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CAPÍTULO II – PROCESSOS CRIATIVOS

2.2 AS MIL E UMA NOITES

2.2.8 Oficinas com jogos teatrais

Durante a fase de lapidação das cenas, vários aspectos relativos à linguagem teatral precisaram ser trabalhados, como, por exemplo: quando identificávamos dificuldade de acompanhar com duas cenas ao mesmo tempo, em fiscalizar um objeto, em estabelecer uma relação de jogo entre atores em cena, a falta de foco etc. Para resolver esses problemas, decidimos fazer jogos teatrais nos moldes propostos por Viola Spolin, ou seja, os jogos foram utilizados em momentos específicos, para a resolução de problemas que surgiam nas cenas. Viola Spolin propõe o domínio da linguagem teatral a partir de jogos:

Os jogos [teatrais] são baseados em problemas a serem solucionados. O problema a ser resolvido é o objeto do jogo que proporciona o Foco. As regras do jogo teatral incluem a estrutura dramática (Onde, Quem, O Quê) e o objeto (Foco), mais o acordo de grupo. (KOUDELA, in: SPOLIN, 2004, p. 12).

Outro elemento presente nos jogos teatrais são as instruções que o coordenador transmite na hora em que o jogo está acontecendo:

[...] Para ajudar os jogadores a alcançar uma solução focalizada para o problema, Spolin emprega a técnica de “instrução”, através da qual encoraja o jogador a conservar a atenção no Foco. Dessa forma, estrutura o jogo intervindo com comentários que constantemente mantém o jogador em contato com a realidade objetiva. (KOUDELA in: SPOLIN, 2004, p. 12).

Durante o processo de ensaio, Spolin orienta sobre a importância de oficinas com jogos teatrais, para trabalhar questões que surjam no transcorrer do processo: “Se as oficinas devem preceder, suceder, estar intercaladas com os ensaios, ou serem realizadas em dias separados, é uma decisão do diretor” (SPOLIN, 2004, p. 33).

Quais jogos usar depende do que acontece durante os ensaios: “Os problemas que começarem a surgir devem determinar os jogos teatrais a serem utilizados na próxima oficina. Mesmo que a sua seleção de jogos seja baseada nas necessidades de um ou dois, todos serão beneficiados” (SPOLIN 2004, p. 48).

Spolin aponta para o fato de que “Jogos teatrais não substituem ensaios. Ensaios com o texto e jogos devem andar juntos para alcançar harmonia no desempenho” (SPOLIN, 2004, p. 33). Mesmo não substituindo os ensaios, eles são úteis nesse período, pois ajudam o elenco e o diretor a solucionar problemas relativos à atuação e a execução das cenas:

Os jogos teatrais são técnicas do diretor. Cada jogo quase sem exceção foi desenvolvido com o único propósito de fazer com que alguma coisa aconteça no palco. Eles solucionam problemas com marcação, personagem, emoção, tempo e as relações dos atores com a platéia. (SPOLIN 2004, p. 18-19).

Para exemplificar tal ação, apresento um dos ensaios do núcleo Aladim: estávamos lapidando a cena do cortejo da princesa Iasmim, a qual era marcada pela presença de todos os participantes do núcleo. O foco tinha que ser alternado algumas vezes, pois havia cenas simultâneas. Porém os participantes conversavam em momentos em que o foco não estava com eles.

A partir dessa constatação, ministramos o Jogo Teatral “Dar e Tomar”75. Feito isso, voltamos para o ensaio, e tecemos paralelos entre o que foi feito no exercício e a sequência de transferência de foco que a cena necessitava.

E assim outros jogos foram trabalhados ao longo do processo. Cabe esclarecer que, por intermédio deste procedimento, os adolescentes puderam construir diversos conhecimentos teatrais – relacionados a cenas e personagens – sem que fossem impostos pela equipe de direção. Nossa função era escolher o jogo necessário para determinado momento, e desenvolvê-lo. E a dos participantes era vivenciá-lo.

2.2.9 Articulações entre as linguagens artísticas

No processo de As Mil e Uma Noites, além do teatro, contávamos com duas linguagens artísticas – dança e música. Os adolescentes que participaram das coreografias e da execução musical eram os mesmos que compunham o elenco do espetáculo.

Em relação à dança, a escola contratou uma professora de dança do ventre76, que, juntamente com a professora do Projeto Dança77 desenvolveram dois encontros semanais, durante um período de três meses, nos quais ensinaram técnicas básicas da dança do ventre e montaram as coreografias do espetáculo. As profissionais articularam a técnica da dança do ventre, com algumas movimentações que havíamos desenvolvido nos aquecimentos criativos e, a partir disso, compuseram as coreografias. Abaixo, o protocolo de uma adolescente, em que ela retrata sua percepção sobre as aulas de dança:

O legal é que a cada ano a gente aprende coisas novas. Ano passado foi o circo, esse ano é a dança do ventre. Estou adorando a aula, quando eu danço me sinto mais livre, para mim é um dos momentos mais felizes do dia. Em relação ao que estou aprendendo, uma das coisas que mais me chama a atenção é o fato das professoras de dança misturarem alguns movimentos que fazemos nos ensaios do teatro, com os movimentos que elas ensinam. (Aluna 20, 2006)78.

75“Dar e Tomar. Objetivo: Entrar num estado de acordo não-verbal com o parceiro, enquanto em prontidão para

atuar com o outro time. Foco: Ouvir/escutar junto com o parceiro de jogo para saber quando dar e quando tomar. Descrição: (Duas mesas, com duas cadeiras cada uma [...]). Divida o grupo em times de quatro. Cada subtime [...] mantém uma conversa em separado [...]. O diretor anuncia Mesa 1 e Mesa 2 até que o jogo se torne claro para ambos os subtimes. Os dois subtimes devem iniciar suas conversas ao mesmo tempo. Quando a Mesa 1 for anunciada, o subtime 1 fica difuso [...] . Quando o ato de passar o foco para o outro time estiver compreendido, pede-se aos jogadores para continuarem suas conversas, dando e tomando o foco sem serem instruídos” (SPOLIN 2004, p. 54-55).

76 Waleska Machado Silva. 77 Ana Paula de Lima.

Os encontros musicais foram ministrados pela coordenadora79 dos projetos extracurriculares e por dois jovens (um aluno80 e uma ex-aluna81 da escola). Eles aconteciam em horários separados e conjuntos com os ensaios. Em horários distintos aos do teatro, a equipe responsável pela criação musical ensinava técnicas de percussão para sete adolescentes. Assim que dominaram a técnica, eles ensaiaram três músicas árabes, pré- selecionadas pela equipe de direção do espetáculo. Depois de um tempo, esses participantes passaram a executar – dentro dos ensaios – essas músicas. Aos poucos, os sete adolescentes foram trazendo outras batidas, como a afro e o hip hop, que faziam parte do seu cotidiano, e as acrescentando ao repertório musical do espetáculo. Com isso, houve a união dos elementos trazidos pelos professores e dos trazidos pelos alunos.

2.2.10 O espetáculo

A estreia do espetáculo As Mil e Uma Noites aconteceu na E. M. Dr. Gladsen Guerra de Rezende. No total, foram três apresentações82 dentro da escola, no ano de 2006. A primeira aberta não só para os alunos da instituição, como também para moradores do bairro que não estudavam na escola, a segunda para os alunos do noturno e a última para os do turno da manhã (IMAGEM 20). Só depois de nos apresentarmos dentro do Canaã, é que levamos a peça a83 um teatro no centro da cidade de Uberlândia, denominado Palco de Arte.

A decisão por começar as apresentações dentro do bairro não foi aleatória, uma vez que esse era o desejo dos próprios participantes: “Nossos amigos, colegas de turma, sempre perguntavam quando iriam ser as apresentações. Por isso, pedimos para que os professores marcassem a estreia na escola, pois não víamos a hora de mostrar o nosso trabalho para toda galera daqui do bairro” (Participante 05, 2009)84.

79 Dóris de Fátima Carneiro. 80 Leandro Ricardo de Andrade. 81 Luciene Aparecida Andrade.

82 Dias 09, 12 e 13 de dezembro de 2006. 83 Dia 18 de dezembro de 2006.

84 PARTICIPANTE 05. Entrevista concedida a Wellington Menegaz de Paula. Uberlândia, 13 de setembro de

Imagem 20 – Público na estreia de As Mil e Uma Noites.

Foto: Wellington Menegaz de Paula. Uberlândia, dezembro de 2006.

Na noite de estreia, junto a olhares curiosos de pais, amigos e familiares, estava o de alguns profissionais do Gladsen. E, entre eles, o da professora de ciências Cristiane Lazarri, que após assistir à apresentação, escreveu o poema Um Sonho de Mil e Uma Noites, e o entregou a cada um dos participantes, abaixo, descrevo, na íntegra, a poesia feita por Cristiane:

Novamente apagam-se as luzes. Nós, ansiosos espectadores aguardamos que as cortinas se abram.

Começa o espetáculo. Diante de nossos olhos passam a desfilar reis, princesas, ladrões e mercadores. Passam também histórias de vida. Crianças, adolescentes, adultos usando mais uma vez, com maestria, o talento, a criatividade que a escola oferece.

Cada um traz suas vivências, suas carências e suas necessidades, mas o brilho do momento supera tudo aquilo que poderia atrapalhar.

Panos coloridos, flautas, violões e tambores nos remetem a um mundo encantado: o das mil e uma noites. Não são necessários grandes cenários, nossa imaginação se encarrega de nos deixar fascinados.

Na minha opinião, este sonho tem mais que 1001 noites, tem muitas noites de sonho: sonhos de um futuro melhor.

Parabéns aos mestres que estimularam estes sonhos, que fazem muito mais na importante tarefa de ensinar e educar.

Que os sonhos nunca acabem, que os atores nunca desistam, pois o espetáculo não pode parar. (LAZARRI, 2006)85.

Ao som de um tambor, que acompanha uma música árabe, que, aos poucos, vai se transformando, por meio de batidas criadas pelos próprios alunos, em uma música afro,

adolescentes entram no espaço (IMAGEM 21), que, até então, servia de refeitório, e que naquelas noites – parafraseando Cristiane – abrigou reis, princesas, ladrões e mercadores.

Imagem 21 – Cena inicial do espetáculo As Mil e Uma Noites.

Foto: Dóris de Fátima Carneiro. Uberlândia, dezembro de 2006.

O sorriso no rosto da adolescente da foto retrata um pouco da alegria que eles sentiram ao encenar para a sua comunidade. Uma alegria que contagiou todas as cenas, propiciando um ar de leveza ao espetáculo. Um clima de brincadeira, de prazer, misturado com responsabilidade, tomou conta de cada um dos trinta e quatro jovens que se apresentaram.

Cabe observar que os adolescentes ficavam o tempo todo em cena. Havia um quadrado de fitas no chão, delimitando o que era cena, ou seja, a parte de dentro do quadrado, e o que não era cena, a parte de fora do quadrado. Com isso, tudo se dava diante do público, inclusive as trocas de roupas, em que os participantes colocavam ou tiravam algum acessório, para demarcar os vários personagens que faziam na peça (IMAGEM 22).

Imagem 22 – Cena do espetáculo As Mil e Uma Noites.

Foto: Wellington Menegaz de Paula. Uberlândia, dezembro de 2006.

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