• Nenhum resultado encontrado

2 PERCURSO METODOLÓGICO DA PESQUISA

2.2 A escolha da abordagem metodológica

A abordagem metodológica adotada em pesquisas que estão situadas no campo de investigação da Educação ou da Educação Matemática é geralmente a qualitativa. Esse aspecto pode ser considerado como um mero modismo ou gerar a falsa ideia de que realizar um estudo nessa perspectiva metodológica é o caminho mais fácil. Contudo, Alves (1991, p. 54) afirma que “conduzir um estudo qualitativo, com o rigor necessário à produção de conhecimento relevante, é bem mais difícil do que possa parecer”.

Essas percepções sobre a abordagem qualitativa podem estar relacionadas, dentre vários fatores, ao fato de que ela é considerada como sendo uma prática de pesquisa recente no cenário educacional, isso se se comparar com a abordagem positivista de investigação. Além disso, apresenta fundamentos distintos. Essas diferenças se manifestam desde a maneira de significar e de se conceber a pesquisa, sua função, a forma de lidar com o contexto e sujeitos participantes do estudo, até os procedimentos metodológicos envolvidos nesse processo de investigação. Contudo, Alves (1991, p. 54) verificou, nos estudos de Fetterman (1984), Miles e Huberman (1984) e Yin (1985), que “o crescente prestígio das abordagens qualitativas não tem sido, na prática, acompanhado pela utilização adequada de metodologias que permitam lidar, de maneira competente, com o problema proposto”. A autora evidencia

outro aspecto que não se pode deixar de mencionar, referente ao fato de que muitas das dificuldades encontradas no uso da referida abordagem está relacionada, conforme elucida Patton (1986), à própria “natureza do paradigma qualitativo, que abriga uma variedade de tradições filosóficas, epistemológicas e metodológicas”.

A complexidade da pesquisa de cunho qualitativo não é refletida apenas ao realizá-la, mas é revelada de início na caracterização do estudo que se pretende desenvolver, visto que é necessário encontrar elementos no estudo a fim de que possa subsidiar a escolha por tal abordagem. Nesse sentido, de acordo com Alves (1991, p. 54), a caracterização de uma pesquisa como qualitativa não é algo fácil, uma vez que “a dificuldade começa com a enorme variedade de denominações que compõe essa vertente: naturalista, pós-positivista, antropológica, etnográfica, estudo de caso, humanista, fenomenológica, hermenêutica, ideográfica, ecológica, construtivista, entre outras”. Para a autora, essa diversidade de denominações reflete as distintas origens e ênfases, resultando “em uma grande variedade de definições, características consideradas essenciais a estratégias de pesquisa”.

Frente ao desafio de procurar caracterizar essa pesquisa como de abordagem qualitativa, e antes de evidenciar algumas características do estudo que fazem inferir que se trata de tal abordagem, destaca-se que, com relação à variedade de denominações, optou-se em utilizar somente pesquisa de abordagem qualitativa, visto que se considera que as características desse estudo não são contempladas em nenhum dos tipos citados, entre outros, da vertente qualitativa. Desse modo, tem-se a preocupação de apresentar elementos que evidenciem o cunho qualitativo da pesquisa, e não de simplesmente encaixá-la, como ocorre geralmente e às vezes forçadamente, em um determinado tipo de pesquisa. Com o intuito de justificar essa escolha, recorreu-se a Alves (1991, p. 54), que destacou duas razões ao sinalizar a opção somente pela expressão pesquisa qualitativa: “a) por apresentar abrangência suficiente para englobar essas múltiplas variantes; e b) por ser mais frequentemente encontrada na literatura”.

Dentre as diferentes características da pesquisa qualitativa, evidenciaram-se algumas, procurando assim fazer correlações com as desse estudo. Na literatura de pesquisas da Educação, assim como da Educação Matemática, a pesquisa qualitativa apresenta uma visão holística, abordagem indutiva e investigação naturalística. Esses aspectos foram apontados por Patton (1986), sendo que na, perspectiva de Alves (1991, p. 54), a visão holística “parte do princípio de que a compreensão do significado de um comportamento ou evento só é possível em função da compreensão das interrelações que emergem de um dado contexto”. No que se refere à abordagem indutiva, “pode ser definida como aquela em que o pesquisador

parte de observações mais livres, deixando que as dimensões e categorias de interesse emerjam progressivamente durante o processo de coleta de dados”. E por fim, a investigação naturalística “é aquela em que a intervenção do pesquisador no contexto observado é reduzida ao mínimo”.

Tanto a abordagem indutiva como a holística também são contempladas por Bogdan e Biklen (1994) ao mencionarem cinco aspectos que fundamentam uma investigação qualitativa, a saber: A fonte de dados é considerada o ambiente natural e o pesquisador se torna o principal instrumento; É descritiva; Há mais interesse pelo processo do que pelos resultados; Na análise dos dados o pesquisador tende a recorrer a uma abordagem indutiva; O significado é essencial.

O primeiro aspecto elucidado por Bogdan e Biklen (1994), que trata do fato de que na investigação qualitativa a fonte direta de dados é o ambiente natural, constituindo o investigador o instrumento principal, é contemplado nessa pesquisa na medida em que se recorreu aos professores iniciantes para inferir a respeito do repertório de conhecimentos para o ensino construídos na Licenciatura em Matemática. No que diz respeito ao papel do pesquisador, para Bogdan e Biklen (1994), na pesquisa qualitativa, ele tem um papel imprescindível, sobretudo na condução do processo de produção de dados na pesquisa de campo e posteriormente na interpretação e análise dos dados. Esse é um dos pontos de consenso entre pesquisadores qualitativos, de acordo com Alves (1991, p. 60), consistindo em “considerar o pesquisador como o principal instrumento da pesquisa [...]”. Nesse sentido, Sanday (1984) afirma que o pesquisador “deve aprender a usar sua própria pessoa como o principal e mais confiável instrumento”, isso desde o processo de produção, seleção, interpretação e análise dos dados (ALVES, 1991, p. 60).

Até porque as questões, anotações, observações entre outras ações são provenientes de uma estruturação construída pelo pesquisador, dentro do que ele considera como sendo necessário para compreensão do fenômeno que se propôs a investigar. Em função disso, ao invés do termo coleta de dados, será utilizado na pesquisa o termo produção de dados, por se entender que o acesso a elementos que se denominam dados, seja a fala oral ou escrita que explicita o que os sujeitos dizem/pensam, ou as ações entre outros aspectos, ocorrem mediante a forma com que o pesquisador conduz o processo, e isso implica desde a escolha, organização, estruturação e contato com o contexto e os sujeitos, até a forma de interagir com esses participantes. Assim, o acesso aos dados não ocorre de forma espontânea e natural, como pode sugerir o termo coleta de dados.

Neste processo, há uma aproximação do pesquisador com os sujeitos da pesquisa que, embora para alguns seja demasiada, para outros é considerada como fundamental. Assim como Paula (2010, p. 188), entende-se que “a compreensão ou interpretação de um problema social, na Educação, estará sempre carregada de subjetividade, pois tanto o problema como os dados e trabalho do pesquisador se apresentam entrelaçados”, rompendo-se assim “com qualquer crença na separação entre sujeito e objeto da pesquisa, desvinculando o pesquisador da posição de neutralidade científica, embora não deixe de ser carregado e comprometido com suas definições políticas”.

Alves (1991, p. 55) ressalta que, “enquanto os positivistas buscam independência entre sujeito e objeto, e neutralidade no processo de investigação, para os ‘qualitativos’ conhecedor e conhecido estão sempre em interação e a influência dos valores é inerente ao processo de investigação”. Por sua vez, a visão naturalística apontada por Patton (1986) destaca que a intervenção do pesquisador no lócus observado deve ser reduzida ao mínimo. Acredita-se que esse fator esteja relacionado à preocupação de se garantir a fidedignidade e objetividade dos dados, embora esse seja um aspecto considerado praticamente impossível, tendo em vista que a presença do pesquisador já ocasiona por si só um tipo de interferência. Dependendo do fenômeno a ser investigado, é necessário que o pesquisador estabeleça um tipo de relação com os sujeitos participantes do estudo para que haja um nível de confiança para então fazer alguns questionamentos e ter acesso a elementos mais restritos. No entanto, a proximidade do pesquisador com o sujeito não isenta o pesquisador, conforme Bogdan e Biklen (1994), de constituir um material de relevância e coerência científica para construção de conhecimento, e de imprimir opiniões pessoais.

A segunda característica apontada por Bogdan e Biklen (1994) é que a investigação qualitativa é descritiva. Nesse sentido, na pesquisa procurou-se detalhar por meio da escrita desde os aspectos relacionados ao contexto e aos sujeitos participantes até a forma com que os dados foram produzidos, organizados, reduzidos e sistematizados. A terceira característica elucidada pelos autores é que os investigadores qualitativos interessam-se mais pelo processo do que simplesmente pelos resultados ou produto. Considera-se que esse aspecto está relacionado intrinsecamente às demais características apresentadas por Bogdan e Biklen (1994). Embora os resultados (termo que se considera mais apropriado do que produto) sejam importantes na pesquisa qualitativa, evidenciar o processo, ou seja, mostrar o caminho que conduziu àqueles resultados também se constitui algo essencial. O foco não está simplesmente em evidenciar os resultados, mas também descrever os procedimentos e o percurso percorrido no desenvolvimento do estudo.

Entende-se que esse aspecto também é uma das formas de garantir a confiabilidade e veracidade dos resultados encontrados, tendo em vista que a abordagem qualitativa, de acordo com Alves (1991, p. 59), “é essencialmente hermenêutica e que procura captar os significados atribuídos aos eventos pelos participantes”, tornando-se “necessário checar se as interpretações construídas pelo pesquisador fazem sentido para aqueles que forneceram os dados nos quais essas interpretações se baseiam”. Assim, no estudo, procurou-se detalhar de forma clara e minuciosa as etapas, bem como todos os procedimentos que foram adotados no desenvolvimento da pesquisa, o que implica em como foi se constituindo o processo de construção da fundamentação teórica, perpassando pela produção de dados na pesquisa de campo e a forma de organização e tratamento dos dados.

A quarta característica é que os investigadores qualitativos tendem a analisar os seus dados de forma indutiva. O processo de produção de dados gerou uma grande quantidade de informações. Desse modo, refletir e tecer considerações acerca dos dados nos seus respectivos contextos, de forma indutiva, foi uma estratégia utilizada, sobretudo na fase de redução, sistematização, interpretação e análise dos dados. Foi nesse momento que se pode dizer que os eixos temáticos de análise foram efetivamente construídos, aspecto esse apontado por Patton (1986), segundo o qual as categorias, no nosso caso eixos temáticos de análise, emerjem progressivamente na produção de dados.

Por fim, a última característica elucidada por Bogdan e Biklen (1994) é que o significado é de importância vital na abordagem qualitativa. Essa característica em conjunto com as demais evidencia de fato que o significado é essencial em uma pesquisa qualitativa. O significado está relacionado à necessidade de uma maior aproximação com a essência do fenômeno investigado. Nesta pesquisa, procurou-se por meio de entrevistas com os sujeitos verificar o que eles dizem acerca do repertório de conhecimentos para o ensino construídos na formação inicial, a fim de encontrar elementos que evidenciam os significados que são atribuídos ao conhecimento do conteúdo específico, ao conhecimento pedagógico do conteúdo e ao conhecimento pedagógico geral. Pelas características explicitadas, entende-se, portanto, que o estudo se configura como uma pesquisa de abordagem qualitativa.