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Em muitas regiões do Brasil, parte de suas áreas rurais deixaram de ser sinônimo exclusivo da atividade agrícola e compartilham o espaço com a moradia, além de outras atividades econômicas ligadas ao setor de serviços, a exemplo do turismo rural e ecológico, multiplicando as funções do espaço rural. Com a dispersão urbana e a multifuncionalidade rural, essas áreas rurais vêm passando por expressivas mudanças no uso e ocupação do solo, misturando usos tradicionalmente urbanos e rurais, sendo denominada por Arraes e Viegas (2008) como áreas periurbanas.

Grandes mudanças têm ocorrido no meio rural brasileiro em decorrência da incorporação de atividades tipicamente urbanas. Com a crise de empregos nas áreas urbanas, que vem se acentuando desde os anos 80, houve uma maior procura pelo meio rural, não somente para moradia, mas também para desempenhar atividades, como prestação de serviços para autoconsumo ou trabalho por conta-própria, empregos em agroindústrias, comércio, serviços públicos, mão-de-obra temporária na agricultura, na construção civil, aposentadorias e pensões. Essas novas atividades também têm representado fonte de renda complementar para muitas famílias rurais que dependiam exclusivamente da agricultura, contribuindo para a fixação de populações em áreas ou regiões que possam lhes oferecer melhores oportunidades e condições de vida. Por essa razão, o meio rural não pode mais ser considerado como espaço exclusivamente agrícola.

De acordo com Ferrão (2005), as relações de complementaridade entre campo e cidade tendem a aumentar, principalmente à medida que há, numa procura urbana, o essencial da evolução futura das áreas rurais onde a atividade agrícola orientada para o mercado não

alcança uma expressão significativa. Ou seja, as experiências alternativas e inovadoras surgem em áreas de declínio e estrangulamentos econômicos. Assim, se o futuro dos “mundos rurais” define-se, em grande parte, nas sedes urbanas, surge uma questão: como gerir a procura e a oferta urbana a favor dos vários mundos rurais, ou seja, áreas de declínio e prosperidade socioeconômica? Considera-se que este seja o grande desafio para muitas regiões, onde a agricultura ainda tem grande importância, sendo responsável por parte considerável do PIB e por abrigar quase 50% da população regional. Segundo o mesmo autor, um caminho pode estar na consolidação de relações de proximidade mutuamente benéficas e de natureza sinergética em detrimento de relações assimétricas e predadoras do mundo rural e na transformação das cidades em pontes efetivas entre as áreas rurais e o mundo exterior.

Há algum tempo, municípios gaúchos e também brasileiros vêm passando por um processo de urbanização que, aliado ao desenvolvimento dos meios de comunicação, está levando a mudanças expressivas na sua ocupação, como a formação de áreas de transição entre o rural e o urbano e, consequentemente, a emergência de novas relações que reorganizam esse espaço. No Brasil, recentemente, têm sido realizados estudos de casos locais ou regionais para avaliar este espaço. Há um esforço no sentido de realizar diagnósticos da realidade de cada região, destacando a particularidade das áreas periurbanas. Apesar dos estudos se referirem a várias regiões do país, com particularidades sociais, econômicas e culturais, há quase unanimidade entre eles de que nos planejamentos prevalece uma dicotomia entre o rural e o urbano, e essas áreas continuam sem instrumentais de gestão por parte das organizações públicas (ARRAES; VIEGAS, 2008; NORONHA; HESPANHOL, 2009; MIRANDA, 2012).

A distinção dos âmbitos “rural” e “urbano” impõe limites falsos de identidade, não refletidos nos sistemas complexos e interconectados das cidades. Realidades demográficas, econômicas e culturais são tipicamente heterogêneas e multidimensionais. A definição da área “periurbana” reflete esta complexidade de fatores influenciando o espaço. A zona periurbana pode ser definida como áreas localizadas na linha entre rural e urbana, perto da periferia de um limite legal e administrativo de uma cidade, dentro ou fora de um plano de área e normalmente caracterizada pela ocupação de terra e tendência informal e poucos serviços básicos. Para Smit et al (1996), muitas famílias que moram na zona periurbana representam casas multiespaciais, com indivíduos trabalhando a agricultura e outras em empregos

industriais, aproveitando-se do transporte e acessibilidade à cidade. Tacoli (1998) esclarece que as áreas rurais oferecem alimentos básicos e matérias-primas, e os centros urbanos oferecem serviços, como saúde e educação.

Existe um debate na literatura a respeito da definição da área periurbana como potencial de risco ou recurso. Allassembaye (1994) define a região periurbana como um processo pelo qual moradores pobres da cidade tornam-se marginais nos espaços mais longe do centro, sem serviços e empregos normalmente associados com a cidade. Outra definição propõe zona periurbana “caracterizada pela influência urbana, acesso fácil aos mercados, serviços e mão de obra para trabalhos e uma relativa falta de terra e riscos associados com poluição e crescimento urbano” (PHILLIPS; ANDREWS, 1999). Esta definição reflete a centralidade da geografia e da economia para a criação de um conceito periurbano, identificando também as limitações de marginalização e aumento de risco nessas comunidades. Por outro lado, Stoian (2005) desenvolve a ideia de uma “nexus periurbana” e as características de flexibilidade, adaptabilidade e viabilidade desses espaços como sistemas únicos e integrados. Este conceito ressalta a centralidade de um conceito de “continuidade”. O espaço então tem a capacidade de mudar, refletindo uma diversidade de padrões e processos assimétricos.

Em que pese as múltiplas conceituações acerca do espaço periurbano, do ponto de vista pragmático pode-se compreendê-lo como espaço exterior à cintura suburbana, onde os usos e as estruturas urbanas se misturam com as rurais, ou seja, resulta de uma interligação entre o urbano e o rural, não havendo, por isso, uma distinção nítida entre o campo e a cidade. Conforme a FAO (1999), a agricultura urbana e periurbana se desenvolve dentro dos limites ou ao redor das cidades de todo o mundo, incluindo atividades agrícolas propriamente ditas, mas também atividades pecuárias e florestais e serviços ambientais associados. Os limites oficiais da área urbana podem variar muito entre os países e também entre diferentes regiões do Brasil, tendo diferentes densidades de edificação e ocupação do solo. Nas áreas periurbanas, a ocupação do solo também é muito variável, especialmente na densidade populacional e no tipo de uso da terra. Ao redor de grandes metrópoles, há normalmente alta densidade populacional e uma rápida alteração do uso da terra, especialmente com a criação de novos loteamentos habitacionais e industriais. Já ao redor de pequenas cidades do interior, a baixa densidade populacional está associada às atividades agrícolas e pecuárias tradicionais.

A produção agrícola nas áreas tanto urbanas quanto periurbanas tem algumas vantagens, como fácil acesso aos mercados consumidores, menor necessidade de armazenamento e transporte, maior possibilidade de acesso direto ao mercado, disponibilidade de alimentos frescos, proximidade aos serviços oferecidos na área urbana, possibilidade de utilização de resíduos, e outros. No entanto, há também alguns problemas associados, como os riscos ao meio ambiente e à saúde decorrentes de práticas agrícolas inadequadas, aumento na competição por terra, água, energia e mão-de-obra, presença de poluentes interferindo na qualidade dos produtos, produção de lixo e redução da capacidade do meio ambiente para absorver contaminações se comparado às áreas naturais (FAO, 1999).

Em várias regiões do estado e também nas circunvizinhas de regiões metropolitanas, está-se observando esse processo. Além da procura por moradia, a maior demanda por atividades não agrícolas, principalmente a prestação de serviços, assim como a revalorização do meio ambiente e da natureza são fenômenos que estão dando nova dinâmica a este meio rural. As mudanças ganham força, entre outros fatores, pela crescente diminuição da renda agrícola que possibilita a emergência de políticas mais amplas e pluralísticas relacionadas ao uso do espaço rural. Neste espaço multifuncional é cada vez maior a proporção de trabalhadores não agrícolas que residem no meio rural e este, além da função de produção de alimentos e matérias- -primas, também se constitui em um lugar de moradia, de lazer, de identidade cultural e de relação com a natureza.

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