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A GLOBALIZAÇÃO E OS CONTRATOS INTERNACIONAIS

Ambos os entrevistados, já no início da conversa, fizeram expressa referência2122 ao livro organizado por Petrônio Muniz, “Operação Arbiter” – bastante utilizado nesse trabalho – como uma importante fonte de informações e dados sobre o movimento que culminou com a Lei 9.307/96. Ainda nessa seara, e especificamente sobre o ambiente em que foi editada a referida lei, percebe-se algumas diferenças de opinião entre os entrevistados. Por parte de Selma Lemes, há um destaque maior na importância que as empresas estrangeiras e os contratos internacionais tiveram para o desenvolvimento da arbitragem no Brasil.

A arbitragem se insere no contexto nacional, num contexto das reformas do Código de Processo Civil em todos os sentidos, sempre pensando em melhorar a prestação tradicional. E aí a arbitragem entra nesse sentido, neste contexto. Agora, nós não podemos deixar de pensar numa amplitude maior, numa conotação também internacional, porque a globalização da economia, a intensificação do comércio internacional, fizeram com que os contratos tivessem...quer dizer, sempre tiveram contratos internacionais, mas começaram a ter muitos contratos internacionais. PESQUISADOR

A abertura do Brasil neste ponto foi um incentivo? SELMA LEMES

Foi um incentivo, porque aí você passa a receber uma demanda internacional. E os contratos internacionais sempre vêm com cláusula de arbitragem. E a essa demanda internacional naturalmente nós não estávamos preparados pra isso, porque a nossa legislação não colabora, não colaborava. Porque havia um entendimento equivocado do Judiciário. E eu entendo o seguinte: que o grande da arbitragem no Brasil em termos de texto legal não era e nunca foi pela razão da lei, mas muito mais por uma questão de interpretação judiciária. Se o Judiciário tivesse feito uma interpretação mais rígida dos conceitos, dando efeito vinculante à cláusula compromissória, tivesse feito uma construção jurisprudencial nesse sentido, como ocorreu nos países latino-americanos....Você pega a legislação Argentina, você vê que eles estão com o mesmo texto de antigamente. Hoje eles estão ultrapassados, a legislação chilena está ultrapassada. Estão ultrapassados estes textos, mas sempre houve um entendimento de que arbitragem era uma coisa séria. Se você colocou uma cláusula tem que honrar. E se você não nomeia os árbitros o Judiciário então nomeia por você. Mas não foi essa a tendência nacional, no Brasil o Judiciário entendeu que não. Que a

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Selma Lemes: “Eu recomendaria que você primeiramente consultasse um livro, do Doutor Petrônio Muniz, não sei se você já conhece, Operação Arbiter. Porque aquele livro dá a história toda da lei. Então, como foi a parte política, de aprovação da lei, conta tudo; onde nós nos reunimos pela primeira vez, como tudo começou, entendeu? Então esse livro te dá uma noção muito boa. E esse livro é editado pelo Senado Federal. Se você consultar esse livro vai ser ótimo porque ai você terá uma noção de tudo, perfeita”.

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Carlos Alberto Carmona: “Ah, aquele livro é muito bom. Operação Arbiter. Você liga pra ele, se for o caso, e ele te manda o livro. Depois te dou o telefone dele pra você ligar. É excelente a obra dele. É nova; ele fez o ano passado. Mas ele conta todas as histórias, e com aquela verve, que você já imagina do recifense, que é aquela coisa mais bombástica, tal. É um excelente livro. É um pró-memória assim. Excelente livro, vale a pena ler. Muito, muito interessante. Vale a pena você ler, por que lá você vai encontrar muita coisa, inclusive datas, as emendas que foram sugeridas para arbitragem, as doze emendas, ele compilou todas. Então ele fez um trabalho assim, bem bacana”

cláusula compromissória era uma cláusula como outra qualquer. Então se impunha, era necessário um texto que atualizasse isso. E esse é um dos motivos que fez surgir a lei de arbitragem.

Veja-se que Selma Lemes refere que “os contratos internacionais sempre vêm com cláusula de arbitragem”, corroborando com a afirmação anterior de que a esperada desconfiança que as partes envolvidas têm dos órgãos judiciários estrangeiros, acabe por constituir um incentivo ao incremento da arbitragem, na medida em que esta se apresenta como uma solução mais “neutra” e segura. A entrevistada, além disso, faz expressa menção à globalização internacional como um fator de incentivo ao desenvolvimento da arbitragem no Brasil, apoiando, com isso, a afirmação de que a arbitragem da Lei 9.307/96 foi um dos reflexos, no sistema jurídico, desse movimento de ordem mais econômica.

Vale destacar, ainda, que Selma Lemes acaba por oferecer reforço à idéia de que os advogados – especialmente de grandes empresas ou escritórios de advocacia – tiveram um impulso importante no desenvolvimento da nova lei. Aqui parece ela anuir com este possível papel para o desenvolvimento da arbitragem dos advogados, seja das grandes law firms (Dezalay e Garth, 1996), seja dos que internamente trabalham em grandes empresas:

PESQUISADOR

Pela sua impressão, são empresas internacionais que não tiveram a experiência no judiciário brasileiro e apenas o temem por não conhecer, ou tem muitos casos de empresas que procuram a arbitragem porque em casos semelhante, antigos, lá não foram bem resolvidos, ou porque demorou, ou porque teve alguma insegurança? SELMA LEMES

Eu não sei, eu acho o seguinte: uma coisa é verdadeira, quando você está lidando com uma empresa multinacional ela já tem uma tradição, conhece, porque isso já vem da matriz. Então é mais fácil você explicar e convencer e até o entendimento é mais rápido, quando você está trabalhando com uma empresa multinacional. Empresa de advogado também. Quando você está tratando com advogado interno da empresa, são advogados que têm uma noção do tipo corporativa, uma noção de business. Eles entendem e verificam a arbitragem como uma boa saída para as questões frente ao Judiciário. Agora, eu acho assim que o empresário, o empresário, ele conhece, ele ouviu falar do tema, mas ele sempre vai se consultar com o advogado dele.

Carmona, por sua vez, embora reconheça que a expansão do comércio internacional tenha acabado por dar um impulso ao desenvolvimento da arbitragem no Brasil, assevera que não se pode atribuir às empresas estrangeiras demasiada importância, afirmando que o movimento seria mais “de dentro para fora”:

PESQUISADOR

E nesse panorama, as empresas de fora, as empresas estrangeiras – neste período o mercado começa a se abrir mais – houve, digamos assim, um incentivo por parte delas para o desenvolvimento da arbitragem? A arbitragem se desenvolveu, teve um maior impulso em seu desenvolvimento por conta destas empresas estrangeiras que estavam vindo?

CARLOS ALBERTO CARMONA

Olha, a minha experiência é particular, porque eu não tenho um conhecimento geral de estatísticas. Eu tenho muita arbitragem de empresas nacionais. Litígios nacionais, entre empresas brasileiras, que são resolvidos por arbitragem. Parece que o fenômeno é um pouco diferente. Porque há um descrédito muito grande no Poder Judiciário de um lado. E de outro há a necessidade de encontrar formas de resolver os litígios de forma mais rápida e mais barata. Mas mais barata em termos empresariais, quer dizer, no sentido custo-benefício. Então a arbitragem parece que funcionou bem para as empresas brasileiras que precisam resolver seus problemas e não podem ficar esperando a Justiça. Não creio que as empresas estrangeiras sejam as responsáveis pelo desenvolvimento da arbitragem aqui. É claro que num movimento macroscópico, o comércio internacional evidentemente é o grande propulsor dessa lex mercatoria, que acabou, também, sendo uma das vertentes da arbitragem. Mas a nossa lei de arbitragem, eu acho que ela é um fenômeno de dentro pra fora.

Constata-se nos comentários acima, uma admissão, pelo entrevistado, de que a arbitragem se mostrou como uma alternativa de mais qualidade para a prestação jurisdicional, em resposta a um descrédito no Poder Judiciário, afirmação essa que acaba por reforçar a sua configuração como opção de saída, debatida ao longo do trabalho. Veja-se que Carmona fala explicitamente: “há um descrédito muito grande no Poder Judiciário de um lado”, o que leva, imediatamente, a relacionar isso com o chamado “decréscimo de qualidade” referido por Hirschman, que é o pressuposto para o surgimento, seja das opções de voz, seja da opção da

saída. Quando o entrevistado admite a existência de uma relação entre o descrédito do

Judiciário e a Lei 9.307/96, está subsidiando a idéia de que esta surgiu, efetivamente, como uma possível via paralela, concorrente no sentido que Hirschman lhe dá, em uma opção típica de saída.