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CAPÍTULO II – PROCESSOS CRIATIVOS

2.1 ROMEU E JULIETA NA TERRA PROMETIDA

2.1.7 A escolha de Julieta

Vários foram os desafios da montagem de Romeu e Julieta na terra prometida. A seguir, analisarei dois deles: a divisão de personagens e as repetições.

Decidir sobre a distribuição dos papéis, talvez tenha sido um dos maiores desafios do processo, pois sabíamos que estávamos trabalhando o tempo todo com a realização ou frustração de desejos. A situação se agravava, quando o assunto era escolher os protagonistas, principalmente a garota que iria interpretar a Julieta. Como exemplo disso, comento um fato que aconteceu no início do processo: um dos assistentes de direção perguntou quais meninas queriam interpretar o papel da Julieta, praticamente, todas responderam que desejariam fazer este papel, com exceção de cinco, entre elas, a garota que futuramente iria representar esse personagem: “quase todas levantaram a mão. Eu fui uma das que não levantou, mas na verdade eu queria muito ser a Julieta, o único problema é que eu demoro a decorar o texto” (Aluna 05, 2005)52.

Nesse momento, percebi que tínhamos um desafio pela frente, numa turma de trinta e três alunos, com apenas seis meninos, como escolher quem faria a Julieta? Esta era uma pergunta que, naquele momento, ainda não tinha resposta, um entre vários desafios que surgiriam ao longo do processo. Hoje, aproximadamente cinco anos depois, penso que uma das soluções para essa questão seria que mais de uma garota fizesse o papel da Julieta, poderíamos ter montado cada cena com uma Julieta diferente, porém, naquele momento, não pensamos nisso.

Nos primeiros ensaios, várias foram as improvisações de cenas do texto, previamente escolhidas pela equipe de direção, que tinham como meta definir os adolescentes que iriam fazer os personagens da peça. Elas se davam do seguinte modo, formávamos duplas e/ou trios, cada uma recebia um fragmento de texto, a partir de então, estruturavam uma improvisação e

a apresentavam para os outros colegas. Feito isso, realizávamos a avaliação delas, focando os aspectos relativos à linguagem teatral.

Essas improvisações eram testes assumidos de forma clara para os alunos: “sei que aquelas apresentações eram para escolher o Romeu e a Julieta. Eu queria ser a Julieta, mas sei que não tenho perfil, estava triste terça-feira, por problemas pessoais, por isso não quis participar” (Aluna 06, 2005)53.

Para buscar amenizar as possíveis frustrações que esse processo poderia causar nos participantes, utilizávamos de alguns argumentos. Como, por exemplo, o fato de não existir papel pequeno em uma peça, que todos têm sua importância, independente da quantidade de falas. Outro argumento era o de que alguns alunos tinham perfil para determinados personagens, por isso, seriam escolhidos:

Nesse terceiro ensaio, começamos o processo de escolha dos personagens. Percebi que muitas pessoas se encaixaram direitinho em cada papel que fizeram. Eu ensaiei como Julieta, e acho que tenho até alguma chance de pegar esse papel, pois é como o professor disse: “Muitas pessoas são ótimas para fazer o papel de Julieta, porém, elas não se encaixam no perfil”. Enfim, se eu não conseguir pegar o papel de Julieta, sem nenhum problema. Porém se eu conseguir mãos à obra e eu vou me esforçar para dar o melhor de mim. (Aluna 07, 2005)54.

Essa ideia de perfil de fato esteve presente no processo de escolha dos personagens. Os critérios da equipe de direção se baseavam em aptidões pessoais dos participantes, como, por exemplo, desinibição, dicção e concentração. Pensávamos, naquele momento, que não tínhamos tempo para preparar alguém que falasse baixo, ou que fosse tímido, para desempenhar um dos papéis protagonistas. Com isso, foram duas semanas de testes, em que nós, diretor e assistentes, decidimos, sem consultar os alunos, por aqueles adolescentes que considerávamos ser melhores para desempenhar determinados personagens.

Após a fase de testes, finalmente, revelamos para todos a distribuição dos papéis. Essa notícia foi recebida por alguns com grande euforia, principalmente aqueles que iriam representar personagens que se destacavam no texto de Shakespeare:

Depois dos grupos se apresentarem, os professores conversaram e resolveram quem seria o Mercúccio, e eu fui escolhida. Fiquei muito feliz, pois esse papel também é muito importante, além de ser muito divertido como eu. Para falar a verdade, achei melhor eu ter feito esse papel do que o de Julieta, pois o de Julieta é muita responsabilidade, e para mim, que não sou tão aberta (sou, mas nem tanto) com o público, seria um pouco difícil. (Aluna 01, 2005)55.

53 Aluna 06. Protocolo de aula. Uberlândia, 23 agosto de 2005. 54 Aluna 07. Protocolo de aula. Uberlândia, 24 de agosto de 2005. 55 Aluna 01. Protocolo de aula. Uberlândia, 31 de agosto de 2005.

Vários foram os depoimentos que mostram o entusiasmo de interpretar um papel com muitas falas, e que apareceria em várias cenas, “na aula passada, eu recebi a melhor notícia que eu podia receber, ganhei o papel da Ama” (Aluna 08, 2005)56. A aluna escolhida para interpretar a Julieta, descreve em seu protocolo esse momento da seguinte forma, “na última aula de teatro os professores falaram quem iria ser Julieta, eu fui escolhida, eu amei a notícia” (Aluna 09, 2005)57. Para finalizar os vários protocolos que registraram momentos de alegria com a notícia do papel recebido, transcrevo o do aluno que foi escolhido para fazer o pai do Romeu:

Na aula, eu me diverti muito, pois o personagem que eu peguei que é o pai do Romeu, é o personagem que eu queria ser. Eu queria ser um cara que fosse de uma aparência mais nervosa como o Montéquio, que é um cara muito autoritário. Então nessa aula eu saí realizado. Espero que todos estejam felizes com seus personagens. Pois é muito ruim fazer uma coisa que a gente não está satisfeito. (Aluno 10, 2005)58.

Em relação aos alunos que pegaram personagens com poucas falas, que apareciam em poucas cenas do texto, como o caso dos criados das duas famílias, a recepção da notícia foi diversa, alguns se mostraram felizes com o papel: “Eu peguei o Gregório, ou melhor, a Geórgia. Foi uma aula interessante, gostei muito (Aluna 11, 2005)59”, ou “a aula foi muito boa, eu adorei o meu personagem, pois tem poucas falas, fica mais fácil para decorar, e além do mais eu sou muito tímida, não gostaria de fazer a Julieta e ter que beijar o Romeu” (Aluna 12, 2005)60. Só tenho um registro, no qual a aluna se evidenciava insatisfeita com o papel que recebeu, “eu gostaria de ter outro personagem, pois eu acho que o meu é muito pequeno” (Aluna 13, 2005)61. Mesmo tendo apenas um protocolo que mostra insatisfação em relação ao personagem que iriam interpretar, cabe ressaltar que dez alunos foram escolhidos para fazer os papéis dos servos das famílias Montéquio e Capuleto, e apenas três deles, conforme descrito acima, fizeram o protocolo dessa aula, os outros sete, ao contrário dos encontros anteriores e posteriores, não quiseram registrar o momento.

Essa situação não passou despercebida para a equipe de direção, durante todo o processo, procuramos aumentar a participação desses alunos na encenação, por meio das seguintes ações: criação de falas para os personagens em momentos que não existiam no texto original; encaminhamento para aulas de circo e dança, para fazerem parte das coreografias e números circenses do espetáculo; e criação de cenas de multidões, em que, praticamente, todo o elenco foi incorporado.

56 Aluna 08. Protocolo de aula. Uberlândia, 31 de agosto de 2005. 57 Aluna 09. Protocolo de aula. Uberlândia, 31 de agosto de 2005. 58 Aluno 10. Protocolo de aula. Uberlândia, 31 de agosto de 2005. 59 Aluna 11. Protocolo de aula. Uberlândia, 31 de agosto de 2005. 60 Aluna 12. Protocolo de aula. Uberlândia, 31 de agosto de 2005. 61 Aluna 13. Protocolo de aula. Uberlândia, 31 de agosto de 2005.

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