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Segunda Parte

2. As celebrações do IV Centenário

2.2. As festas em Génova

A figura de Colombo no século XIX era indissociável da sua pátria: Génova. Desta forma, no ano em que se comemorou os feitos do herói, a sua cidade natal decidiu convocar a memória do seu filho mais famoso. Para alguns autores, como Mario Bottaro, a realização das festividades nesta cidade com a amplitude que teve, vem em grande medida de um desejo local de visibilidade. No entanto, tais pretensões iam de encontro a um discurso nacionalista no qual a imagem de Colombo se apresentou como

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Antonio Sánchez Moguel, Las Conferencias Americanistas. Discurso resumen, Madrid, Estabelecimiento Tipográfico «Sucesores de Rivadeneyra», 1894, p. 6.

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Salvador Bernabéu Albert, op. cit., p. 63.

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Tal situação não ficou esquecida, no artigo «El descubrimiento de América en las letras españolas», publicado em dois números da revista Nuevo Teatro Critico, por Emilia Pardo Bazán, onde a autora refere o seguinte: «La serie de Conferencias del Centenario pareció un excelente recurso para refrescar lauros y prestar vida al Ateneo, atrayendo á su seno, con espirito conciliador y generoso, elementos extraños, y á veces hostiles – como, verbigracia, el eclesiástico. No se puede negar que el resultado ha sido satisfactorio, aunque la especie de apatía ó frialdad del público oyente prevaleciese la mayor parte de las noches, y la concurrencia escasease bastante en las dos terceras partes de las Conferencias. Aun así, repito que la campaña honra á sus organizadores, y que cuando se hayan publicado todas las Conferencias, formarán un curso muy completo de americanismo, variado, instructivo y á veces ameno». Emilia Pardo Bazán, «El descubrimiento de América en las letras españolas», Nuevo

unificadora de um espírito nacional, representado todos os homens de origem italiana que participaram nas empresas portuguesas e espanholas na época dos descobrimentos.

A ideia de celebração do evento parece remontar ao ano de 1884. Contudo, é no ano de 1886 que é criada uma junta comunal para discussão da realização dos trabalhos111. Seria necessário aguardar pelo dia 28 de Junho 1887 para ser concretizada a primeira medida da referida112.

À semelhança do que tinha sucedido em Portugal e Espanha, também em Itália o financiamento para a realização das festividades contou com alguns percalços e com algumas vozes contra o elevado investimento que um evento de tal dimensão acarreta. Porém, a situação financeira alterou-se, surgindo os primeiros investimentos monetários em 1891113.

O início das festividades deu-se a 10 de Julho de 1892, dia de S. Cristóvão. As cerimónias tiveram um discurso de glorificação nacional, através do reconhecimento do filho da terra reconhecia-se, também, o poder e maestria do povo genovês114. Este foi o mote para a maioria dos eventos realizados sob o pretexto do festejo do centenário. Até mesmo a exposição agendada para o período comemorativo possuía um elevado cariz nacional. Assim, a sua designação de Exposição Ítalo-Americana revelava uma afirmação patriótica, uma vez que apenas participaram nesta exposição comissões oriundas do território italiano.

Toda a população italiana parecia apreciar o evento, comparecendo em massa às diversas ofertas lúdicas e intelectuais. Entre genoveses, habitantes de outras partes de Itália e cidadãos de outras nacionalidades, pensa-se que passaram por Génova, para assistirem aos festejos, milhares de visitantes. Para além da já referida exposição Ítalo- Americana, destacamos as várias encenações que recriaram vários momentos da vida de

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Apenas em 1890 é criada uma única comissão responsável pela condução de todos os trabalhos, pois até lá muitas eram as juntas que discutiam entre si para a organização do evento. Estas disputas dificultavam o arranque dos trabalhos, sendo que a unificação destas em uma só comissão era o único caminho para o sucesso da realização do IV Centenário em terras italianas. Vide Mario Bottaro, «Milleottocento Novantadue, una festa di fine secolo», Festa di Fine Secolo. 1892 Genova & Colombo, edição de Mario Bottaro, Genova, Pirella Editore Genova, 1992, pp. 16-18.

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Idem, ibidem, p. 17.

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Idem, ibidem, p. 17.

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Recorde-se o que Adelardo Ortiz de Pinedo escrevia a este respeito: «Como Italia glorifica más al hijo que al descubridor, ha elegido para el comienzo de sus solemnidades el 10 de Julio, día de San Cristóbal, dando el intimo carácter de fiesta familiar á la gloria del hombre, y dejando la hazaña y la aventura para españoles y americanos». Vide Adelardo Ortiz de Pinedo, «Las fiestas colombinas en Génova», El Centenario, Tomo III, 1892, p. 85.

Cristóvão Colombo115; o Congresso Internacional de Botânica, Congresso Pedagógico e o Congresso Geográfico, todos realizados durante o mês de Setembro116.

A presença de Portugal nas comemorações realizadas em Génova ficou imortalizada nas páginas de alguns periódicos portugueses que dão destaque às festas que se iam realizando em Itália. Portugal não se fez representar por uma comissão, e não encontramos registos da participação de alguma associação portuguesa nas festividades. A corveta Bartolomeu Dias117 e a sua tripulação constituíram a única representação portuguesa presente nas festividades, em que as mais elevadas patentes participaram num banquete oferecido pelo rei Humberto I.

Pode-se afirmar que, de uma forma geral, as festividades em Génova verificaram uma maior recepção por parte dos seus cidadãos do que outras cidades que também acolheram os festejos relativos ao IV Centenário, sendo que muitos dos genoveses participaram afincadamente na realização dos mesmos. As numerosas representações históricas que se proporcionaram nessa altura contribuíram, em grande medida, para cativar uma parte significativa da população. Assim, ao contrário do que viria a suceder em território espanhol, em Génova as festas colombinas verificaram a presença das camadas mais baixas da sociedade. Estas reviam-se nos festejos, assemelhando-se mais a uma celebração de cariz religioso do que civil. É claro que para as elites intelectuais italianas, o centenário assumiu-se como uma oportunidade de câmbio de saberes, e de chamadas de atenção para alguns aspectos culturais, nomeadamente no que dizia respeito à salvaguarda do património nos seus distintos formatos118.

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Um desses memoráveis momentos foi a cavalgada histórica que se realizou a 3 de Agosto de 1892, «La memorable fecha del 3 de Agosto ha sido festejada en Génova de modo teatral y magnifico. Todas las clases sociales, artistas, industriales, aristocracia, quisieron revivir de manera tangible los incidentes y detalles del acontecimiento, organizando, lucida, original y fidelísima cabalgata». Vide Adelardo Ortiz de Pinedo, «Las fiestas colombinas en Génova», El Centenario, Tomo III, 1892. p. 87.

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Ao contrário do que sucede com os congressos desenvolvidos em Espanha, os realizados em terras italianas não são alvo de análise da nossa parte, porque infelizmente não foi possível apurar a presença portuguesa nos mesmos. Gostávamos ainda de salientar que é muito importante que no futuro se aprofundem os estudos relativos a estes congressos e que se cruze os resultados com os congressos realizados em Espanha, pois estamos em crer que tal trabalho irá beneficiar, em especial, a história da pedagogia no século XIX.

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O Ocidente, 15.º Ano, XV Vol., n.º 495, 21 de Setembro de 1892, pp. 210-211.

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«Le colombiane del 1892 offrirono agli intellettuali genovesi il pretexto per richiamare l’attenzione del cittadini e dei pubblici amministratori – per lo più sensibili solo a questioni di urbanizzazione inerenti all’industrializzacione della città – verso problemi culturali legati alla salvaguardia del património storico, artístico e architettonico». Vide Enrica Marcenaro, «Periodici, Libri e documenti per una bibliografia del 1892», Festa di Fine Secolo. 1892 Genova & Colombo, edição de Mario Bottaro, Genova, Pirella editore Genova, 1992, p. 70.

Deve-se ainda salientar o elevado número de obras que vieram a lume em Itália durante essa época, fruto da celebração do IV Centenário, levando a um aumento exponencial de obras de carácter biográfico, estudos sobre o papel dos italianos nos descobrimentos marítimos e publicação de documentação inédita119. À semelhança do que sucedeu noutros países, também em terras italianas os periódicos davam um lugar de grande destaque às celebrações, em especial os periódicos ilustrados. Pensamos que a aceitação terá sido grande por parte dos leitores, pois isso explicaria o investimento efectuado por alguns periódicos na publicação de ilustrações coloridas e de edições especiais.

O exemplo italiano assume-se como um modelo de estudo, onde é possível verificar o verdadeiro impacto de um centenário para uma união civil e comunitária, onde o herói é o elemento agregador das distintas camadas sociais, e a celebração deste é o motor económico e cultural para o desenvolvimento de novas actividades.