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A Escrita como Instrumento no Processo Cognitivo

1.3 Leitura e Escrita: Bases para o Letramento

1.3.3 A Escrita como Instrumento no Processo Cognitivo

A escrita como processo de comunicação entre os indivíduos toma por base o tempo e o espaço. Serve não só para orientar, mas também coordenar o pensamento, ações e mediar as relações comerciais e sociais entre os indivíduos envolvidos no processo de interação. Tais realizações sociais subordinam-se à escrita para produzir sentido nas mentes dos participantes do processo de interação, de maneira tal que a escrita ativa a cognição, o que favorece a produção de sentidos, oportunizando, assim, o processo comunicativo entre os homens.

Esse pensamento é reforçado ao se dizer que “as operações psicológicas aguçadas pela prática da escrita podem levar o indivíduo a sentir prazer na produção escrita, chegando a confundir leitura e pensamento como sendo fins em si mesmo” (BAZERMAN, 2007, p. 14). Contudo, é perceptível que leitura e escrita são processos sociais que conectam o pensamento, a experiência e as ideias ao conjunto de ações do indivíduo. Os estudos sobre letramento, nos Estados Unidos, em especial, no início das pesquisas, no século XX, “focalizavam apenas os aspectos cognitivos, contudo, a leitura e a escrita apresentavam-se como atividades coletivas de alto grau de interação” (BAZERMAN, 2007, p. 13). A forma contemporânea das práticas de letramento ocorre isoladamente dos participantes da interação a fim de satisfazer discursos de indivíduos separados em tempo e espaço. Neste sentido, a leitura e a escrita podem ser ligadas ao conteúdo da mente humana, o que sugere a percepção do letramento do ponto de vista psicológico, permitindo que a escrita e a organização social constituam o locus do letramento.

Discute-se a noção de escrita defendida a partir do início da década de sessenta, do século passado, tendo em vista as mudanças diretas possibilitadas pela escrita (GOODY e WATT, 2006). O exemplo disso é mostrado a partir das crenças mantidas através do tempo e do espaço. Foi a partir da segunda metade dos anos oitenta, do século passado, precisamente, 1986, que no Brasil, surge, no campo educacional, a ideia de que as escolas deveriam tomar um lugar especial dentro da comunidade com consequência para a vida familiar e para o desenvolvimento da juventude. Tais instituições, particularmente, com a introdução da educação escolar, puderam transformar-se em veículos de mobilidade social ou de participação de vantagens de classes (BAZERMAN, 2007).

Desse modo, pode-se perceber que a tarefa dos pesquisadores não é de encontrar consequências sociais universais do letramento, mas de entender que a sociedade tem que criar um modelo de vida surgido no interior do letramento, tendo como resultado a participação no meio letrado, independentemente do domínio da leitura e da escrita. O

domínio da leitura e da escrita é importante na vida de qualquer cidadão, no entanto, a falta desse domínio formal não impede que o indivíduo seja um cidadão letrado, podendo, perfeitamente participar de práticas sociais de letramento.

Assim,

As consequências psicológicas e cognitivas indiretas do letramento são vistas através da estruturação do ambiente social e cultural dentro do qual cada pessoa experimenta, pensa e age com as ferramentas culturais disponíveis e as respostas socialmente também disponíveis (BAZERMAN, 2007, p. 19).

Desta forma, pode-se perceber que as oportunidades tipicamente relacionadas à produção escrita tornaram-se acessíveis à população pelas ações do letramento.

A veiculação de cartas, telegramas e sermões possibilitam a expansão da escrita. Não são apenas os textos particulares que impulsionam a escrita, mas um conjunto de práticas culturais e sociais que cercam a linguagem humana. Além das cartas comerciais, entre os comerciantes, circulam também outras formas que favorecem a economia, o dinheiro, a moeda corrente, que por si só representa uma expressão da linguagem escrita, circulam também os sermões religiosos, o que de certa forma, favorece a inserção da população em geral, nas práticas sociais de letramento.

Desse modo, pode-se dizer que a escrita constitui uma agência, entenda-se, neste caso específico, além do já citado, agência, como o compartilhamento de pensamento que pode ocorrer através de cartas pessoais, cartas comerciais, e cartas ao editor, dentre outras formas de veiculação da escrita. Aqui, inclui-se também como agência, como já foi dito, a escola, pelo papel por ela exercido.

A escrita não existe se não houver indivíduos para usá-la, sem que haja uma história de inserção e manutenção de sistemas de escrita, tecnologias de inscrição, uso e difusão socialmente organizados. Ela está associada a valores sociais, históricos, pessoais e únicos. Fornece os meios pelos quais deixa traços de existência, condições de vida, pensamentos, ações e intenções dos indivíduos. A escrita viabiliza aos indivíduos os meios para o alcance de outros meios através do tempo e do espaço, para a partilha de pensamentos, para a interação e cooperação entre os indivíduos.

A escrita permite “uma semiprivacidade para enfrentar pensamentos, memórias, emoções, como também desejos para a criação de uma presença no mundo” (BAZERMAN, 2006, p. 11). Permite usar meios internos e externos, como por exemplo, leitura de documentos oficiais como cartas, atas, relatórios e outros que são importantes para a atual situação e para outras que possam ocorrer.

É através da escrita que o homem faz sua própria história, deixa um marco potencialmente preparado e organizado. Não é difícil se observar nas páginas da literatura linguística e da filosofia o pensamento de Street, Bazerman, Bakhtin, Vygotsky, Marcuschi, Kleiman, e tantos outros que ultrapassam os limites de seus próprios mundos para encontrar novas formas e novos meios para expressarem seus pensamentos, suas ideias. Não há o que questionar ao se dizer que esses estudiosos são agentes, pessoas como quaisquer outras, mas se diferenciam não só entre si, mas entre muitas outras pessoas porque através de suas escritas contribuíram e continuam contribuindo para a mudança de pensamento e de ação da comunidade científica, filosófica e linguística. Seguindo esse raciocínio, pode-se dizer que as obras escritas pelos estudiosos citados e tantos outros inspiraram e continuam inspirando os novos pesquisadores a outros pensamentos, realizações e descobertas, contribuindo, dessa forma, para o crescimento do mundo científico através da escrita.

A amostra aqui citada representa uma parte daqueles que indiscutivelmente deixaram um legado enorme aos estudos linguísticos e filosóficos; o que vale para os campos da linguística e da filosofia, vale também para os demais campos do saber científico. O exemplo aqui posto serve para ilustrar uma parcela dos que muito contribuíram para o crescimento da humanidade, contudo, qualquer cidadão, mesmo no anonimato, é capaz de redigir sua carta comercial, fazer seu pedido de compra, apresentar seu ponto de vista para o editor de um jornal ou de uma revista. Assim procedendo, é agente de si mesmo, porque agencia o seu próprio interesse.

Cada estudante que escrever um ensaio, ou que expressar seus conhecimentos e seus pensamentos também é agente individual (BAZERMAN, 2006). Sendo assim, se uma pessoa escrever um trabalho profissional, seja médico, advogado, vendedor ou pesquisador, estará atuando na condição de agente, considerando que aquele trabalho faz parte de sua profissão. Em qualquer quadro no qual aquele trabalho apareça, mesmo que seu autor nunca tenha sido exposto, é sua a autoria, ele poderá contribuir para o trabalho comunitário, e poderá se desenvolver entre os colegas de trabalho e tornar-se reconhecido, ainda que apenas pelo grupo interno. Conclui-se que desde as grandes contribuições dos pesquisadores às mais humildes formas de escrita, como por exemplo, uma ficha de atendimento em um consultório odontológico, a presença da escrita como atividade social cumpre sua função social.

São muitas as formas de a escrita fornecer oportunidades para a participação na vida comunitária, como a partir da elaboração de projetos e programas sociais, envolvimento de indivíduos em grupos políticos, religiosos, organização e produção da escrita para palestras, fóruns, simpósios, tudo isso representa a participação dos indivíduos na sociedade e são

formas de agência acessíveis desde que as pessoas estejam preparadas para se engajarem nessas atividades e efetivamente desempenharem o papel ali assumido.

Aprender a escrever é uma tarefa difícil, exige compreensão e habilidades; requer atenção e treino. Escrever significa aprender a assumir uma presença ousada no mundo e entre uma completa relação com os outros.

É provável que, por conta do compromisso que se têm com o ensino da escrita, os educadores se preocupem com a maneira como cada pessoa interage com a linguagem escrita. Vê-se que as práticas culturais provocaram o desenvolvimento de indivíduos e suas formas de pensamento, bem como a vida em comunidade e, dessa forma, contribuíram para a discussão das consequências cognitivas, sem se esquecerem dos importantes resultados sociais e culturais. Assim, observa-se que o letramento influenciou a organização da sociedade e esta se mantém e evolui através de práticas sociais de letramento (GOODY e WATT, 2006).

A leitura e a escrita são ligadas ao conteúdo da mente humana e têm a tendência de perceber os maiores efeitos do letramento. Ao se verificar o caminho percorrido pelo letramento, percebe-se que ele:

Não determina um caminho fixo de consequências, não somente porque os eventos são completamente multicausais, mas porque os usos do letramento dependem das escolhas agentivas e estratégias dos atores (BAZERMAN, 2007, p. 20).

Dessa forma, diz-se que o uso do letramento em ações sociais e na organização e estruturação de atividade e instituição de curso não precisa atribuir agência ao letramento em si mesmo, mas ao desenvolvimento da linguagem que está intrinsecamente ligada ao desenvolvimento do indivíduo como um ser social, em seus relacionamentos e cooperação com as outras pessoas em seus sentimentos e emoções, em sua proximidade e distanciamento em relação aos outros, à sua consciência e à dos outros.