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A possibilidade de escolha do árbitro pelas partes: a existência de accountability vertical

3.5 A LGUNS DOS MOTIVOS PELOS QUAIS A ARBITRAGEM P O DE SER VISTA COMO UMA OPÇÃO DE SAÍDA

3.5.2 A possibilidade de escolha do árbitro pelas partes: a existência de accountability vertical

Dentre as vantagens comparativas atribuídas à arbitragem em relação ao Poder Judiciário – tendo o cuidado, sempre, de não tomá-las como absolutas (CARMONA, 1993, p. 72) – está a possibilidade de que as partes possam eleger aqueles que irão julgar a sua causa. Nesse momento pretende-se abordar essa questão sob um outro ponto de vista.

Como exposto anteriormente, ao contrário da arbitragem, no processo civil brasileiro a escolha do julgador se dá, de regra, por sorteio. Quem deseja ingressar com uma ação judicial deve protocolar sua ação no foro competente. Em seguida a esse protocolo, dar- se-á a distribuição da demanda, por sorteio, a um dos juízes daquela comarca. Disso decorre que o processo poderá “cair” com qualquer um dos vários juízes sediados naquela comarca – respeitadas, obviamente, as normas legais e regimentais sobre sua competência.

Não há, portanto, a possibilidade das partes direcionarem sua causa a um específico juiz, seja porque tem uma notória especialidade no assunto que deverá ser decidido, seja porque em uma ação anterior mostrou-se ser um magistrado competente e célere. A “escolha” do julgador, na jurisdição estatal, é fruto da sorte.

Na arbitragem, entretanto, como já dito, a sistemática é bastante diferente. Coerente com o princípio da autonomia da vontade que a inspira (LEMES, 2001), nesta as partes escolhem o árbitro ou os árbitros que irão julgar a controvérsia. Decidem, de comum acordo, nomear como julgador, ou seja, como aquele que irá dizer de forma definitiva qual deles têm razão, alguém que, por algum motivo, é de confiança das partes. E é dessa confiança das partes que decorre a autoridade dos árbitros (GUERREIRO, 1993, p. 1).

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Não se tem ciência da existência de uma pesquisa que repetisse ao “mundo da arbitragem” essas perguntas a que foram submetidas às outras categorias, embora fosse atividade deveras interessante para confirmar ou refutar as especulações acima. Entretanto, ainda que isso não ocorresse, a configuração da arbitragem como saída não ficaria descaracterizada, porque o que interessa para a visualização da saída é menos a qualidade real do concorrente, e mais a qualidade que o agente imagina que o concorrente possa ter, como Hirschman bem detalha em seu trabalho.

Exposta a diferença, seria então de indagar: mas qual a vantagem dessa possibilidade de escolha do árbitro? De um modo geral, a doutrina jurídica brasileira se inclina em apontar a possibilidade que se tem, com isso, de indicar como árbitro um expert na matéria (CARMONA, 1993, p. 16). Sabe-se que, por sua própria formação, a maioria dos juízes estatais pode ser classificada como generalista (MAGALHÃES, 1986, p. 18), no sentido de que sua atividade profissional exige o conhecimento de um amplo leque de variadas questões jurídicas, sem que tenha – até pelo expressivo volume de casos a serem apreciados – a possibilidade de por vezes se especializar em um único tema.

Ocorre que, usualmente, a arbitragem é utilizada justamente em questões de alta complexidade, de elevado grau de especialização (WALD, 2005, p. 17), em que é necessário um profundo conhecimento técnico para julgar a questão litigiosa entre as partes (REALE, 2005). Nesse contexto, portanto, a vantagem em se escolher o árbitro – e nisso a doutrina é bastante tranqüila – estaria na possibilidade de indicar alguém que, efetivamente, domina o assunto versado naquela lide, fato que traria às partes envolvidas maior segurança com relação à qualidade da decisão a ser proferida.

Embora se concorde com essa posição – mais adiante inclusive melhor trabalhada – há um ponto, uma conseqüência disso, que normalmente não é explorado: o fato de que, dessa forma, acaba sendo criado um mecanismo de accountability vertical entre as partes e os árbitros (O’DONNELL, 1998). Oportuno atentar que na arbitragem, ao contrário do que se dá na jurisdição estatal, as partes têm a possibilidade de, ao término do processo, realizar um efetivo (e profícuo) julgamento do trabalho realizado pelo árbitro ao longo do procedimento arbitral.

É evidente que, também na esfera estatal, ao final de um processo, cada uma das partes pode fazer sua análise de como se portou o magistrado naquela causa: se ele decidiu de forma técnica ou não, de forma célere ou não, se foi razoável ou desproporcional, entre outras considerações. Só que essa análise feita pela parte terá pouca ou nenhuma conseqüência de ordem prática. Tal se dá porque, como já referido, o juiz no processo estatal é escolhido por sorteio. Imagine-se, portanto, que a empresa “A” tenha – ao final do processo – ficado bastante descontente com um juiz; achando que ele foi lento demais, pouco claro em suas decisões, não primou pela melhor técnica, entre outros problemas. Nada impede que, no dia seguinte ao final daquele processo, caso a mesma empresa “A” for distribuir uma nova ação, seja esta direcionada, por (má) sorte àquele juiz que recebeu sua avaliação negativa.

Isso seria totalmente diferente no caso da arbitragem. Como o árbitro é escolhido pelas partes, aquele que – por algum motivo – receber uma avaliação negativa, poderá ser,

sem qualquer dificuldade, afastado das próximas demandas. Há, portanto, um eficaz mecanismo de proteção das partes, uma vez que podem, ao final de um processo arbitral, com base na avaliação da atuação do árbitro, decidir por escolhê-lo ou não como o decisor de seus próximos casos.

Não se pode esquecer, ademais, que no ambiente empresarial nada impede que, em um mesmo dia, sejam firmados inúmeros contratos; e todos (ou quase todos), dependendo da área de atuação da empresa, poderão conter cláusula arbitral. Em tal ambiente, que é cada vez mais freqüente, o sistema de accountability vertical, que existe na Lei de Arbitragem, é extremamente atraente às empresas. Com isso, ao longo do tempo, diminuem as chances de escolher, por equívoco, um árbitro ruim19, na medida em que existe este processo de depuração daqueles que, em um procedimento arbitral, não atuam na forma e com o nível de excelência exigido. Cria-se, portanto, uma espécie de seleção, na qual os árbitros “ruins” tendem a ser postos de lado em benefício dos “bons”.

A existência dessa accountability vertical, portanto, acaba por ser uma eficiente redutora dos custos de transação, já que diminui, para as partes envolvidas, a incerteza sobre a postura daqueles que serão chamados a, futuramente, “completar” os contratos (inerentemente incompletos), por força das lacunas decorrentes do pressuposto da racionalidade limitada.