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A escolha dos heróis portugueses e a questão da figura de Colombo

Primeira Parte

2. Concepção e organização da comissão portuguesa no IV Centenário 1 O papel de Oliveira Martins

2.2. A organização da comissão representante de Portugal no IV Centenário

2.2.3. A escolha dos heróis portugueses e a questão da figura de Colombo

Um outro aspecto relacionado com a importância do estudo do Centenário é o culto às figuras heróicas89. Se, por um lado, Colombo foi sem dúvida alguma a figura central das comemorações, por outro não foi a única figura heróica a merecer destaque. Personagens como D. Henrique, D. Manuel I, Vasco da Gama, Pedro Álvares Cabral e muitos outros também fizeram parte dos vários discursos portugueses em 189290.

Contudo, terá sido a escolha dos heróis nacionais debatida e ponderada? Teriam o mesmo grau de preponderância? E como Colombo entraria no discurso preparado pela comissão portuguesa?

Estamos perante um exercício complexo para compreendermos o papel dos heróis nacionais no IV Centenário, assim devemos reflectir um pouco sobre a figura do

relação à estadia de Cristóvão Colombo na ilha da Madeira. Durante o ano de 1892, foram vários os periódicos ibéricos que possuíram algumas notas acerca desta janela; inclusivamente, em alguns deles chegou mesmo a figurar uma ilustração da mesma.

89

Veja-se como exemplo a reflexão tomada por Maria Isabel João sobre o papel dos heróis nas comemorações dos centenários: Maria Isabel João, op. cit., 2002, pp. 506-634.

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Esta ideia está bem visível numa das publicações mais notáveis da época: Manuel Pinheiro Chagas,

Os descobrimentos Portugueses e os de Colombo. Tentativa de coordenação histórica, Lisboa, Typ. da

herói enquanto ser semidivino, e a relação com o pensamento português da época. Herói do latim heros é, muitas vezes, definido como alguém que sobressai dos demais pelas suas acções ou qualidades, capaz de produzir feitos impossíveis para a maioria dos mortais, e é, também, idolatrado pelos seus compatriotas. Os heróis ultrapassam obstáculos e essa superação leva a um progresso que ocorre porque o homem se supera a si mesmo e as dificuldades do meio envolvente. No IV Centenário comemorava-se os feitos de Cristóvão Colombo, este era considerado um herói, o primeiro a conseguir o impensável. Embora o seu feito fosse reproduzido por outros navegadores, jamais voltaria a ser reeditado, pois tinha sido o primeiro a levar a Humanidade a um progresso91.

Perante tão proeminente figura, três nações disputavam a sua influência sobre Colombo e consequentemente os louros do seu sucesso. Génova reclamava a nacionalidade de tal figura, assumindo que nas veias deste navegador estavam as tradições náuticas do povo genovês. Espanha assumia-se como a verdadeira responsável pelos actos de Colombo, pois tinha sido ela que concedera ao genovês as condições necessárias para que este pudesse realizar tais feitos, e nessa medida tinha sido a única nação a reconhecer a priori o destino do herói. A posição de Portugal no Centenário face à figura de Colombo foi debatida pela comissão desde do início. Procurou-se estabelecer um discurso coerente. O guião a apresentar seria baseado nos documentos oficiais que provavam a presença de Colombo em Portugal92, o seu casamento com uma mulher portuguesa e as navegações em que participará a bordo de embarcações portuguesas. O objectivo estava então traçado, demonstrar que Colombo aprendera muito com os portugueses durante a sua estadia no território nacional. Assim, o herói apenas o fora porque tinha aprendido com os deuses a arte de navegar em alto mar.

Esta ideia dos portugueses como professores de todas as nações europeias na arte de navegar não era nova. Relembremos as palavras de Oliveira Martins, durante um discurso intitulado Navegaciones y Descubrimientos de los Portugueses Anteriores a al

Viaje de Colón, no Ateneu de Madrid, durante um evento que tinha como objectivo

anteceder as actividades do Centenário Colombino.

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Tzvetan Todorov, op. cit., p. 5.

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Recomendamos a leituras das primeiras sessões relativas à preparação da participação portuguesa, já que nestas é constante a preocupação com a procura de documentos comprovativos da estadia de Colombo em terras lusas. Veja-se B.A.C.L., Cota 59B - Comissão Portuguesa da Exposição Colombina,

«Fué en nuestra escuela que se educaron todos los marineros; todos, incluyendo al propio Colón que dió las Américas a Castilla. Fué en nuestras instituciones coloniales que aprendieron todos los pueblos, todos, incluyendo la propia Inglaterra que del saqueo de nuestro común hizo el cimiento de su fortuna.»93

Do conjunto variado de navegadores que se destacaram através da perpetuação da sua memória, seriam Vasco da Gama e Pedro Álvares Cabral os nomes mais fortes para serem expostos como heróis nacionais, rivalizando ombro a ombro com Colombo. Porém, nessa disputa directa entre os feitos dos heróis, seria o genovês a triunfar, pois o facto de este ter realizado o descobrimento de um novo continente em 1492, oito anos antes da chegada de Cabral ao Brasil, permitia à nação espanhola reclamar para si um dos grandes feitos da época dos descobrimentos. Contudo, como verificámos no parágrafo anterior, Portugal pretendia reclamar a prioridade dos descobrimentos portugueses e consequentemente o seu lugar como primeira potência marítima. Nesse sentido apenas existia uma figura histórica capaz de rivalizar com Colombo e até mesmo superar-se a este, o Infante D. Henrique.

A comissão reconhecia o Infante como a figura maior dos descobrimentos portugueses e europeus, o génio por detrás da empresa nacional, o responsável pela idealizada «escola de Sagres», que tantas vezes foi mencionada durante o período das comemorações do IV Centenário. Para os membros da comissão não tinham existido descobrimentos sem o Infante, mas o seu papel não cessa apenas no carácter inovador dos seus feitos. Muito pelo contrário é apresentado como o verdadeiro responsável por uma revolução científica que muniria as navegações de um carácter científico. Consequentemente nenhum descobrimento português fora então obra do acaso. Assim, acreditamos que perante as ideias da comissão portuguesa, o carácter científico legitimava o conhecimento de um continente americano por parte dos portugueses, não existindo para alguns académicos qualquer tipo de dúvidas em relação a este facto, como prova a citação de Teixeira de Aragão, eternizada no livro de actas da comissão portuguesa:

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«O Senhor Teixeira de Aragão diz que os documentos relativos à descoberta da América pelos portugueses também interessam [...] que hoje se sabe que essa descoberta foi muito calculada e não acaso, o que se prova pela Carta de Mestre João a Dom João III. [...] Pêro Vaz de Caminha na sua carta a Dom João III também revela este plano; que possuo uma cópia autentica feita sobre o original que importa publicar tudo isto. No Esmeraldo também se indica que a descoberta da América não foi puro acaso.»94