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A especialização dos árbitros e o conseqüente aumento de previsibilidade

3.5 A LGUNS DOS MOTIVOS PELOS QUAIS A ARBITRAGEM P O DE SER VISTA COMO UMA OPÇÃO DE SAÍDA

3.5.4 A especialização dos árbitros e o conseqüente aumento de previsibilidade

Conforme Weber, em seu clássico Economia e Sociedade, para o bom desenvolvimento dos negócios interessa

um direito inequívoco, claro, livre de arbítrio administrativo irracional e de perturbações irracionais por parte de privilégios concretos: direito que, antes de mais nada, garanta de forma segura o caráter juridicamente obrigatório de contratos e que, em virtude de todas estas qualidades, funcione de modo calculável (1999, p. 129).

Tal ânsia por um elevado grau de calculabilidade das normas jurídicas passa a ser mais bem compreendida quando relacionada com o conceito de racionalidade limitada de Herbert Simon (1984). Como já visto anteriormente, Simon afirma que os seres humanos agem de forma racional; porém, conseguem ser apenas limitadamente racionais, no sentido de que não têm eles condições de realizar todos os cálculos e análises para tomar sempre a decisão que é a mais correta em cada caso. Rejeita-se, com isso, o pressuposto ideal (e neoclássico) de hiper-racionalidade do agente. No que importa aos contratos – e, por conseguinte, à arbitragem – é que se a racionalidade é necessariamente limitada, os contratos, por sua vez, necessariamente também terão de ser limitados.

Mas, retornando ao estudo da arbitragem, é de se indagar: qual a conseqüência disso tudo? Ao que se tem que, se os contratos serão sempre incompletos, alguém terá de “os completar” quando surgirem, entre os contratantes, discussões de interpretação ou situações que não estavam previstas nas cláusulas contratuais. Em um sistema democrático, essa tarefa de regra é confiada ao Poder Judiciário; é neste em que são dirimidas as dúvidas e controvérsias contratuais. Mas caso se opte pela arbitragem, qual a vantagem? É que as partes podem, desde o início, estabelecer que quem irá resolver os conflitos de interpretação daquele contrato (completá-lo, em outras palavras) será um expert no assunto, que está sendo tratado naquele contrato.

Imagine-se, por exemplo, um contrato de parceira joint venture, firmado entre uma empresa americana e uma empresa brasileira, para o desenvolvimento de produtos químicos a serem exportados, do Brasil, para o mercado de calçados chineses. Por mais que os advogados das partes estejam acostumados com tais negociações (e mesmo que as empresas também já tenham se envolvido em operações semelhantes), o contrato será sempre incompleto. E então, quando um problema surgir, como será ele resolvido? Se não tiver havido a escolha de arbitragem, supõe-se a situação de um juiz brasileiro – por exemplo, localizado no interior do Rio Grande do Sul – tendo de completar esse contrato. Será que este magistrado terá condições de completar este contrato? Será que ele possui o know how adequado para compreender as minúcias e peculiaridades deste tipo de mercado? Possivelmente não. Aliás, provavelmente não. Seja porque sua formação não foi feita para isso, porque contratos dessa complexidade não são por ele enfrentados todos os dias; seja porque – se fosse o caso – ele teria de parar e se dedicar dias e dias a bem compreender a causa, o que é impossível, frente ao grande número de processos que a cada hora se avolumam nos cartórios forenses.

Parece claro que o contrato tenderia a ser mais bem “completado” se fosse chamado para tal tarefa alguém que já conhecesse bem esse tipo de contrato, a prática comercial, as nuances do mercado chinês de calçados; dominasse os idiomas utilizados na transação, entre outros pontos. E a arbitragem possibilita isso. Se as partes tivessem escolhido um tribunal arbitral internacional – como a Câmara de Comércio Internacional de Paris, por exemplo – sem dúvida lá existiriam árbitros que estão, há décadas, a julgar contratos de joint

ventures como esse, tendo inclusive inúmeros especialistas no mercado chinês, dada a

crescente importância deste país no cenário internacional.

Tal especialização trará segurança às partes, reduzindo os custos de transação da operação comercial, já que a margem de risco com que elas trabalharão será reduzida, pois um árbitro com esta expertise é bem mais previsível do que seria, nas mesmas condições, aquele juiz, utilizado no exemplo citado.

4 A PESQUISA REALIZADA

Com o intuito de obter maiores informações sobre o conjunto de atividades, que culminou na Lei 9.307/96, buscava-se entrevistar, para essa dissertação, os três membros da comissão redatora da Nova Lei de Arbitragem, Selma M. Ferreira Lemes, Carlos Alberto Carmona e Pedro A. Baptista Martins; conseguindo, ao final, entrevistar apenas os dois primeiros.

Selma M. Ferreira Lemes é considerada a “Dama da Arbitragem no Brasil” (MUNIZ, 2005, p. 56), sendo uma das mais conceituadas árbitras no Brasil. Além disso, foi a única mulher a compor o grupo dos três autores do anteprojeto que deu origem à Lei 9.307/96. A entrevista ocorreu em 01/04/2006, no aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre/RS. Por ocasião de sua vinda a Porto Alegre, para um congresso sobre arbitragem na PUCRS, o pesquisador agendou com ela a entrevista.

Carlos Alberto Carmona é professor de Direito Processual Civil, na Faculdade de Direito da USP e, indiscutivelmente, uma das maiores autoridades em arbitragem no Brasil, tendo forte atuação como árbitro. Também foi um dos três autores do anteprojeto que deu origem à Nova Lei de Arbitragem. A entrevista ocorreu em 08/05/2006, em seu escritório de advocacia, na cidade de São Paulo/SP, e foi agendada pelo pesquisador, por e-mail, após um prévio contato por telefone e pessoalmente, quando o entrevistado veio a Porto Alegre para participar de um congresso na PUCRS.

Neste capítulo, destacam-se os pontos considerados mais importantes das entrevistas realizadas, tecendo observações e relações entre as informações e opiniões obtidas e o desenvolvimento teórico feito ao longo desse trabalho. E, já de início, registra-se que a análise das entrevistas, de um modo geral, demonstra um razoável grau de afinidade e semelhança entre as posições dos dois entrevistados. Embora cada um deles tenha um enfoque mais forte na sua área de especialidade (Selma Lemes, Direito Internacional e Carlos Carmona, Processo Civil), pode-se dizer que existem muito mais semelhanças do que diferenças entre as posições expostas.