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A maior similitude de pensamento entre os árbitros e os empresários, do que entre os juízes e os

3.5 A LGUNS DOS MOTIVOS PELOS QUAIS A ARBITRAGEM P O DE SER VISTA COMO UMA OPÇÃO DE SAÍDA

3.5.1 A maior similitude de pensamento entre os árbitros e os empresários, do que entre os juízes e os

De um modo geral, é possível supor que uma das vantagens, que poderiam ser apontadas à arbitragem empresarial, é a de que, em média, há maior similitude de pensamento entre os árbitros e os empresários, do que entre os juízes e os empresários. Parece viável que, usualmente, “as visões de mundo” dos árbitros estejam mais próximas da dos empresários, do que a dos juízes estatais, em média.

Embora essa questão possa ser abordada de várias maneiras – vide, por exemplo, a afirmação de Simonsen (1969, p. 262) em que fala da dificuldade que o funcionário público tem de lidar com o lucro, que é essencial ao empresário – no caso em exame busca-se deter em duas pesquisas recentemente realizadas.

Uma pesquisa interessante foi conduzida por Castelar Pinheiro, em 2002. Neste ano, o pesquisador do IPEA publicou um trabalho feito em 2000, no qual narra que

a pesquisa de campo foi executada através da aplicação de um questionário especialmente desenhado e previamente testado a uma amostra de magistrados, através de entrevistas pessoais, ou pelo menos com a entrega e posterior coleta do

questionário, sendo feitas diretamente pelo entrevistador. A amostra final incluiu 741 magistrados, cobrindo o Distrito Federal e 11 estados” (p. 7).

Dentre as mais variadas conclusões desta pesquisa, a que cabe neste momento ressaltar é a considerável divergência entre juízes e empresários, com relação à forma pela qual os contratos devem ser interpretados e aplicados. Sendo assim, foi feita a seguinte pergunta: “Questão 8: Na aplicação da lei, existe freqüentemente uma tensão entre os contratos, que precisam ser observados, e os interesses de segmentos sociais menos privilegiados, que precisam ser atendidos. Considerando-se o conflito que surge nesses casos entre esses dois objetivos, duas posições opostas têm sido defendidas: A. Os contratos devem ser respeitados, independentemente de suas repercussões sociais; B. O juiz tem um papel social a cumprir, e a busca da justiça social justifica decisões que violem os contratos. Com qual das duas posições o(a) senhor(a) concorda?”

Com as respostas verificou-se que 73,1% dos magistrados escolheram a opção B, que privilegia a justiça social; 19,7% optaram pela resposta A, que defende o respeito aos contratos; 2,8% responderam “Não sabe/sem opinião” e 4,3% não responderam (PINHEIRO, 2002, p. 23). No tocante aos empresários de porte (que seriam aqueles aos quais a arbitragem mais se ajusta), observou-se que 72% afirmaram escolher a opção A, que privilegia o respeito aos contratos, sendo que 15% optaram pela resposta B – ou seja, uma posição quase diametralmente oposta à dos juízes17.

Ou seja, a distância entre o que um empresário entende como um uma interpretação e/ou aplicação correta de um contrato, e o que um juiz entende por isso parece ser amazônica. E isso é de grande importância quando se recorda, como bem dito por Parsons e Smelser (1965, p. 105), que “o contrato é a base institucional para a estrutura dos mercados”; ou ainda como diz Amartya Sen (2005, p. 23) “a eficiência das trocas não poderia funcionar até que os contratos pudessem ser livremente firmados e efetivamente validados, por meio de reformas tanto jurídicas quanto de comportamento”, referindo-se às relações entre as instituições jurídicas e o avanço do capitalismo.

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Recomendável, todavia, afirmar que, talvez a pesquisa possa ser criticada porque compara a opinião de pessoas que possuem distintos graus de conhecimento jurídico. Aqueles com formação e prática jurídica possivelmente estejam mais dispostos a escolher a opção B, porque sabem que, muitas vezes, o cumprimento da “letra fria” de um contrato (a opção A) mostra-se não-razoável, porque podem existir inúmeras variáveis que levam à necessidade de adequação de um contrato, sem significar, necessariamente, uma visão “de esquerda”. Entretanto, em que pese essa ponderação feita, acredita-se que a distância de posições foi tamanha, que mesmo essa eventual dificuldade na forma da pesquisa não comprometa os resultados por si obtidos.

Tem-se, com isso, que em um tema fundamental ao ambiente empresarial, que é o tema dos contratos, existe um baixíssimo compartilhamento de valores entre juízes e empresários.

É importante dizer aqui que, para o argumento proposto, pouco importa quem tem razão nas suas respostas. Pouco importa se os juízes estão ou não certos quando dizem buscar mais a justiça social do que o cumprimento puro e simples do contrato. Esteja quem estiver com a razão (e isso é questão que não faz parte dessa dissertação) o que se pretende afirmar é essa notável distância de posicionamento entre empresários e juízes.

Vale dizer também que, afora essa pesquisa de Castelar Pinheiro, há o trabalho de Lamounier e Souza (2002). Nesse, quando feita uma pergunta semelhante, também os empresários responderam de forma praticamente oposta aos magistrados, com relação ao valor que deve ser dado aos contratos. É curioso afirmar, ainda, que dentre as outras categorias incluídas na pesquisa (intelectuais; religiosos e ONG’s; imprensa; executivos do governo federal; senadores e deputados federais; dirigentes de entidades de representação sindical e liderança do segmento de pequenas e médias empresas), apenas os dirigentes de entidades de representação sindical responderam de forma mais favorável à opção de intervenção no contrato, do que os magistrados ouvidos.

Mas em que medida isso se relaciona com a arbitragem? É que, como já visto em Durkheim, as pessoas normalmente se sentem mais seguras ao serem julgadas por semelhantes. Recorde-se o direito constitucional que tem o cidadão brasileiro de, em alguns casos, ser julgado pelo tribunal do júri, formado por pessoas da mesma localidade que o acusado, justamente para que quem o julgue sejam pessoas que compartilhem, genericamente, de seus valores. Segurança, essa, que no caso do ambiente empresarial pode ser traduzida por previsibilidade ou, ainda, calculabilidade, para utilizar a expressão weberiana.

Disso decorre uma conclusão que se julga importante. Independentemente de quem tenha ou não razão, se – simplificando – os empresários acham importante o respeito aos contratos e os magistrados não (entendida essa afirmação no contexto das pesquisas antes referidas), quando existir um contrato entre empresários, sempre que possível devem estes tentar fugir de uma interpretação pelos magistrados, na medida em que estes, possivelmente, irão analisar o contrato com olhos diversos da visão dos empresários.

Em outras palavras, seria bastante conveniente aos empresários que alguém – que não os magistrados, de um modo geral – interpretassem os contratos que são, por si, firmados. Sempre que possível, portanto, seria racional a “fuga” da interpretação contratual dos magistrados, na medida em que estes possuem “visões de mundo” bastante diversas dos

empresários. Nesse sentido, portanto, essa dissonância de entendimento sobre os contratos entre empresários e juízes seria um fator de incentivo à escolha da arbitragem, com a suposição de que com os árbitros isso ou não ocorreria, ou ocorreria em menor grau do que os juízes18.

3.5.2 A possibilidade de escolha do árbitro pelas partes: a existência de accountability