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2. O TRABALHO NO CALL CENTER : ADESÃO, FLEXIBILIDADE E REPULSÃO

2.8. Aliado a tudo: o adoecimento

Acumulado a todos os processos descritos nos tópicos anteriores, há uma série de transtornos capazes de marcar os corpos dos jovens teleoperadores por muito tempo ou até para toda a vida. Os corpos adoecem em meio às atribulações do call center e é sobre isso que discutirei nesse pequeno tópico, finalizando o capítulo.

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Mészáros (2007) tem uma leitura de que o capitalismo e suas empresas não desejam que o trabalhador usufrua do tempo livre, pois esse momento pode ser criativo demais, gerando subversão e possibilidades de resistência coletivas, a partir da geração de laços de solidariedade entre indivíduos de uma mesma classe social. Portanto, ter o tempo livre é perigoso à ordem vigente, segundo o autor.

92 A partir dos últimos instrumentais que apliquei com quarenta teleoperadores do

call center, observei números preocupantes sobre a saúde dos teleoperadores. 42,5% dos funcionários declararam que já tiveram ou adquiriram algum tipo de doença após o início do trabalho na empresa. 57,5% das pessoas afirmaram que não tiveram nenhum problema de saúde. Entretanto, a média de tempo na empresa das pessoas que não adquiriram nenhum tipo de doença está apenas entre onze e doze meses. Por sua vez, a média de tempo na empresa de funcionários que já adoeceram é de aproximadamente um ano e sete meses. Nesse sentido, observa-se uma clara tendência ao adoecimento com o passar do tempo de trabalho.

A partir do universo por mim pesquisado no ano de 2013, os setores que possuem operadores com problemas de saúde são: 103 (com 20% dos funcionários), Retenção (com 17,5% dos funcionários), CNS (com 2,5% dos funcionários) e Cobrança (com 2,5% dos funcionários). O total representativo de cada setor já foi exposto anteriormente.

As doenças mencionadas nas entrevistas foram: dor de ouvido e dor nos braços (15% cada uma); tendinite, dor de garganta e dor de cabeça (7,5% cada uma); dor nos ombros, infecção intestinal e estresse (5% cada uma); dor no estômago, faringite e dor nas costas (2,5% cada uma). Cada teleoperador ficou à vontade para apontar mais de uma doença adquirida. 50

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Em um estudo realizado na X Center por Cavaignac (2010), os números já eram alarmantes sobre essa

questão: “No que se refere às condições de saúde ocupacional no call center, 57% dos sujeitos pesquisados

declararam ter adquirido, pelo menos, um problema de saúde no trabalho, ao passo que 36% afirmaram que nunca tiveram problemas de saúde e 7% não fizeram declarações sobre este assunto [...]. Entre os problemas de saúde mais freqüentes foram citados: dores nos ombros, braços ou mãos (18,24%); tendinite (14,86%); problemas com a audição, como perda auditiva, dores e/ou inflamação nos ouvidos (10,81%); dores no pescoço ou na coluna (10,81%); estresse (10,14%); dores de cabeça ou enxaqueca (8,11%); problemas com a voz, com afonia, dores e/ou inflamação na garganta (7,43%); alterações no sistema nervoso, tais como irritação, nervosismo, impaciência, ansiedade e raiva (3,38%); problemas de vista, como dor nos olhos (3,36%); depressão (2,70%); gastrite, inclusive nervosa (2,03%); bursite (1,35%); cansaço físico e mental (1,35%); problemas psicológicos (1,35%); entre outros, tais como a síndrome do pânico (0,68%), insônia (0,68%) e dores musculares

93 Infelizmente, é comum notar teleoperadores se queixando de dores ou já utilizando equipamentos de proteção durante o trabalho. Informações internas apontam que a empresa não cumpre as regras determinadas pela NR-1751 do Ministério do Trabalho e Emprego e que quando toma conhecimento da patologia do teleoperador o demite antes que ele registre o problema. Essa é mais uma manobra, evitando problemas jurídicos ao demitir um funcionário com doenças adquiridas por conta do trabalho, tanto pela carência de segurança ergonômica como pelo exercício precário que a função exige.52 Abaixo, uma jovem doente explica um pouco do drama causado pela doença adquirida no call center

[...] foi muito... muito desgastante, frustrante e eu arranjei uma doença de estresse... pelo estresse do call center. Eu fiquei com uma doença chamada “síndrome do

intestino irritável”, que vem me causando problemas até hoje... essa consequência...

E pelo estresse mesmo... me atrapalhou pra estudar pro vestibular, atrapalhou toda a minha vida, tudo, tudo... meu relacionamento com o meu namorado, meu relacionamento com a minha família... durante os nove meses foram totalmente destruído. (Ex-teleoperadora de 21 anos)

Outra funcionária, que acumula o trabalho com a condição de ser uma estudante de Direito numa faculdade particular, comenta sobre sua própria saúde e demonstra que isso é considerado normal. A naturalização da condição precária é um reflexo, no caso dela, da necessidade de manter-se no emprego para conseguir a diplomação.

Esses problemas são adquiridos no trabalho, dependendo do trabalho de cada pessoa. No caso de atendente de telemarketing a gente não tem dificuldades de aderir a esses problemas. No caso do meu, que é bem grave, que é tendinite, é dores

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Norma Regulamentadora número 17, que regula as condições ergonômicas de trabalho.

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As condições ruins da ergonomia ocasionam, dentre outras coisas, uma série de LER (Lesões por Esforços Repetitivos) que chega a ser epidêmico sob a ótica de diversos autores da área. Ver mais sobre isso em Lopes (2011), em Franco, Druck e Seligmann-Silva (2010) e em Seligmann-Silva (2001). Autores como Le Guillant, Roelens, Béquart, Hansen e Lebreton (1984) constroem historicamente um acervo sobre os adoecimentos físicos e mentais dos teleoperadores desde o surgimento do telemarketing ainda no século XIX.

94 de ouvido, dores de cabeça e estresse também que é muito comum em todos os atendentes. A gente adquire isso mesmo no atendimento do dia-a-dia.

Não bastasse as marcas da decepção com a empresa e as emocionais causadas pelo desgaste, as consequências físicas são geradas também na vida do funcionário. A sensação é de que aquele sonho gerado não foi realizado e situações de pesadelo foram criadas a partir dele. Muitos saem aliviados e outros pressionados pelo mercado, produzindo automaticamente uma necessidade de encontrar outro serviço o mais rápido possível.

Por questões de limites da pesquisa, não consegui fazer um monitoramento sobre para onde todos esses funcionários vão após serem demitidos. Contudo, a grande maioria dos que conheço estão trabalhando em outros call center da cidade, sofrendo e desejando a demissão da mesma forma ou foram encaminhados para o comércio varejista de Fortaleza. Percebe-se que a sensação é de que não há para onde escapar, no sentido de que não estamos aqui discutindo uma onda de precarização como um fenômeno da “moda”, mas um enraizamento grosseiro do precário na essência dos trabalhos desempenhados.

3. FINANCIANDO OS PRÓPRIOS ESTUDOS: INVESTIMENTOS AGENCIAIS