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2. O TRABALHO NO CALL CENTER : ADESÃO, FLEXIBILIDADE E REPULSÃO

2.5. Disciplina, acúmulo de homens e produtividade

Um dos pontos que mais deixam claro a rotinização dos trabalhadores é justamente a scriptização no trabalho. O script é bastante exigido no teleatendimento, mudando constantemente e obrigando o teleoperador a sempre estar atualizado aos novos procedimentos a serem cumpridos. A empresa “[...] não prescreve apenas a fraseologia para cada serviço, mas também a entonação de voz, objetivando impedir manifestações emocionais pelo operador, tentando tornar a linguagem um simples instrumento de trabalho e moldando o afeto do indivíduo para ser gentil sem permitir o prolongamento do diálogo” (VILELA;

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80 ASSUNÇÃO, 2004, p. 1074-7075). A ideia é que os teleoperadores se tornem verdadeiras máquinas de atendimento, padronizados pela junção dos scripts com o monitoramento.33

Os supervisores fazem o acompanhamento direto dos funcionários, que também são assistidos pelos cargos superiores. Esse gerenciamento pauta-se sobretudo pelas metas exigidas diariamente aos teleoperadores. Dentre elas estão as seguintes: o TMA (Tempo Médio de Atendimento), o número de chamadas repetidas, a quantidade de produtos vendidos, a marcação do perfil de chamadas, as notas de qualidade nas avaliações que foram monitoradas pela CCQ (Central de Controle de Qualidade)34, o absenteísmo e a aderência aos horários pré-programados (hora de iniciar, pausa para o lanche – vinte minutos –, as duas pausas para descanso – dez minutos cada uma – e a hora de sair) e a atualização no Canal de notícias, informações e novos procedimentos. Além disso, a conduta do funcionário moral e profissional é avaliada a todo instante. Esses resultados são cobrados por equipe e individualmente todos os dias, somando-se em resultados semanais e mensais.

A cobrança por esses resultados é uma forma de não apenas manter o disciplinamento da operação, mas visa à maior produtividade e ao maior lucro em um curto espaço de tempo. Esta é uma tendência no setor de serviços, gerando uma pressão sobre os funcionários que tentam conciliar todas essas exigências quantitativas com a necessidade de apresentar um atendimento de qualidade ao cliente. O TMA, nesse sentido, é um dos ícones de desafio, pois exige um tempo médio para a duração das chamadas, mas cobra um atendimento satisfatório para o cliente.35

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Ver mais sobre isso Wolff e Cavalcante (2006).

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A CCQ localiza-se no site do Rio de Janeiro e é composta por operadores que passaram por um processo de promoção para ocupar esse cargo. Este órgão é responsável pela avaliação em tempo real dos teleoperadores tanto por áudio como vídeo, exigindo o bom atendimento aos clientes, além de assegurar que todos os scripts estão sendo cumpridos com fidelidade.

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[...] os tempos são rigidamente controlados, adotando-se o próprio aparato técnico como meio para obter os valores necessários ao controle dos critérios estabelecidos. Os dados armazenados pelo sistema abastecem as fichas de controle e, além desse mecanismo de avaliação baseado na performance obtida em tempo

81 A cobrança por um baixo número de chamadas repetidas também entra no mesmo desafio. O fato é que a empresa não quer que o cliente retorne a chamada, pois isso implicaria no fato de que o problema não teria sido resolvido em uma só chamada. Porém, não há uma averiguação acerca dos motivos do cliente ter retornado, já responsabilizando o teleoperador por isso, considerando-se que ele deveria ter solucionado todas as questões em um único atendimento, mantendo tempo e qualidade de modo otimizado.

Destaco que a empresa contraditoriamente tem os motivos de cada ligação em seus registros, pois, contraditoriamente, outro resultado exigido é o da marcação do “perfil de chamadas”, onde cada atendente deve assinalar as causas da ligação do cliente. Isso contribui para o levantamento da empresa e também para o fortalecimento da política de atendimento eletrônico, que tem como principal ícone a URA36.

O absenteísmo não apenas é tratado como uma meta, mas como um valor. Isso traz prejuízos diretos à empresa, que programa seus atendimentos a partir dos planejamentos, que podem ser comprometidos com a ausência de um único atendente. Além disso, a falta, em tese, acumula trabalho para os teleoperadores presentes e ainda pode implicar em uma multa para a empresa.37 Mesmo em caso de faltas justificadas, a empresa não aprecia essa prática e pune os teleoperadores. Nesse caso, a punição é feita indiretamente por meio de pressão ou proibindo o funcionário de concorrer a seleções internas.

A meta da aderência depende do cumprimento de todas as escalas de horários previstas e orientadas aos trabalhadores. Portanto, atrasar alguns segundos no retorno de uma pausa ou a entrada ao trabalho já significa estar descumprindo mais uma meta e interferindo real, o monitor do terminal de vídeo exibe sinais luminosos anunciando que o tempo está se esgotando. (VILELA e ASSUNÇÃO, 2004, p. 1072)

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URA é a Unidade de Resposta Audível ou também conhecida como talker. Funciona na prática como

um menu eletrônico ou um “cardápio de atendimento” (OLIVEIRA, 2009). Atualmente, esse sistema já consegue

resolver algumas solicitações sem a necessidade do atendimento humano.

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A ANATEL (Agência Reguladora Nacional de Telecomunicações) multa a empresa caso haja clientes na fila de espera por atendimento.

82 de modo negativo nos resultados da empresa. Nesse sentido, as pausas não planejadas, como a simples ida ao banheiro, são recriminadas pelos supervisores, que constrangem os funcionários no sentido de não utilizá-las de modo algum.

Uma estratégia utilizada pela X Center que tem uma função clara na estratégia empresarial é o uso dos feedbacks.38 Os feedbacks a princípio servem para manifestar ao operador o retorno sobre todas as metas, principalmente se não forem cumpridas. Essa ferramenta torna-se eficiente no balanço financeiro da empresa, pois ela tem por objetivo consertar o teleoperador na operação, sem precisar demiti-lo após o primeiro erro, arcando com uma carga de direitos trabalhistas. Os feedbacks não permitem que o treinamento seja desperdiçado e então funcionam como uma nova oportunidade ao trabalhador, numa tentativa de pedagogia. Caso o erro persista, aí a solução será a exclusão do funcionário da empresa.

Informações atuais da empresa demonstram que o nível de intolerância pós--

feedback está cada vez menor. Segundo um coordenador da filial de Fortaleza, “agora não há mais obrigação em seguir uma escala pedagógica e errar os procedimentos pode gerar

demissão tranquilamente”. Uma etapa que intermedia o feedback e a demissão são as práticas

de assédio moral, que constrangem os teleoperadores que cometeram penalidades diante dos demais funcionários.39 Essa é uma prática baseada na humilhação e que muito provavelmente tem origem no modelo empresarial japonês, país onde a honra é tradicionalmente valorizada e tem uma primazia ainda hoje para a população.40

A conduta e o comportamento no interior da empresa são metas que não estão postas nas planilhas de resultados, mas que na prática são cobradas. O sujeito deve ser vigiado

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Ver mais discussões sobre a utilização dos feedbacks em Castells (2008).

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Em Braga (2006) há uma forte discussão sobre essa prática muito comum nos teleatendimentos.

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83 não apenas no trabalho que ele executa e na resolução das questões dos seus clientes no atendimento, mas suas atitudes estão sendo monitoradas a todo o instante em um esquema panóptico proposto pela X Center. Desse modo, “a vigilância torna-se um operador econômico decisivo, na medida em que é ao mesmo tempo uma peça interna no aparelho de produção e uma engrenagem específica do poder disciplinar” (FOUCAULT, 2002b, p. 147).

A rotina e o passar do tempo servem para fazer o teleoperador se acostumar com as dificuldades da empresa. Acostumar-se com essa vigilância constante e com tudo o que se discorda no trabalho é necessário, caso o funcionário queira alcançar os objetivos estimados. De certo modo, é preciso talvez abdicar de princípios que o indivíduo tivesse em outros momentos em busca da realização dos seus desejos sociais e dos seus planos de vida. Esse é um preço que se paga.

O poder disciplinar tem a força de moldar seus funcionários. Essa modalidade de vigilância constante dos corpos e dos sujeitos traz lucros para a empresa e garante uma maior produtividade por parte do empregado. Em contrapartida, o sujeito sente-se mais livre por nem sempre estar em contato físico imediato com aqueles que o vigiam e cobram seus resultados.

Este novo mecanismo de poder apoia-se mais nos corpos e seus atos do que na terra e seus produtos. É um mecanismo que permite extrair dos corpos tempo e trabalho mais do que bens e riqueza. É um tipo de poder que se exerce continuamente através da vigilância e não descontinuamente por meio de sistemas de taxas e obrigações distribuídas no tempo; que supõe mais um sistema minucioso de coerções materiais do que a existência física de um soberano. Finalmente, ele se apoia no princípio, que representa uma nova economia do poder, segundo o qual se deve propiciar simultaneamente o crescimento das forças dominadas e o aumento da força e da eficácia de quem as domina. (FOUCAULT, 1988, p. 188)

Analiso, pela ótica foucaultiana, o caráter triplo do trabalho, vendo-o tanto da perspectiva produtiva, como por suas características simbólicas e disciplinares. É o que se vê todo o tempo na empresa pesquisada: a preocupação pelos resultados, a elaboração de um universo simbólico que fomente esse tipo de atividade e as práticas de adestramento utilizadas no cotidiano desse ofício.

Segundo Foucault, a disciplinarização das sociedades a partir do século XVIII não se dá por um esquema de obediência cega que siga o modelo prisional. Ao contrário, a sofisticação da disciplina é diferenciada, promovendo um ajuste “entre as atividades produtivas, as redes de comunicação e o jogo das relações de poder.” (FOUCAULT, 2010, p.

84 286). O que ocorre na prática é um acúmulo da força de trabalho, através de complexos tipos de disciplina, que tem uma adesão dos disciplinados por conta dos interesses que possuem em obedecer para atingir seus objetivos. Nesse sentido, fortalece-se a formulação e o lapidamento de corpos dóceis, úteis e produtivos.