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2 OS CONTRASTES DA BAHIA (IN) CIVILIZADA: AVANÇOS E

2.1 O OUTRO LADO DA MODERNIDADE: O ESPAÇO PÚBLICO E O

2.2.1 A escola

Conforme descreve Vinagre (2011), a instauração do novo regime republicano e as ideias de desenvolvimento e progresso da nação associada a alfabetização da população, viabilizou o decreto que estabeleceu a obrigatoriedade do ensino na Bahia. A escola na Primeira Republica ainda era caracterizada por precariedades acentuadas, apesar da expansão da oferta iniciada na reforma Satyro Dias14 (BAHIA. Lei n. 117, 24 de agosto de 189515) na pratica observa-se que a frequência era pouca, professores desqualificados, currículo livre e infraestrutura muito deficitária (DIAS, 1893). Para os médicos esses espaços formais de aprendizagem eram alvo de inúmeras críticas.

Amaral (1889), em um artigo publicado na Gazeta Médica da Bahia intitulado

Hygiene pedagogica: a gymnastica nas escolas, advertia para a importância

fisiologia da atividade física, particularmente a ginastica, nas nações desenvolvidas como a França, Alemanha e principalmente a Inglaterra. Nesses países, a inserção das atividades físicas, no currículo, já se fazia presente sendo reconhecida como uma necessidade do homem civilizado e uma compensação decorrente do pouco exercício físico praticado no meio urbano. Ainda, que, oficialmente a atividade física fosse reconhecida como necessária no processo formativo do individuo, observava- se uma realidade completamente diferente no interior dos estabelecimentos educacionais:

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Médico que atuou como Diretor Geral da Instrução Pública da Bahia no período da Proclamação da República e continuou no cargo nos primeiros governos republicanos subsequentes. (DIAS, 1893)

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Lei republicana aprovada pelo Governador Joaquim Manoel Rodrigues Lima sobre a organização do ensino na Bahia.

Entre nós sucede o contrario; a gymnastica nas nossas casas de educação é uma palavra apenas; as creanças sob esse nome só compreendem as forças arriscadas dos clowns. Não há na Bahia um só estabelecimento de ensino onde se pratique gymnastica methodicamente.Tudo isto já tem sido dito pelo órgão competente dos deputados nas assembleias; a razão de taes exercícios tem sido reconhecida em não pequenos relatórios; mas a indiferença pela execução das reformas precisas na pratica do ensino, e as misérias do nosso matrial escolar têm feito sempre deixar de lado esse assumpto de primeira ordem [...] além dessas causas há ainda o receio pouco esclarecido das mães. (AMARAL, 1889, p. 156)

Amaral (1889) elucidou em detalhes o conjunto de benefícios trazidos pela ginástica comprovadamente atestados pela ciência e ressaltou ainda a necessidade que tal atividade se tornasse obrigatória nas escolas para que as fraquesas físicas da população fossem corrigidas. Caberia a classe médica influenciar e conscientizar as famílias através de conselhos de higiene para que esse quadro lastimável fosse alterado.

Além da inobservância das atividades físicas regulares dentro do ambiente escolar, a higiene praticada nas escolas também se apresentou como uma outra preocupação por parte dos médicos higienistas. Em outro artigo da Gazeta Médica da Bahia, a realidade da escola da capital em 1890 era retratada com preocupação:

[...] as creanças aglomeradas em numero muitas vezes excessivamente supeior á capacidade hygienica das salas, condemnadas durante longas horas a uma imobilidade systematica, mal sentadas [...] forçadas a ler, embora sem luz suficiente [...] é doloroso pensar que o futuro do paiz, as esperanças e as glorias da nação hão de sahir d‟estas escholas da infância [...]. (HYGIENE..., 1890, p. 294-295)

O segmento médico reclamava a valorização da atividade física e da necessidade de um espaço de aprendizagem mais higienizado, assim foi assinado pelo governador Manuel Victorino em 10 de janeiro de 1890 o Regulamento de

hygiene escholar16 que estabeleceu dentre outras ações, uma Comissão de Higiene voltada as questões que envolvessem a construção e localização de prédios escolares. Sendo assim, as novas construções escolares e as reformas de antigos prédios para satisfazer as exigências higiênicas, passariam pela aprovação da Comissão. Os espaços físicos deveriam ser isolados de construções vizinhas, ter espaço para área de recreio, arborizados, disporem de boa ventilação, iluminação, esgotos e possuírem latrinas. A capacidade das salas deveria ser proporcionais ao

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O Regulamento de hygiene escholar foi publicado na integra na Gazeta Médica da Bahia, jan. 1890, p. 301-317.

número de alunos. O Regulamento estabelecia ainda os pre-requisitos da matricula do educando que envolvia: atestado médico de vacinação e que o aluno não sofresse de moléstia contagiosa, transmissível ou repulsiva.

Além desse cuidado em asseguarar a salubridade do espaço educativo através da prevenção de moléstias, o documento apresentava uma concepção moderna de organização e dinamização da escola. As lições, no fim de cada hora, seriam intercaladas por recreios ou exercícios físicos de 15 minutos. Cada escola reservaria um espaço para a realização de atividades físicas podendo ser um ginásio ou sala de recreio. Todos os alunos, com execcção dos que possuíssem dispensa médica, deveriam realizar exercícios físicos benéficos para aumentar a força muscular, melhorar a saúde e formar a virilidade. A escola contaria também com a presença do médico inspetor, um profissional atento ás condições higiênicas da escola e ao estado sanitário dos alunos. (PEREIRA, 1890)

Apesar da regulamentação que convergia com as propostas médico higienistas da época e, afirmavam em caráter emergencial a necessidade dos espaços de aprendizagem se constituírem em espaços que refletissem os valores higiênicos expressos na relevância dada a ginástica, na organização espacial externa e interna (espaço de sala, ventilação, iluminação, ginásio, arborização etc) – as escolas da capital permaneciam sendo alvo das criticas por parte da classe médica. No artigo intitulado Saude das creanças nas escolas de 1893, da Gazeta

Médica da Bahia, prevalesce a crítica de que as escolas da Bahia, eram diferentes

das da França, país onde se esclarecia quais seriam as medidas para evitar o aparecimento de moléstias contagiosas, e, caso aparecessem, o que fazer, e, as medidas tomadas para cada moléstia contagiosa. Especificamente, na Bahia predominava o

[...] desmazelo e inferioriadade em assumptos de tanta importancia. De que foi que já se serviram o governo federal ou estadual, as autoridades sanitárias e as da instrucção para garantir, zelar e proteger a vida, e a saúde das crenças que enchem as escolas, lyceos e collegios? (SAUDE..., 1893, p. 263)

Apesar da crítica, o autor do artigo reconheceu a existência do Regulamento de Higiene de 1890, mas denunciava a sua inoperância. Na prática, observa-se que, a escola era carente de fiscalização, funcionava em casas de alguel com péssima infraestrutura, inexistiam espaços recreativos adequados para a atividade fisica e se

existiam eram sub-utilizados pois não eram comuns a sua atividade original (SAÚDE...,1893). Na mesma direção o doutorando Jose Lopes Patury (1898) em sua tese Hygiene escolar de 1898 apresentava os problemas reincidentes.

Nos anos subsequentes, a valorização dos exercicios físicos como sendo assunto de suma importância para os países ditos civilizados, permaneceu sendo afirmada no discurso médico higienista na Bahia. Pitombo, em sua tese escrita em 1900, intitulada Apreciações acerca dos exercícios physicos nos internatos e sua

importância prophylactica, iria enfatizar a importância terapêutica e também

profilática que os exercícios higiênicos ocupavam na saúde das crianças. Além de regular o funcionamento dos órgãos vitais, a atividade promoveria uma maior resistência as moléstias, além de contribuir para o desenvolvimento moral e intelectual. Praticada de forma racionalizada, planejada (não podendo ser insuficiente tão pouco ser excessiva), a ginástica higiência aparecia como sendo a atividade física que mais traria benefícios ao individuo que estava em processo de formação física e intelectual. Ao professor que orquestrava tais atividades peculiares o conhecimento de anatomia, fisiologia e higiene não poderia faltar.

Joao Batista Marques Ferreira, em seu trabalho de conclusão de curso

Hygiene escolar em 1905, descreveu as qualidades que o espaço físico escolar

deveria comportar ao mesmo tempo que reinterou os princípios estabelecidos ainda na década anterior: iluminação, mobiliário adequadro, janelas bem localizadas, capacidade de alunos por sala, dentre outros elementos essenciais. No âmbito conteudista, defendia que as futuras gerações pudessem crescer sadias e informadas por meio de instrução que envolvesse atividade físicas regulares, educação moral e educação intelectual.

O equilíbrio e integração dos saberes formativos na escola, ocupou a atenção do estudante de medicina Francisco Xavier Borges, que destacou em parte de sua pesquisa, a falta de higiene presente nas escolas de Salvador e os programas curriculares, considerados por ele, como excessivamente conteudistas “[...] ao passo que o ensino pratico, a gymnastica e as noções de hygiene, tornariam os alunos physica e intellectualmente melhores”. (BORGES, 1907, p. 50) Na mesma direção, relatava Silva (1908, p. 30):

Entremos em uma escala publica primaria da capital, e o que vemos alli?Certa quantidade de creanças de pé, outras sentadas em bancos imundos, outras quase de cocóras, e todas entretanto, sujeitas ás

desvantagens que resultam sempre da reunião de pessoas em local impróprio.

As críticas da comunidade médica em torno da precária estrutura, maus hábitos e ainda a proeminência de conteúdos teóricos da escola em deterimento da educação do corpo, evidenciam o interesse dessa comunidade em utilizar a escola como espaço difusor das ideias higiênicas. Afirmavam ainda:

Talvez só a escola bastasse para modificar essa situação, ensinando-lhes as regras mais elementares e tão preciosas de hygiene, as que sobretudo se referem ao asseio das pessoas e das cousas, formulando-as a aplicando-as deante das crianças e procurando oferecer em todas as suas partes um exemplo vivo de boa hygiene. (ALMEIDA, 1908, p. 3)

Acreditava-se que novos hábitos teriam um impacto qualitativo na vida dessas gerações. O educando encontrava-se em uma fase muito propícia a assimilar regras e comportamentos que seriam perpetuados ao longo de sua vida. (GONDRA, 2004) A transformação dos hábitos passaria pela transformação da escola, esta entendida não apenas como instituição reponsável em conteúdos concernentes a letras, matemática e conhecimento geral, mas, como instituição difusora das regras de higiene essenciais ao convívio e preservação da ordem social.