras, agente de saúde, pais e membros da Aldeia, para que os assuntos estudados ou pesquisados a partir desses instrumentos formem novas idéias críticas; gerem discussões e reflexões, produzindo novas idéias para a mudança do processo educativo, internalização e resolução dos problemas detectados (DVD Yandé Anama Mura, 2009).

A educação acompanhada reproduz-se a partir tanto das salas de aula quanto das experiências cotidianas junto ao grupo no contexto da Aldeia. Isto corresponde aos objetivos dos coordenadores pedagógicos, gestores e professores Mura em relação à educação escolar indígena introduzida em suas Aldeias.

comunidade, é saber pescar, é ter direitos como índio, pra mim ser Mura é isso. O não índio quer ser índio, por que o índio tem mais direito do que ele e também ele quer tomar as terras dos índios. 8ª – Robson, 18 anos, (Matemática): Um mura é por que, cada uma pessoas tem o seu custumi, como de caça, pesca, etc. Hoje tem índio que sai do interior para morá na cidade e conviver com os branco, e o que ele tinha no interior já é passado. (3ª) Elen, 11 anos: Ser Mura pra mim é legal, é muito importante, é brincar. Ele só quer desmatar a floresta dia após dia. Nós não queremos que desmatem a floresta por que fica difícil plantar alimentos. (5ª) Nirlene, 14 anos, Matemãtica: Trabalho em minha casa. Tenho muito orgulho de ser Mura. Têm muitos não índio que vem mostrar coisas boas, têm outros que querem terras que não são suas. Assim vemos o não índio bons e ruins. (5ª) Alessandro, 14 anos, Ciências: Tenho orgulho de ser Mura, poder caçar e pescar. Muitos chegam querendo tomar as terras indígenas.

Além das expectativas suscitadas na comunidade em relação ao futuro profissional dos alunos, a educação escolar, na medida em que atua como um centro de convergência, pode representar um espaço de formação de novos protagonistas no movimento indígena.

Fazem parte da comunidade escolar alunos provenientes da Aldeia Natal, da “boca da estrada” e Aldeias vizinhas como Cuia, Gapenu e Pirapitinga, além das crianças e jovens de São Félix. Este aspecto está ligado à espacialidade da região que se caracteriza ainda pela proximidade do centro urbano de Autazes. Isto reflete sobre a identidade, as práticas tradicionais e a cultura Mura em geral, no entanto a questão deve ser relativizada sob a perspectiva intercultural. Assim sendo, constatou-se um espaço onde se reproduz relações deste caráter a partir da diversidade de público atendido pela escola, como também pelo contato intenso com a sociedade envolvente.

a educação indígena assenta-se em princípios que visam salvaguardar a sua visão de sociedade, seus valores ancestrais, as noções elaboradas culturalmente conforme cada etnia, bem como a formação de crianças e jovens a partir das especificidades dos diferentes povos indígenas (MEC, 2002, p. 23).

Para os Mura, a escola não representa o único lugar em que se apreende, pois as experiências cotidianas junto aos parentes e comunidade são importantes para o crescimento e formação do sujeito. Alertaram-me, todavia, para deter a atenção também às manifestações extraescola. Segundo eles, a educação indígena desenvolve-se desde muito cedo, prolonga-se por toda a infância Mura e ocorre junto a família e parentes.

Da escola passei a focar a atenção em outros ambientes onde a educação também ocorre.

As observações na escola e no restante da Aldeia permitiram perceber ambas as concepções da educação realizada pelos Mura. Se por um lado as conversas informais e entrevistas com moradores deixam claro o papel que a escolarização desempenha na vida dos alunos, por outro, acompanhar as brincadeiras e jogos de um grupo de curumins nos espaços explorados na mata, bem como nas áreas de lazer da Aldeia, evidenciaram, entre outras coisas, atributos e habilidades transmitidos entre gerações.

Conforme as perspectivas apontadas por professores e lideranças, as expectativas quanto à profissionalização e à melhoria da qualidade de vida é

almejada pelos pais para seus filhos.56

Muitas dificuldades são identificadas no contexto da escola indígena. Aos alunos de outras localidades, ou mesmo os de São Félix, o período das chuvas traz a umidade, o lodo, inundações nos caminhos para chegar à escola; as fortes chuvas molham cadernos e roupas dos desavisados. Os moradores de várzeas necessitam cuidados redobrados para se dirigirem ao transporte fluvial, pois não é rara a

presença de cobras no meio da canarana.57 Os que dependem do transporte

terrestre, por exemplo, torcem para este não atolar ou conseguir chegar até algumas casas, pois há áreas que inundam e não permitem o acesso. Na sala de aula, as telas das janelas se rompem com o tempo e deixam de impedir que os insetos entrem e perturbem o sossego e a concentração de alunos e professores. Na saída das portas estão os sapos que são atraídos por insetos que, por sua vez, são atraídos pela luz.

A escola tem como pressuposto a especificidade cultural da etnia. As práticas pedagógicas procuram dar a devida ênfase sobre a educação indígena, pois a comunidade escolar de São Félix valoriza igualmente tal concepção. Fora da escola o aprendizado Mura prossegue e a educação indígena é definida da seguinte maneira:

A educação indígena é aquela que nós aprendemos no nosso dia-a- dia. São os modos como aprendemos e repassamos os nossos hábitos, costumes, crenças e tradição. Ela é transmitida de pai para filho. Em nossa Aldeia os pais ensinam seus filhos a preparar os utensílios que serão utilizados nas atividades de pesca e caça, bem como a fazer artesanatos. Costumamos preservar os lagos, igarapés, rios e cabeceiras. Retiramos os alimentos da natureza sem precisar agredi-la. Tudo isso nos é ensinado. A mãe ensina como fazer as vestes, preparar os alimentos, cuidar dos irmãos e os cuidados que devemos ter com a casa. Toda essa orientação que recebemos de nossos pais é para poder enfrentarmos a vida quando adulto. É ensinado na educação familiar como evitar brincadeiras que prejudiquem as pessoas, bem como falar palavras obscenas. Na Aldeia se adquire educação na família, no trabalho, nas reuniões, nas festas, no campo de futebol e na escola (SILVA ET AL.,2008, p. 290).

56 Depoimento de dona Marivalda, moradora de uma localidade próxima à Aldeia Natal, que ainda tem filhos estudando na Escola Dr. Jacobina, relata que os demais filhos concluíram o Ensino Médio em Autazes e lá moram e trabalham. Deixa entender que o esforço seu e dos filhos para estudar valeu a pena. Conversei informalmente com dona Marivalda após uma reunião na Aldeia São Félix. No barco que faz o transporte escolar, juntamente com a gestora da escola, acompanhei os presentes na reunião no retorno até as localidades próximas.

Desde as primeiras visitas à Aldeia São Félix, procurei situar as crianças e adolescentes no cotidiano da Aldeia, pois são eles, afinal de contas, que estabelecem relações com a escola e com os saberes produzidos em seu interior. As considerações sobre a educação indígena, formuladas a partir da observação participante do contexto extraescola, serão apresentadas a seguir; elas foram sintetizadas a partir de situações cotidianas.

As crianças Mura brincam na Aldeia em plena liberdade. Quando estão junto ao grupo não há necessidade de vigilância ou excesso de proteção por parte dos

membros da família (Figura 20). Os curumins58 e cunhatãns devem apreender o

“jeito Mura de ser”. No cotidiano da Aldeia muitos conhecimentos são necessários às crianças, pois as brincadeiras praticadas envolvem atividades relacionadas a habilidades e atributos de força e coragem diante da realidade sociocultural em que vivem. A floresta e o rio representam desafios naturais ao aprendizado das crianças, no entanto passam a ser vencidos no decorrer do seu crescimento. Desde muito cedo uma relação de proximidade e harmonia com o contexto geográfico da Aldeia torna-se fundamental. O cotidiano das crianças é cheio de brincadeiras, jogos e descobertas.

As crianças acompanham as atividades de seus pais e parentes durante toda a infância, devem seguir seus exemplos no que diz respeito aos hábitos e especificidades.

A educação indígena neste sentido, específica por partir da família é contextualizada em sala de aula através das práticas pedagógicas dos professores Mura. Eles ressaltam a importância disso como algo que fortalece a sua identidade. O Mura deve aprender acima de tudo a sobreviver como tal, caso o contrário tentará viver na cidade correndo o risco de ser explorado e marginalizado.

A escolarização por sua vez, a partir da autodeterminação indígena, segundo os professores, é uma realidade relativamente nova para o Mura, no entanto ela representa uma conquista, e, que a mesma pode garantir outras mais. Será através da educação formal que seus direitos serão defendidos perante a sociedade envolvente.

58 Curumim: a expressão refere-se ao garoto indígena (criança e pré-adolescente), na aldeia havia um grupo que reuniam-se para brincar e realizar diversas atividade na aldeia e na mata. A expressão de tratamento não segue uma regra é involuntário e indistinto o seu uso.

Figura 20 – Liberdade e aprendizagem Foto: Rony Martins.

Durante algumas visitas, tive a oportunidade de acompanhar um grupo de curumins entre 9 e 10 anos de idade em uma de suas explorações, próximo à Aldeia e em algumas fazendas que fazem limites territoriais com São Félix. Era época de colheita da castanha e haviam muitos ouriços dispersos pelo chão caídos das

castanheiras. Resolvi participar da coleta com eles.59 A busca dos ouriços ocorreu

de manhã bem cedo. Com muitos ouriços cheios de castanha é necessário abri-los para tirá-las. O ouriço é bastante duro, assim como descascar a castanha. Desde cedo os curumins aprendem a manejar facas ou terçados e praticam esta atividade como pode ser observado abaixo (Figura 21).

59 Os ouriços de castanha tem a aparência de bolas de madeira, de superfície dura e rugosa; são difíceis de ser apanhados se estiverem no alto da castanheira, subir em uma castanheira é tarefa quase impossível pois a árvore é altíssima, acertá-los para derrubá-los exige força e precisão – o que alguns dos garotos demonstravam já possuir. No entanto, os ouriços da castanha quando estão maduros acabam caindo dos galhos sozinhos mesmo. A quantidade de ouriços colhidos tornava difícil o deslocamento em busca de mais castanheiras, bem como o seu transporte até a aldeia. A solução foi deixá-los em algum lugar escondido, embaixo de palhas. No caminho de volta para aldeia cada um dos curumins, eu inclusive levava um ouriço em cada mão, quando de repente um deles falou para jogarmos os ouriços no chão para que rolassem para o acostamento da estrada, não demorou avistei um homem á cavalo que saía pela porteira da fazenda. Segundo eles, era alguém que conheciam, encarregado da segurança do local. Naquele momento descobri porque jogar os ouriços para o acostamento e o fato de não transportarem naquele horário mas sim bem cedo, na manhã do dia seguinte (Diário de campo 14/01/2010).

Figura 21 – Curumins descascando castanha Foto: Rony Martins.

Percorrer os caminhos que cercam a Aldeia é bem mais que simples aventura para os curumins, tal atividade contribui ao desenvolvimento de senso de orientação e representa um importante teste de coragem ao pequeno Mura (Figura 22), da

mesma forma que brincar de esconde-esconde em meio ao murinzal60 (Figura 32),

enquanto o rio não encher de água a várzea em frente à escola.

Os garotos entre 9 e 11 anos passam a reunir-se para praticar tais atividades quando não estão na escola. Alguns andam sozinhos mesmo a noite como um amigo de Marcílio (Davi), que morava em uma fazenda onde seu pai trabalhava. Brincava e assistia televisão com os garotos da Aldeia até a noite, depois voltava para casa. Na manhã seguinte passava pela casa de Matilde, levando retalhos de queijo para o café, antes de ir para a aula. Em outra oportunidade, encontrei Davi no centro de urbano de Autazes (Diário de campo 29/01/2010).

60 Murinzal: como é chamada a vegetação de murim; ou canarana: alta gramínea das margens dos rios amazônicos. Alimento preferido pelo peixe-boi. O gado muitas vezes se sacrifica descendo enormes barrancos para pastar a canarana que é sua forragem preferida (MELLO, 1983, p. 35).

Figura 22 – Curumim colhendo goiaba-araçá nas terras de uma fazenda próxima a Aldeia

Foto: Rony Martins.

Além de frutos coletados nas redondezas, entre matas e fazendas ao redor da Aldeia, também foi possível presenciar após algumas incursões que traziam pequenos insetos e filhotes de pássaros. Registrei algumas das brincadeiras com

insetos (Figura 24 e 25). Brincam com gias61 e paquinhas;62 fazem lutas de Louva-a-

Deus; treinam a pontaria de baladeira63 e arco e flecha em pássaros, gatos64 e cães;

61 Gia: espécie de rã.

62 Paquinha: espécie de besouro noturno.

63 Baladeira: funda ou bodoque; consiste na forquilha de madeira e a manga de borracha.

64 Observei que um grupo de cães aparecia sempre embaixo da janela da cozinha para comer restos de alimentos jogados. Diante desta cena, indaguei à anfitriã por que quase não se via gatos. Explicou que devido ao fato que em muitas casas existem giraus, eles sobem e derrubam utensílios. Os cães, por sua vez, colaboram na limpeza e comem os restos de qualquer coisa jogada pela janela. Diante da constatação, houve uma noite em que avistei um bichano em frente à casa, então chamei Marcílio para testar sua pontaria. O gato sumiu na escuridão, várzea afora.

não temem aranhas nem morcegos. Estes são vítimas em potencial quando

aparecem. A caba,65 no entanto, é temida até por adultos.

Figura 23 – Curumins brincando na várzea alagada em frente à Aldeia Foto: Rony Martins.

As garotas, por sua vez, interagem bem mais entre faixas etárias do que os jovens do sexo masculino, ou seja, elas realizam atividades em companhia de crianças menores. Elas brincam e cuidam das crianças pequenas e realizam atividades domésticas. Ao chegar à fase da adolescência se estiverem preparadas para o casamento deixam a casa dos pais aumentando assim o número de famílias da Aldeia.

A Mura além de realizar os afazeres da casa gosta de jogar voleibol e futebol. Na partida que acompanhei três gerações estavam reunidas, jogavam mãe, filha e neta juntas (Diário de campo 20/01/2010).

Na Aldeia as oportunidades de observar as garotas juntas era durante o futebol, algumas que brincavam próximo da casa da gestora Matilde e um grupo de estudantes da Aldeia Natal.

Figura 24 – Curumins posando para a foto com gias na mão Foto: Rony Martins.

Os curumins acompanhados reuniam-se em torno de Marcílio, filho do meio de Matilde. Durante as manhãs ou após o término da aula eles saíam para explorar o universo da fauna e da flora. Retornam comendo alguma fruta (manga, azeitona, goiaba-araçá, castanha, etc.); algumas vezes apresentavam marcas de arranhões, ferimentos ou picadas de caba, trazendo sua pequena “caça”: insetos ou passarinho. As experiências deste nível contribuem ao crescimento e a maturidade dos mesmos. Os pequenos desafios que enfrentam fazem parte da educação indígena preconizada pelos pais e professores. São nas atividades de descoberta da fauna e a flora, realizadas pelas crianças, que começa os fundamentos da especificidade Mura pois o que hoje não passa de brincadeiras lúdicas no futuro será base para se prover a subsistência da família. Assim sendo, o aprendizado obtido na infância no contexto do espaço sociocultural e geográfico da Aldeia faz parte da preparação para a fase seguinte do desenvolvimento dos indivíduos ou seja a adolescência.

Em duas das visitas que fiz à Aldeia levei Lorenzo, meu filho, então com 7 anos para conhecer e brincar com as crianças de São Félix (Figura 24). Foi uma experiência bastante interessante para ele, acostumado na cidade. Não intimidou-se e participou ativamente das brincadeiras com os demais garotos (Diário de campo

12/01/2010). Quando voltei para Manaus, levei Jersinho conosco, o filho caçula de Matilde, também com 7 anos para passar o final de semana em minha casa. Ele reagiu bem à experiência, ficando a vontade longe de sua família.

Figura 25 – Curumins fazendo exposição de insetos (Louva-a-Deus) Foto: Rony Martins.

Outra atividade interessante que observei ligada as brincadeiras praticadas pelas crianças Mura foi o banho no rio. Em São Félix minhas visitas e estadia nunca coincidiu com tal prática pois o rio possui uma forte correnteza e quanto está sempre muito cheio o perigo torna-se maior. No entanto, ao visitar as Aldeias Natal e Murutinga pude acompanhar tal atividade. As crianças demonstraram bastante intimidade com as águas do rio, aprender a nadar é quase uma obrigação ao homem amazônico de modo geral pois as estradas entre a maioria das cidades e lugares são fluviais sendo assim, tal aprendizado também é de fundamental importância por uma questão de segurança (Figuras 26 e 27).

O banho no rio é uma brincadeira que, além de refrescar o corpo do intenso calor permite às crianças familiarizarem-se desde cedo com o mesmo pois chegará o momento em que sairão de canoa para pescar.

Figura 26 – Curumins brincam no rio em frente à várzea da Aldeia Natal Foto: Rony Martins.

O rio não representa apenas um importante meio de subsistência para os povos da Amazônia devido a abundância de peixes nele existentes mas é também a via de comunicação entre a maioria das Aldeias Mura e o centro urbano de Autazes. Ele é o universo de mitos, como o do boto e o habitat de jacarés e cobras, quando enche muito e invade as terras acarreta em transtornos pois alaga casas e destrói plantações. Desde cedo as crianças aprendem a não ter medo do rio, quando chegarem na adolescência poderão pilotar uma rabeta ou sair para pescar. Porém não é raro incidentes no rio, presenciei a aflição de um morador da Aldeia Natal (Sr. Morais) perguntando em São Félix se alguém avistou seu filho que saiu para pescar e até não tinha retornado para casa (Diário de campo 20/01/2010). Outro episódio foi relatado pela professora Jucinéia da Aldeia Murutinga, cuja colisão de uma lancha contra a embarcação que estavam fez com que ela e suas filhas caíssem na água no escuro da noite, a hélice até cortou-lhe o rosto mas todos sobreviveram pois nadaram para a margem (31/01/2010).

Figura 27 – Crianças brincando em volta de um flutuante na Aldeia Murutinga Foto: Rony Martins

A fase de brincadeiras encerra-se quando os jovens adolescentes Mura começam a assumir atribuições condizentes com a nova faixa etária. Outro perfil de comportamento pode ser observado entre eles. Os indivíduos do sexo masculino saem para pescar em frente à Aldeia enquanto os do sexo feminino aprendem a cozinhar e cuidar da casa. Nesta etapa, a aprendizagem que as atividades desenvolvem representa mais do que uma ajuda aos pais; trata-se sim da preparação para a vida adulta e para a formação, num futuro próximo de suas próprias famílias. Em contrapartida, constatou-se que alguns indivíduos homens que não constituírem suas famílias ou se separarem tendem a dividir sua solidão com a bebida alcoólica, enquanto as mulheres ficam morando com os pais por mais tempo se solteiras; quando separadas necessitam criar os filhos sozinhas, o que pode gerar certa crise em relação à subsistência ou contar com a solidariedade de alguém

da comunidade para prover eventual necessidade.66

66 Tais considerações são fruto de observações de casos particulares, suposições a partir do que se acompanhou. Uma moradora com cinco filhos necessitou provisões em mais de uma ocasião; em outra relatou que não havia nada para colocar na panela e que alguém sairia para caçar a fim de trazer algo. Declarou que em sua casa vivem seis pessoas, que nunca casou mas tem um companheiro. Um morador solteiro vivia só em uma casa próxima à dos pais. Segundo relatos bebia,