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3 A CRIAÇÃO DO INSTITUTO DE PROTEÇÃO E ASSISTÊNCIA À

3.1 AS INQUIETUDES DE TANAJURA

A ideia da criação do Instituto de Proteção e Assistência a Infância adveio da experiência de Joaquim Augusto Tanajura (1900) quando pesquisava dados sobre os índices de mortalidade infantil para a sua “these inaugural” a ser defendida na Faculdade de Medicina da Bahia. Influenciado pelas ideias inovadoras de Moncorvo Filho, trouxe-as para Salvador a fim de criar uma instituição semelhante a que conheceu no Rio de Janeiro. Deste modo, Tananjura levantou a campanha na imprensa publicando uma série de seis artigos intitulados lethalidade infantil na

Bahia e a influência em nosso meio21, nos quais chamava a atenção para a

necessidade de se sistematizar a assistência a infância pobre. Na opinião do higienista, era

Justo e de inteira necessidade que na Bahia, tradicional por tantos feitos gloriosos, se faça sentir a importância de um tentamen desta ordem, principalmente quando os dados officiais nos fazem contar a elevada mortalidade infantil em seu seio. (Diário de Noticia, 30 mar. 1903)

A letalidade infantil na Bahia foi um fenômeno de ordem social que além de causar comoção generalizada e comprometer o cenário de modernidade da cidade se constituia em objeto de estudo para a comunidade médica. Todo esse interesse de fato, se articula ao conjunto de “estratégias de controle da raça e da ordem” que embasava o discurso higienista. (FALEIROS, 2009, p. 42)

Joaquim Tanajura, indignado com as altas taxas de mortalidade infantil resolveu escrever os artigos no sentido de esclarecer a sociedade, mas, principalmente, analisar, do ponto de vista médico-científico o conjunto de fatores que estariam contribuindo para a extensão e agravamento da questão social da infância na Bahia. “Salvar a criança” (lema defendido amplamente no período de transição do século XIX e XX) repesentaria a preservação dos valores republicanos que se queria consolidar. (RIZZINI; PILLOTI, 2009)

Tanajura, no seu poropósito recorre para os postulados cristãos e afirma a necessidade da construção de esforços por parte de todas as classes para a

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construção de um ideário superior que seria o de preservar a infância saudável. Apelando para a obidiência as leis cristãs, que pressupõe o amor ao próximo e a exaltação da caridade destaca ainda o valor da ingenuidade e fragilidade da criança, o médico afirma:

[...] tivemos em mira salientar o dever adstricto obedientes às leis evangélicas, no que condiz particularmente à causa da infância, utilitária dos esforços de todas as classes congraçadas n´um só pensamento, para batalharem em seu beneficio, na actualidade mais que nunca, quando sentimos o seu vagido chegar aos nossos ouvidos como solene protesto contra os estragos que vão dizimando os pequeninos seres a ella pertencentes. (Jornal de Noticias, 30 mar.1903)

Em 2 de abril de 1903, num dos artigos da série sobre a Letalidade infantil na

Bahia o jovem médico critica a validade das estatísticas acerca do flagelo da

mortalidade após visita ao Arquivo Público da capital, quando evidencia a existência de uma lacuna em relação as medidas mais concretas acerca da saúde pública da cidade de Salvador desde o século anterior. Tanajura adverte para a necessidade de intervenção na questão, pois a letalidade infantil na Bahia “[...] parece assumir proporções que tornar-se-ão assustadoras, se medidas rigorosas e effectivas não forem postas em execução”. (Diário de Notícias, 2 abr.1903)

Em suas pesquisas, Tanajura afirma que em 1838 o primerio Conselho de Salubridade foi criado, mas suas ações permaneceram no anonimato. Segundo o autor, os relatórios dos presidentes da então Província da Bahia, de 1885 a 1888, não comentam sobre a letalidade infantil, execeto quando o conselheiro Antonio Coelho de Sá e Albuquerque, apresentando o capitulo Saúde pública em 15 de dezembro de 1863, ressaltava:

Uma circunstancia muito notável e que cumpre ser devidamente apreciada,é a de haverem falecido 999 individuos com a edade de 1 dia a 10 anos, formando cerca de um terço da mortalidade geral. Só de moléstias de umbigo e dentição, faleceram 212 creanças. (Diário de Notícias, 8 abr. 1903)

A intenção de Tanajura era demonstrar que o problema já existia desde o século XIX, mas as autoridades competentes da época, ao identificá-lo não apresentaram um conjunto de ações e medidas concretas capazes de deter as suas orígens. A mortalidade infantil é de certo modo banalizada, haja vista que não há

grande destaque para a sua gravidade. A identificação das mortes existia, no entanto, não se observam medidas mais efetivas para contenção do problema.

Para Tanajura, a execão da leitura do fenômeno, reside na compreensão de Prisco Paraíso, secretário do interior22, que em documento apresentado ao governador do Estado descrito por Joaquim Tanajura, no jornal Diário de Notícias, afirma:

Continua a provocar attenção o numero de obitos ocorridos, n‟esta capital, em relação às creanças [...] de 0 a 5 annos, conforme verificaeis dos boletins da estatística, demógrafo-sanitaria. Dependendo, em grande

parte, a reducção de semelhante mortalidade dos vícios de educaão de nosso povo, tem-se tornado inefficaz a acção da hygiene n’esse sentido. Não pensa sem rasao quem affirma que só poderà ser resolvida,

entre nós, a questão da mortalidade das creançascom uma longa,

paciente e perseverante propaganda. (Diario de Noticias, 8 abr. 1903,

grifo nosso)

No fragmento, o autor ressalta a importância das campanhas educativas e o seu uso como estratégia para reduzir a mortalidade das crianças. Mas, ações efetivas não são realizadas no final do século XIX. Acompanhando a opnião de Prisco Paraíso, Tanajura continua suas críticas atribuindo à ausência de educação da população como sendo um dos maiores entraves da consciência higiênica:

A questão da mortalidade das creanças é complexa é não entende somente com a habitação-furna e com a alimentação pervertida, desde o pão mal cosido e as fructas não sazonadas, até o leite audaciosamente falsificado: ella depende muito dos erros, abusões e vícios de educação da nossa população, e carece naturalmente de longa, paciente e perseverante propaganda para que seja vencida [...]. (Diario de Noticias, 8 abr. 1903)

Sendo assim, credita-se a carente educação higiênica do povo, um peso significativo em paralelo a complexidade de outros fatores de natureza, social, econômica e política que corroboram para a proliferação da letalidade infantil e, consequentemente, para alteração do desenho demográfico da população tranzendo consequencias, prinicplamente, na interferência do projeto de nação civilizada.

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Prisco Paraiso iniciou sua vida política elegendo-se deputado estadual na Bahia em abril de 1899 foi nomeado Secretário do Interior, Justiça e Instrução Pública do governador Severino Vieira (1900- 1904). Foi eleito deputado federal pela Bahia em maio de 1904. Ver: ABRANCHES, J. Governos;

Boletim Min. Trab. (5/1936); CÂM. DEP. Deputados; Câm Dep. seus componentes; Diário do Congresso Nacional; GODINHO, V. Constituintes; Grande encic. Delta; MELO, A. Cartilha. Disponivel

em:<http://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeiraepublica/PARA%C3%8DSO,%20Prisco% 20(2).pdf>. Acesso em: 10 jan. 2016.

Após o esforço de tentar demonstrar a realidade médico-social que envolvia a saúde da criança na Bahia, Augusto Tanajura, nos seus artigos publicados pela imprensa local, buscou de forma persuasiva conclamar aos atores que, de alguma forma envolvidos, representavam as esferas pública e civil, como as autoridades de educação e saúde:

Resta-nos, porem, a convicção de reconhecermos [...] espíritos elevados, que poderão acudir ao nosso apelo, dirigido do alto da imprensa [...] o primeiro, como nosso digno representante no congresso federal, o segundo como ilustrado inspector de ensino, o terceiro como inteligente, activo e honesto auxiliar do governo, no ramo publico da secretaria do interior, e ficamos descansados de que estes poderosos elementos [...] sortirão pleno resultado, convertendo em pratica os benefícios que pedimos em prol da infância. (Diário de Notícias, 30 abr. 1903)

A campanha de sensibilização permaneceu ativa por mais alguns dias e no seu compromisso de demonstrar a realidade dos fatos, Tanajura apresenta ainda o percentual númérico das etatisticas de mortalidade infantil em Salvador e também no estado do Rio de Janeiro que abrigava a capital da República. Para fins didáticos, sistematizamos no quadro abaixo os dados apresentados pelo médico na edição do jornal Diário de Notícias do dia 13 de abril de 1903:

Quadro 2 - Obituário geral e infantil - Bahia e Rio de Janeiro (1901)

CAPITAIS ANOS OBITUARIO

GERAL OBITUARIO INFANTIL DE 0 A 5 ANNOS PERCENTUALGERAL DA MORTALIDADE INFANTIL SOBRE A GERAL RIO DE JANEIRO 1901 15.409 4.735 30% BAHIA 1901 4.048 1.216 30%

Fonte: Jornal de Noticias, 13 abr. 1903.

As disparidades encontradas nos números das duas capitais precisam ser avaliadas com reservas das devidas proporções. Apesar da diferença numérica observada em relação aos dados registrados no obituário geral, o médico nos chama atenção para o percentual similar entre os dois estados. Ambos revelam alarmantes e expressivos 30% de registros de mortalidade no obituário infantil.

Amparado ainda, pelos anuários da secção demógrafo-sanitária Tanajura, apresenta os dados relativos a capital baiana entre os anos de 1900 e 1901. Segundo as informações, publicadas no Diário de Notícias as cifras permaneceram quase sem alteração, sendo que no ano de 1900 o percentual da mortalidade infantil

sobre a mortalidade geral da população era de 30,8% e passou para 30% no ano seguinte. Tanajura advertiu que essa tímida redução não deveria ser levada em consideração em função da ocorrência de um percentual, não contabilizado, de mortes infantis que decorriam do “[...] mysterio em geral não criminoso, mas muito usual entre o nosso povo, dos enterramentos de fétos em pateos e quintaes”. (Diario

de Noticias, 8 abr. 1903)

Ao findar a seção de artigos publicados num período de cerca de 30 dias23, Tanajura avaliou que a mortalidade infantil apresenta-se dividida em três fases etárias quais sejam: a primeira de 0 a 1 ano, outra de 1 a 2 anos e a última, de 2 a 5 anos. A primeira infância é o período demarcado entre 0 a 2 anos, que para o autor, é tido como sendo o período mais crítico no qual encontram-se concentradas as altas taxas de mortalidade. Segundo as suas informações, em 1900 do total de 1.243 óbitos, 877 destes estavam concentrados na faixa etária entre 0 a 1 ano, 231 entre 1 e 2 anos, e 153 casos entre 2 a 5 anos. Em 1901 tal situação não é alterada, do total de 1.216 óbitos, 903 ocorreram na faixa etária de 0 a 1 ano e 181 entre 1 a 2 anos já a faixa etária entre 2 a 5 anos, foram quantificados 130 óbitos

Frente a um quadro tão devastador a recomendação do Dr. Augusto Tanajura reafirmava:

[...] as poderosas regras de hygiene que se apresentam para melhorar a sorte das creanças nos primeiros tempos de sua existência, protegendo-as com os elementos poderosos dimanados de sua ação beneficiadora. (Diário

Noticias, 20 abr. 1903)

O tratamento das fontes evidencia que o conjunto de artigos publicados pelos médicos na imprensa local, bem como as teses de final de curso escritas pelos estudantes da Faculdade de Medicina da Bahia, revelam que no campo da saúde, a mortalidade infantil se constituiu no inicio do século XX como sendo um dos fenômenos que mais despertariam a atenção das autoridades médico-higienistas.

A criança se constituía para o pensamento médico vigente como um problema sanitário que ameaçava a raça e o processo civilizatório em curso. Nesse sentido, o ideário de proteção e assistência à infância ganharia força e representaria uma solução preventiva aos males prenunciados através dos prognósticos do futuro da Nação. É dentro deste contexto que é criado na Bahia o Instituto de Proteção e

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Os artigos de Augusto Tanajura foram publicados no período compreendido entre 24 de março de 1903 e 20 de abril de 1903.

Assistência a Infância (IPAI), que nesse estudo será apresentado como espaço particular para a concretude da tríade saúde, educação e assistência.