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Antes de discutir sobre a especificidade da docência na educação profissional, é interessante entender a especificidade dessa área de ensino. No Brasil, a EP é considerada uma modalidade da educação básica, prevista na LDB nº. 9.394/1996 (BRASIL, 2016b) e regulamentada pela Lei nº. 11.741/2008 (BRASIL, 2008a).

Revisitando essas legislações, é possível compreender que a EP pode ser integrada aos diferentes níveis e modalidades de educação, além das dimensões do trabalho, da ciência e tecnologia. Deste modo, a EP abrange os cursos de formação inicial e continuada, ou qualificação de trabalhadores; o ensino técnico de nível médio nas formas concomitante, subsequente e integrada, inclusive articulado com a educação de jovens e adultos (Proeja); e o ensino de nível de superior: graduação e pós-graduação.

Especificamente sobre a educação profissional técnica de nível médio (EPTNM), a LDB (BRASIL, 2016, grifo meu) define que pode ser desenvolvida basicamente em três formas:

Art. 36-B. subsequente, em cursos destinados a quem já tenha concluído o ensino médio; [...] Art. 36-C. integrada, oferecida somente a quem já tenha concluído o ensino fundamental, sendo o curso planejado de modo a conduzir o aluno à habilitação profissional técnica de nível médio, na mesma instituição de ensino, efetuando-se matrícula única para cada aluno; concomitante, oferecida a quem ingresse no ensino médio ou já o esteja cursando, efetuando-se matrículas distintas para cada curso, e podendo ocorrer: a) na mesma instituição de ensino, aproveitando-se as oportunidades educacionais disponíveis; b) em instituições de ensino distintas, aproveitando-se as oportunidades educacionais disponíveis; c) em instituições de ensino distintas, mediante convênios de intercomplementaridade, visando ao planejamento e ao desenvolvimento de projeto pedagógico unificado.

As legislações apontam que a EP possui uma série de características que lhe dão especificidade no contexto da Educação Escolar. De modo sucinto, ela visa o preparo para exercício da cidadania e a qualificação para o trabalho. Nessa perspectiva, esta modalidade de ensino é essencial como política pública, pois ela objetiva garantir o direito à educação e, concomitante, ao trabalho. Como explica Pontes (2016, p. 121), a EP pode contribuir para “[...] o desenvolvimento dos sujeitos em suas múltiplas dimensões, visando sua inserção crítica e criativa não só no trabalho, mas na vida social”.

Machado (2008a, p. 16) afirma que a especificidade primeira da EP é a tecnologia, tida como “[...] uma ciência transdisciplinar das atividades humanas de produção, do uso dos objetos técnicos e dos fatos tecnológicos”.

Frente disso, Machado (2008a, p. 16) ressalta que:

É próprio do ensinar-aprender tecnologia e, portanto, da docência na educação profissional tratar da intervenção humana na reorganização do mundo físico e social e das contradições inerentes a esses processos, exigindo discutir questões relacionadas às necessidades sociais e às alternativas tecnológicas.

Conforme Costa (2016), a especificidade dessa modalidade de ensino implica a articulação da Educação às dimensões do Trabalho e da Sociedade. O professor da EP, portanto, precisaria ser capaz de trabalhar com base nessa tríade. O trabalho docente nessa área é complexo e desafiador sob vários aspectos, mas, principalmente, porque os docentes são convocados a operar com teoria e com prática, com fito de proporcionar aos discentes a qualificação técnica adequada para o trabalho e, ao mesmo tempo, contribuir para a emancipação dos sujeitos e atuação consciente no mundo.

Como expõe Machado (2008a, p. 17), o desafio de atuar na EP também é devido ao fato de que, em cada modalidade, o professor precisa estar disposto a ter uma atuação didática e pedagógica diferente. Por exemplo: na modalidade técnica de nível médio, o professor precisaria, em cada forma, desenvolver as seguintes capacidades:

a) no ensino técnico integrado ao médio, ele deve saber integrar os conhecimentos científicos, tecnológicos, sociais e humanísticos, que compõem o núcleo comum de conhecimentos gerais e universais, e os conhecimentos e habilidades relativas às atividades técnicas de trabalho e de produção relativas ao curso técnico em questão; b) no ensino técnico concomitante ao médio, ele deve saber articular o planejamento e o desenvolvimento dos cursos, de modo a aproveitar oportunidades educacionais disponíveis; e c) no ensino técnico subsequente ao médio, ele deve saber lidar com um alunado heterogêneo que já concluiu o ensino médio e reforçar a formação obtida na educação básica paralelamente ao desenvolvimento dos conteúdos específicos à habilitação (MACHADO, 2008a, p. 17, grifo meu).

Em todas essas formas da educação profissional, segundo Machado (2008), o professor deveria ser um profissional com disposição para refletir, pesquisar, trabalhar em coletivo, efetivar ações críticas e cooperativas, compreender o mundo do trabalho, entender a função do docente, se atualizar em conhecimentos na área de formação específica e na área pedagógica.

Além disso, a autora afirma que o professor deve ser capaz de trabalhar tendo em vista a formação humana e integral dos seus alunos, isto é, uma formação em que os alunos se percebam sujeitos da sua história e adquiram compreensão crítica sobre o mundo do trabalho, as organizações sociais, o progresso tecnológico, entre outros fatores que caracterizam a realidade na qual os sujeitos estão inseridos.

Diante de tantas demandas, exigidas pela dinâmica do ensino profissional, é necessário, conforme Machado (2008a, p. 15), um “[...] perfil de docente capaz de desenvolver pedagogias do trabalho independente e criativo, construir a autonomia progressiva dos alunos”. Esse perfil do docente precisaria dar conta de três níveis de complexidade, conforme expõe Machado (2008a, p. 18):

a) desenvolver capacidades de usar, nível mais elementar relacionado à aplicação dos conhecimentos e ao emprego de habilidades instrumentais; b) desenvolver capacidades de produzir, que requer o uso de conhecimentos e habilidades necessários à concepção e execução de objetivos para os quais as soluções tecnológicas existem e devem ser adaptadas; e c) desenvolver capacidades de inovar, nível mais elevado de complexidade relacionado às exigências do processo de geração de novos conhecimentos e novas soluções tecnológicas.

Diante disso, Machado (2008) defende que a especificidade da EP implica na especificidade da formação e da atuação dos docentes para esta área. Assim, as formações específicas nessa área podem contribuir para reflexão sobre as práticas de ensino. Nessa lógica, Machado (2008) defende que os cursos superiores de licenciatura são espaços privilegiados de formação docente na EP, além de uma necessidade urgente.

Moura (2008a) assevera que a formação docente para a EP precisa capacitar os professores para além da aquisição de técnicas didáticas de transmissão de conteúdos, devendo, “[...] privilegiar a formação no âmbito das políticas públicas do país [...] de modo que se deve priorizar mais o ser humano do que, simplesmente, as relações de mercado e o fortalecimento da economia” (MOURA, 2008a, p. 30).

Diante do exposto, o professor precisaria de uma formação que o possibilitasse dominar os conhecimentos específicos da área profissional em que atuam, propiciar esses conhecimentos a seus alunos de modo didático-político-pedagógico, sem deixar de estabelecer diálogos com a sociedade e com o mundo do trabalho. Sendo

assim, os cursos de formação docente precisariam contemplar, conforme expõe Moura (2008a, p. 30):

a) as relações entre Estado, sociedade, ciência, tecnologia, trabalho, cultura, ser humano e educação; b) políticas públicas e, sobretudo, educacionais; c) papel dos profissionais da educação, em geral, e da EPT, em particular; d) concepção da unidade ensino-pesquisa; e) concepção de docência que se sustente numa base humanista; f) concepção de docência que impregne a prática desse profissional quando sua atuação se dá no mundo do trabalho; g) a profissionalização do docente da EPT: formação inicial e continuada, carreira, remuneração e condições de trabalho; h) e desenvolvimento local e inovação.

Coelho (2014) complementa, dizendo que o professor da EP teria que receber uma formação que lhe permitisse saber compreender a sociedade; conhecer a educação brasileira, bem como seus problemas, dificuldades e possibilidades de mudanças; entender a instituição escolar; dominar os diferentes processos, estratégias e recursos de aprendizagem e ensino; entre outros saberes. Todavia, Coelho (2014, p. 71) afirma que “[...] a formação pedagógica inicial e continuada na educação profissional brasileira sempre foi precária, provisória e emergencial”.

O docente na EP, portanto, carece de políticas que reconhecem a complexidade do seu trabalho e que considera importante o saber sistemático próprio desta área. Frente a isso, Gariglio e Burnier (apud COSTA, 2016, p. 96) defendem que

[...] essa falta de política de formação docente e, especialmente, a falta de exigência da formação docente específica para o exercício da profissão atende aos interesses dominantes, considerando a possibilidade e a perspectiva que, o professor da educação profissional, pela sua influência na formação do trabalhador, seja preparado criticamente para levantar questionamentos [...] sobre a relação capital x trabalho.

Com isso, atualmente, grande parte dos professores que atuam na EP carecem de formação pedagógica inicial e continuada. Isso acaba resultando em profissionais despreparados para trabalhar na perspectiva da dimensão humana e da formação integral. Moura (2008) mostra que, na atualidade há, no mínimo, três grupos distintos de professores que atuam na EP. O primeiro grupo é de profissionais não graduados, estes atuam principalmente nas instituições privadas, incluindo o

Sistema “S”10

e as Organizações Não-Governamentais (ONGs). O segundo é dos graduados em cursos de bacharel ou tecnólogos, sem habilitação para atuar na docência em geral. O terceiro é composto pelos professores licenciados, mas sem formação específica para atuar na EP.

Diante desse quadro, é evidente que o trabalho docente na EP é imbricado por diversos desafios e que, só com a formação inicial que, histórica e atualmente, tem sido ofertada nas universidades, não há possibilidades de o professor responder à dinâmica científica e tecnológica requerida nessa modalidade de ensino. Nesse contexto, ganha importância a formação pedagógica específica para a formação de professores da EP.

Moura (2014a) defende que tanto os professores licenciados, como os bacharéis devem ter uma formação complementar nessa área. Isso se deve ao fato de que os licenciados possuem a formação básica de matemática, química, português etc., que dá base para atuarem no ensino propedêutico, mas lhes falta a formação para trabalhar na educação profissional. Com efeito, muitos professores licenciados possuem dificuldades em relacionar a sua disciplina de ensino aos conteúdos profissionais. Aos bacharéis e tecnólogos falta-lhes a formação docente para atuar na educação em geral: propedêutica e profissional; é o caso, por exemplo, dos engenheiros.

A falta de políticas públicas de formação docente para a EP, no Brasil, possibilita uma regulamentação fragmentada e emergencial, muitas vezes ajustada ao modo de produção. Assim, conforme Moura (2014a), o papel do professor na EP tende a se centralizar mais na dimensão econômica e menos humana, o que pode reduzir a docência a uma função de formar pessoas com competências técnicas para a empregabilidade e para o mercado.

10 Sistema “S” remete a um conjunto de instituições corporativas que possuem, dentre vários

objetivos, o interesse em propiciar a qualificação profissional. Fazem parte do Sistema “S”: Senai, Sesc, Sesi, Senac, etc.