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2. O TRABALHO NO CALL CENTER : ADESÃO, FLEXIBILIDADE E REPULSÃO

2.7. O processo de demissão sob a ótica da dependência e do medo

Após todas essas “etapas” descritas, os funcionários se veem de certo modo aprisionados ao trabalho, pois por mais que não vejam condições de seguir com qualidade na empresa não podem pedir demissão por muitos motivos. Primeiramente, há a questão de que a empresa e o seu salário pago em dias garantem a realização de diversas atividades que proporcionam a concretização de objetivos como cursar uma faculdade. Além disso, há toda uma série de benefícios que o funcionário só recebe caso a demissão parta da empresa, como seguro-desemprego, os 40% do FGTS45, as parcelas das férias e do décimo terceiro, dentre outros. 46

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Fundo de Garantia do Tempo de Serviço.

89 Há em muitos casos a vontade de obter a demissão, que em situações de funcionários bastante comprometidos emocionalmente é tornado explícito para a empresa. A sobrecarga faz o trabalhador assumir esse desejo, mas isso não tem efeitos positivos para os objetivos do declarante, tendo em vista que a empresa buscará segurar o funcionário nesse esquema de pressão até que ele mesmo peça sua demissão, evitando assim o prejuízo com o pagamento dos benefícios supracitados. O trabalho então começa a ser perseguido e constrangido de diversas formas até que não sustente mais a situação. 47

Essa pressão tem alguns efeitos positivos para os objetivos da empresa, pois, com o passar de algumas semanas, muitos teleoperadores não conseguem mais manter as condições de trabalho e pedem a demissão. Os que persistem aguardando, sofrem a cada mês que se passa com a angústia da espera. A empresa dá mais uma demonstração de que não tem preocupação com a condição do funcionário, mas com a condição deste em oferecer resultados positivos e lucrativos para a empresa. Muitos que precisavam muito ficar no emprego, mas por questões técnicas não conseguiram mantê-lo e foram demitidos. Os que já não aguentam mais ir até o trabalho, mas precisando ainda, são utilizados como exemplo e punidos com todo esse desgaste. Uma das teleoperadoras que se sentiu injustiçada pela demissão, mesmo criticando o trabalho, tendo em vista que queria tornar-se supervisora, deu- me uma entrevista e declarou o seguinte

Eu tinha... tinha perspectivas de mudança de cargo... eu tinha... eu tinha... é, como eu ficava muito frustrada como operadora, eu queria muito chegar além, já que eu já tava ali dentro mesmo, não queria desistir ali, tudo, ou pedir minhas contas... eu

Ver mais sobre isso em Venco (2009).

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SelmaVenco percebeu o mesmo em seu estudo: “As opiniões são unânimes: a percepção pelos

superiores do desejo dos operadores de serem demitidos desencadeia um processo que torna insustentável sua permanência na equipe e na empresa. São perseguições planejadas contra esses funcionários: ameaças de advertências e de justa causa são intimidações que acabam muitas vezes tendo êxito, culminando com o pedido de demissão voluntário dos próprios funcionários”. (VENCO, 2009, p. 169)

90 queria ter tido a oportunidade quando completasse nove meses de puder fazer a prova pra supervisão, que eu acho que poderia ser capaz de conseguir chegar até lá... só que foi justamente no dia cinco, que eu fazia nove meses, no dia seis, dia seguinte, disseram que eu tava desligada da empresa. Aí pronto, eu chorei, eu fiquei desesperada, né? Por que a minha meta que eu queria que fosse alcançada não pode ser [...]. (Ex-teleoperadora, 21 anos)

A sensação de uns estando com medo de perder o emprego a todo o tempo e outros totalmente ansiosos com a expectativa de conseguir a demissão é comum no call center. Poucos convivem numa situação de tranquilidade na normalidade do teleatendimento. O que se percebe também é que isso se apresenta, inclusive, como algo negativo para a qualidade do atendimento aos clientes, pois os funcionários não estão satisfeitos em seus trabalhos.48 Se a moral dos trabalhadores cai, a produtividade também cai, daí também a troca permanente de funcionários. O fato é que pouco importa o teleoperador, pois ele não é considerado um ser humano – na plenitude do respeito que merece -, mas uma variável de resultados.

Uma mudança peculiar a esse período e que se torna paradigmática para as percepções dos trabalhos é na questão da visão sobre o tempo de trabalho. A carga horária que era considerada um dos pontos mais positivos agora se torna tão pesada como qualquer outra. Obviamente que ainda continua possibilitando o exercício de outras atividades paralelas ao trabalho, mas a questão não é essa. O grande problema é que as seis horas e vinte minutos de atendimento diários distribuídas em seis dias na semana agora se revertem em uma situação insuportável para a grande maioria dos trabalhadores.

Um dos funcionários declarou sua irritação com o trabalho e mencionou a questão do tempo em sua fala. Percebe-se que o tempo pode ser curto com relação a outros ofícios, porém para o tipo de trabalho desenvolvido não é pequeno, tendo em vista a sobrecarga de informações e de pressão em cada chamada, que se acumula física e emocionalmente nos trabalhadores.

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91 [...] seis horas e vinte de puro estresse, por que você fica muito tempo seguido fazendo uma mesma coisa e aí fica muito 'puxado'. Fica muito 'puxado', por que é quase incessante, por que você tem no máximo quarenta minutos de... de pausas, é... tipo... intercaladas, né? E aí por passar tanto tempo sem aquelas pausas, passar mais de seis horas fazendo a mesma coisa, falando as mesmas coisas, pensando em resolver vários e vários problemas, aí realmente causa um estresse muito grande (Ex-teleoperadora de 19 anos).

O tempo não deixou de ser um opressor no sistema mecânico de trabalho. Por mais que se pregue uma flexibilização, Sennett (2008, p. 69) parece ter razão ao afirmar que “[...] o tempo nas instituições e para os indivíduos não foi libertado da jaula de ferro do passado, mas sujeitos a novos controles do alto para baixo. O tempo da flexibilidade é o tempo de um novo poder.”. Nesse sentido, percebe-se que as formas de trabalho sofrem alterações, os modelos de escalas também, mas a exploração do trabalhador é uma característica inata ao trabalho no capitalismo. O tempo no trabalho continua não pertencendo ao trabalhador, mas a quem o contratou. 49