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A escolha dos funcionários e seu treinamento: técnico e simbólico

2. O TRABALHO NO CALL CENTER : ADESÃO, FLEXIBILIDADE E REPULSÃO

2.3. A escolha dos funcionários e seu treinamento: técnico e simbólico

A entrada para a empresa se dá de alguns modos diferentes. Existe a possibilidade de atuais funcionários indicarem nomes para ser convocados ao trabalho em menos de vinte e quatro horas úteis após a indicação. Na internet também é possível se candidatar à vaga através de uma guia chamada “Trabalhe conosco” na página eletrônica da empresa. Contudo, a mais habitual é através das agências de emprego como o SINE/IDT22, que informa sobre a existência de vagas na empresa para jovens sem experiência e os encaminha até uma entrevista que ocorre quase que diariamente.

Se o jovem aceitar a oferta, será encaminhado para outra empresa23, responsável pelo recrutamento dos novos teleoperadores para a X Center. Pela escassez de vagas, sobretudo, para trabalhadores dessa faixa etária e sem experiências profissionais, dificilmente

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Órgão mantido pelo Governo do Estado do Ceará e pelo Ministério do Trabalho.

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Essa já pode ser considerada uma “quarteirizada”, nascendo do próprio fenômeno da terceirização,

intermediando relações de subcontratação e prestando diversos serviços às empresas terceirizadas. Ver mais sobre essa discussão em Cavalcante (2009).

72 há a recusa e os indivíduos acabam indo até a entrevista. A seguir um depoimento que tenta dar indícios do quanto essa adesão inicial é também provocada por um cenário desestimulante por parte do mercado de trabalho

É... o processo inicial de seleção para X Center [alteração minha], eu entrei por que a busca de empregos estava muito difícil e eu já havia colocado currículos em várias empresas e nunca tinha sido chamado e na X Center [alteração minha ] a gente vê como uma oportunidade. A gente chegou lá e já tem a chance de fazer uma entrevista, aí tudo vai depender de você naquele momento (Teleoperador de 22 anos).

Os que se dispõem a ir à entrevista se deparam com uma quantidade considerável de jovens desempregados em busca daquela mesma vaga. Estima-se cerca de quarenta concorrentes por sessão de entrevistas grupais, com duração média de uma hora e meia. Esse espaço é dedicado inicialmente para a realização de dinâmicas específicas de grupo, onde os psicólogos e os assistentes sociais da empresa estabelecem alguns filtros que atendem ao perfil desejado pela empresa e já excluem alguns candidatos considerados por eles inaptos. Em seguida, segue-se com mais algumas rodadas e com dinâmicas diferentes, gerando mais exclusões.

A próxima etapa é a do oferecimento da empresa. Geralmente, um funcionário dos Recursos Humanos da X Center é responsável por essa “venda”. Esse profissional apresentará toda a rede de benefícios que a empresa oportuniza, sempre ressaltando a oportunidade que a empresa está dando aos ouvintes desse momento. Esses benefícios são os básicos assegurados pelas leis trabalhistas brasileiras, então o que agrega mais valor é a oportunidade de crescimento na empresa através da suposta meritocracia.

As próximas etapas de seleção são alguns testes básicos de aptidão em digitação e algumas avaliações de nível fundamental em Língua Portuguesa e Matemática. Exames clínicos e de audiometria também fazem parte da seleção e são, inclusive, etapas eliminatórias. Um dos instrutores da empresa relatou que os funcionários não aptos nesses exames são integrados ao treinamento final, mas excluídos na primeira semana para evitar alguma questão jurídica.

73 A última etapa antes do treinamento é o teste de perfil, ainda em caráter eliminatório. Lá, os candidatos responderão a um vasto questionário que traz questões simulando eventos das relações cotidianas no universo do trabalho, como as envolvendo situações com funcionários da empresa, sobretudo em situações de tensão no atendimento ou que envolvam conflitos com funcionários de hierarquia maior. Nesse momento, o trabalhador deve ser polido nas respostas e demonstrar não possuir reatividade, pois essa é uma das características mais repudiadas na empresa24. Por mais que o treinamento e a disciplina moldem os funcionários, a X Center busca jovens que já tenham uma propensão por obedecer às normas.

Após todos esses procedimentos, o que é passado pela empresa e assumido pelo candidato é que ele já é um “colaborador” da X Center. O indivíduo sente-se pertencente à empresa e agora o treinamento vai ensinar-lhe, dentre outras coisas, a ter esse

“comprometimento organizacional”25

necessário à labuta cotidiana no call center. A utilização desses termos não apenas exprimem novas maneiras de se tratar o funcionário na atual linguagem empresarial, mas funcionam, segundo Bernardo (2009), como elementos capazes de mascarar o conflito evidente entre capital e trabalho.

Os treinamentos para a empresa ocorrem em um shopping de Fortaleza, em salas alugadas pela X Center para executar essas atividades. São mais de dez salas que funcionam em dois períodos diários (manhã e tarde) apenas para treinar esses novos teleoperadores. Hoje, segundo um dos instrutores da empresa que é meu informante-chave, esses processos foram bastante reduzidos e não excedem os dezessete dias independentemente do setor em que se esteja treinando.26

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Ver mais sobre isso em Bernardo (2009).

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Ver mais sobre isso em Dantas (2005).

74 Esta fase também é de cunho eliminatório. Nela, os candidatos são avaliados por meio de diversas provas sobre os conteúdos expostos nas aulas sobre os procedimentos técnicos da empresa. Além disso, são realizadas simulações de atendimento entre os candidatos e o instrutor. As notas nessas avaliações não podem ser inferiores a nove.

Uma das características novas dos treinamentos realizados hoje em dia é o da evasão dos candidatos durante o curso. Ocorre que, diferentemente de Benevides (2011) onde havia a contratação imediata dos concludentes do curso, hoje os que concluírem o treinamento podem ser colocados em cadastros de reserva sem previsão para chamada. Isso faz vários operadores desistirem. O fato de que os treinamentos não são remunerados e sequer oferecem ajudas de custo para garantir as condições de acesso aos candidatos também implica em uma desistência do processo.

Os instrutores dos treinamentos cumprem com um papel fundamental dentro de toda essa dinâmica de ingresso. Primeiramente, eles não podem permitir que os candidatos se desmotivem com o processo de modo algum, sempre dando-lhes esperança sobre a possibilidade de se empregarem. O exemplo simbólico da própria trajetória pessoal do instrutor é sempre muito bem avaliado nessa tentativa. Afinal de contas, o instrutor também já foi um teleoperador e antes disso já passou pelas “mesmas etapas” que os atuais candidatos. Portanto, repassar essa trajetória é estimular expectativas positivas para os jovens candidatos sem muitas perspectivas.

O treinamento promove uma espécie de encantamento pelo ofício, mas, sobretudo, pelas condições que ele poderá proporcionar. Não é à toa que os instrutores são os profissionais mais comunicativos e bem humorados, pois precisam oferecer a empresa aos jovens de um modo positivo, garantindo que esperar para trabalhar no call center é um bom negócio. A “oportunidade” ganha um fôlego no período de treinamento.

Uma função dos instrutores também é a do aconselhamento constante. Hoje, mais que passar os procedimentos, o treinamento serve para refletir o que se pode e o que não se pode fazer no emprego. As questões de trabalho árduo, de dedicação exclusiva à empresa, Essa é uma mudança considerável, pois em Benevides (2011) encontrei treinamentos que chegavam a demorar 45 dias ou até dois meses. Nogueira (2009) já trazia um pouco sobre essa redução do período dos treinamentos.

75 de ser discreto, de não comentar sobre os procedimentos do trabalho em outros locais, de tomar cuidado com o que se fala, aonde se fala e com quem se fala. Tudo isso serve para alinhar o comportamento dos futuros trabalhadores do call center, que devem ter medo de se comprometer a todo o instante.

Segundo um de meus interlocutores - que é instrutor da empresa - hoje “o operador já sai do treinamento pronto para a operação”. Mesmo com a redução do período de treinamento, o profissional afirma que “não há mais tempo para experimentação” e que os funcionários hoje devem ser muito mais “arrojados”. Esse é mais um reflexo do funcionário flexível, que deve se moldar a todas as demandas da empresa e ajustar as exigências de tempo e padrão que ela vier a impor. O novo funcionário é maleável e capaz de aprender a viver as filosofias da empresa como a de que “a única coisa constante aqui é a mudança”.

Agora o trabalho deve ser flexível aos moldes colocados por Sennett (2008). Abrir-se aos riscos e às mudanças é uma condição para esses jovens. O problema é que como bem coloca o autor supracitado, essas relações instáveis e frágeis tem durações curtas, além de promover a corrosão em elementos importantes para as relações humanas como “a confiança, a lealdade e o compromisso mútuo” (SENNETT, 2008, p.17), avaliando que apenas num longo período seja possível fecundar esses elementos.

Encerro esse tópico destacando que antes de ingressarem no trabalho, os candidatos ainda participam de algumas atividades chamadas de “escuta”. Hoje, apenas duas ou três “escutas” são realizadas, corroborando com a compactação do processo mencionado há pouco. Essa atividade consiste em ir até a empresa e ouvir através de extensões telefônicas os atendimentos dos atuais teleoperadores. Além disso, serve para demarcar o comportamento necessário para se trabalhar na empresa. Essa visita em tese não é eliminatória, mas, na prática, exclui os candidatos que não demonstrarem minimamente uma postura valorizada pelo instrutor e pelos avaliadores que lá estarão monitorando.